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Hoje é o tal Dia do Advogado (apesar da sua raça)

Cá comigo penso que menos nas redes sociais, por trás de gravatas, festas do rubi, e meses de agosto, e mais no cinema e na literatura parece possível serem encontrados os exemplos mais verossímeis da advocacia e seus inscritos

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No filme "Medo e Delírio em Las Vegas" (1998) –– baseado em um livro homônimo do famigerado jornalista Hunter Thompson ––, o personagem de Johnny Depp, Raoul Duke, faz-se acompanhar do pitoresco Dr. Gonzo, um advogado samoano que antecipa repetidas vezes a expressão "como seu procurador, eu lhe aconselho..." sempre ao recomendar condutas absurdamente imorais ou ilegais.

Então, como seu procurador, ele o aconselha a usar drogas em doses cavalares; como seu procurador, ele o aconselha a dirigir em excesso de velocidade; como seu procurador, ele o aconselha a dar calote em hotéis de luxo; como seu procurador, ele o aconselha a cafetinar uma jovem artista de menor...

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Dr. Gonzo é talvez a representação por excelência do advogado nada ideal: dono de uma retórica pomposa e obcecada por argumentos de autoridade, é o profissional cínico que orienta o seu cliente a tomar as medidas mais estapafúrdias (talvez para lucrar com isso...), pouco importando que este se meta nas maiores enrascadas.

É curioso, no entanto, quando a certa altura do filme, Duke diz convicto a um caroneiro, apavorado com os desvarios da dupla a bordo de um Chevrolet Impala vermelho conversível, apontando ao Dr. Gonzo: "Esse homem à direção é o meu advogado. Apesar da sua raça, ele é extremamente valioso pra mim."

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A propósito, um conhecido advogado das telinhas smart virou bacharel após um curso de direito online da University of American Samoa Law School. Na incensada série americana Breaking Bad, Saul Goodman é o mais rematado, por assim dizer, advogado de porta de cadeia a serviço do crime –– "You're not Clarence Darrow, Saul. You're a two-bit bus-bench lawyer and you work for me" ––, repleto de juízos estarrecedores, embrulhados o mais das vezes em "metáforas coloridas". Por exemplo: ao recomendar, de certo modo acovardado, que Mr. White desse cabo de seu cunhado Hank, agente do DEA, sugeriu que o "mandasse fazer uma viagem a Belize"... Como a princípio o bom traficante não entendesse do que realmente se tratava, Goodman insiste, relembrando-o, sim, Belize, para onde nosso parceiro Mike acabou indo. Como quem vai a cidade dos pés juntos. Walter o assassinara com um tiro à queima-roupa.

Noutra ocasião, Saul Goodman apela ao mais dramático filme da Disney, insinuando que o problema do enfant terrible Jesse Pinkman fosse depressa encarado por Walter White como uma situação do tipo Old Yeller (1957), em que o garoto Tommy tem de sacrificar o seu amado vira-lata heroico, pois o infeliz quedou acometido de hidrofobia. Ou seja, a circunstância em que, mesmo relutantemente, decisões difíceis devem ser tomadas. "Everybody loved that mutt, but one day he showed up rabid. And little Tommy –– for Old Yeller's own sake –– had to... well, you saw the movie", tergiversava, à guisa do daemon socrático.

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Quando não disfarçadas, envoltas em eufemismos, as opiniões desses juristas são costumeiramente de uma obscenidade só, disparadas sem o menor senso de desfaçatez. Visitado na prisão por Greta, que calha de ir lhe pagar a fiança, o advogado Fletcher Reede (personagem de Jim Carrey no filme de sugestivo título "O Mentiroso") concorda, para a consternação de sua velha secretaria, que de fato foi uma puta injustiça certo gatuno ter pulado o muro de uma amiga sua, caído em cima da churrasqueira e cortado o pé em uma faca que por ali estava, providencial; mas o malando, tendo processado a dona da casa pelo dano inadvertido, veio a filar seis mil dólares à título de indenização. A injustiça, segundo Dr. Fletcher, está no valor da indenização. Ele próprio teria conseguido dez mil.

