Horto Florestal, uma história de luta e resistência: comunidade vira exemplo de união e vitória popular
'Uma vitória histórica', escreve Reimont Otoni após um acordo entre o Jardim Botânico e moradores da comunidade Horto Floresta, no Rio
“Bacurau” é uma pequena cidade brasileira fictícia. No filme, genial, os moradores da cidade se fortalecem quando encurralados pelo isolamento e pela violência, extraem forças do coletivo.
Bacurau é uma alegoria do Brasil e representa milhares de comunidades que avançam em torno de muita união, muito companheirismo. Bacurau é a Ilha de Paquetá brigando por mobilidade, é o Quilombo Sacopã resistindo à pressão sistemática da especulação imobiliária, é a Vila Autódromo lutando em defesa do direito à moradia, são os sindicatos e os movimentos sociais. É também a insistência de familiares de vítimas de desaparecimentos forçados e de violência do estado, é a Arte e a Cultura ou a multidão que ocupa cidades para enquadrar parlamentares que traem o povo.
Muitas são pequenas e extraordinárias histórias, que precisam ser contadas, para que sirvam de exemplo e estimulem outras lutas, para mostrar que a união e a vontade popular têm força.
A comunidade do Horto Florestal, no Rio, conta uma dessas histórias. Começa no século 19, quando a terra foi desapropriada por D. João VI e as plantações de cana-de-açúcar cederam lugar para a construção de uma fábrica de pólvora e, depois, para o parque do Jardim Botânico.
Os primeiros moradores chegaram levados pela fábrica para a vila dos empregados, mais tarde tornada a vila dos trabalhadores do Jardim Botânico. A comunidade, de raízes históricas, se estabeleceu tendo como alicerce uma forte cultura ambientalista e preservacionista, incluindo os cuidados não só com o Jardim, mas também com o vizinho Parque Nacional da Tijuca. Ali, tiveram e educaram filhos e netos.
Tudo ia razoavelmente tranquilo, até que o Horto atraiu a atenção das elites e despertou a cobiça imobiliária de alto luxo. A partir dos anos de 1980, a União, proprietária da área, entrou com 215 ações de reintegração de posse; três famílias chegaram a ser removidas.
Luta tremendamente desigual, mas a comunidade acreditou e resistiu. Foi pras ruas e para os tribunais. Enfrentou as ações de remoção, assim como a violência policial, as bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral, as balas de borracha e as cassetadas. Não arredou pé, mesmo quando tudo parecia impossível.
Na última segunda-feira, dia 13 de outubro de 2025, o Horto venceu. Mais de seis décadas depois das primeiras ações de remoção, o acordo coletivo assinado pelo governo Lula, a Justiça e a Prefeitura da cidade encerrou um dos maiores conflitos urbanos do Rio de Janeiro, garantindo a permanência de 621 famílias no lugar.
É, acima de tudo, uma vitória histórica dos que resistiram, com coragem e dignidade, por gerações inteiras. É uma conquista social e coletiva, de uma gente que lutou em defesa do direito humano básico à moradia.
O Horto é Bacurau!
*Dedico esse artigo à memória do professor e procurador aposentado do Estado do Rio de Janeiro, Miguel Baldez, falecido em 2020, que dedicou grande parte da vida à luta em defesa dos moradores do Horto Florestal.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