Isso me relembra uma história acolá: certa feita, após se envolver em um imbróglio no trânsito de Floripa, meu compadre Ruy Vasconcelos reconheceu o dogma jurídico de que, "como todos sabemos, advogados não perdem causas no Brasil se a pendência se dá com eles. Ainda quando bêbados e sem razão. [...] quando eu estava observando a cena, em desolamento, Rui [o advogado] achegou-se aos trancos, abraçou-me, como a um velho amigo, e disse: "Xará, você vai ser meu testemunho. O caso tá ganho. [...] E, sabendo que a responsabilidade pelo incidente fora inteiramente de meu "xará", dei um jeito de esquivar-me."*

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Mas é de todos os tempos a crítica à gente togada.

Deve-se ao gênio de Aristófanes, contemporâneo de Sócrates, o arquétipo do juiz esdrúxulo e inescrupuloso, Philocreon –– personagem da peça "As Vespas", encenada na Grécia do ano de 422 antes de Cristo ––, de quem se colhe a seguinte exclamação narcísica: "Que há de mais feliz, de mais afortunado, do que um juiz? Que vida é mais deliciosa do que a sua? Quem é mais temido, sobretudo quando idoso?"

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Surpreende que os nossos magistrados pareçam ainda se mirar no exemplo daqueles juízes de Atenas. Gilmar Mendes, Nicolaus dos Santos Netos, Sérgios Moros, Flávios Robertos de Souzas, Daltons Dallagnols, Joaquins Barbosas... este último que de Quincas Borba (nem de filósofo) não tem nada.

Em 2012, a ministra Cármen Lúcia constatou, em tom basbaque, que "no Supremo não tem Pangloss". Pode ser. Precisamente porque também não tem Voltaire.

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Contudo, nem só de ladinos, safados, cínicos e pé-rapados vivem os nossos tribunais. Figura pelo menos a nível de comédia um dotô que admoestava sabiamente contra a inglória peleja nos desvãos dos palácios da Justiça. Diderot pôs na boca do experimentado Monsieur de Renardeux, advogado da Baixa Normandia, o testemunho pessoal de sua demanda contra a velha madame Servin, que já durava uma década e que se estenderia por mais outra; que o compelira a cinquenta viagens à capital francesa e que a outras tantas ainda o arrastaria; que, em suas contas, já lhe custara duzentas moedas de ouro e que outras duzentas desembolsaria ainda; e que, graças às poderosas proteções daquela dama, a causa ou não seria jamais julgada ou, se inopinadamente o fosse, não reaveria senão apenas um quarto de tudo que despendera...

Eis uma vera oração aos moços. Afoitos. Não à toa um dos subtítulos de "Est-il bon? Est-il méchant?", de Diderot, seja Celui qui les sert tous et qui n'en contente aucun (c. 1781, cf. Ato II, Cena IV).

Afinal, cá comigo penso que menos nas redes sociais, por trás de gravatas, festas do rubi, e meses de agosto, e mais no cinema e na literatura parece possível serem encontrados os exemplos mais verossímeis da advocacia e seus inscritos, tais como Sydney Carton (Dickens: 1859), Herr Huld (Kafka: 1925), Sir Wilfrid Robarts (Billy Wilder: 1957), Atticus Finch (H. Lee: 1960), os jás aludidos Fletcher Reede (1997) e Saul Goodman (Bob Odenkirk: 2009), James B. Donovan (Tom Ranks: 2015), entre muitos outros, ficando aqui apenas com os rebentos mais ilustres.

Para a minha desgraça, eu mesmo só confiaria uma demanda sem receios a dois causídicos de cujos serviços jamais poderei me valer: Fidel Castro e Matt Murdoch. O resto é fait divers.

Parabéns a todos, apesar da sua raça.

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* Disponível em: http://afetivagem.blogspot.com.br/2009/11/muito-mais-que-esses-quinze-minutos.html.

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