Hugo, Motta tua cara
"Quero ver quem paga pra gente te ver assim. Hugo, qual é o teu negócio, o nome do teu sócio?"
Hugo, Motta tua cara. Quero ver quem paga pra gente te ver assim. Hugo, qual é o teu negócio, o nome do teu sócio? Ontem, a Câmara dos Deputados ofereceu ao país um espetáculo que faria corar até os roteiristas mais ousados do absurdo. Foi um recorde de escárnio em 24 horas. Um deboche explícito, sem maquiagem, sem vergonha, sem pudor.
Com sua atitude - covarde, que fique registrado nos anais - o presidente da Câmara comunica ao Brasil que chutar a bunda de um provocador otário que insultou a mãe de um parlamentar é igual ou até mais grave que o conjunto da obra de Carla Zambelli: invadir sistema do Judiciário, manipular informações, perseguir armada um cidadão pelas ruas de São Paulo e transformá-las num palco de violência política. Na lógica de Hugo Motta, defender a honra de uma mãe pesa mais do que atentar contra o Estado Democrático de Direito.
Mas Hugo vai além. Ele diz ao país que participar da destruição das sedes dos Três Poderes, ferir policiais legislativos e patrocinar a quebradeira golpista de 8 de janeiro - o caso do deputado Alexandre Ramagem - é, curiosamente, menos grave do que Glauber Braga reagir ao ataque sórdido de um provocador.
É impressionante o esforço para proteger uns e sacrificar outros. Carla Zambelli e Alexandre Ramagem, já condenados pela Suprema Corte brasileira, estão foragidos, um vivendo vida mansa em condomínios de luxo, enquanto deveria pesar sobre eles não a expectativa de fuga, mas de julgamento. Há meses repousa, em clima de spa institucional, sobre a mesa da Presidência da Câmara o cumprimento da decisão judicial que determina a cassação dos mandatos de ambos. E Hugo Motta? Nada. Nem um gesto. Nem um sopro. Apenas a repetição de uma omissão que, vale lembrar, configura crime: descumprir ordem judicial não é opinião - é ilícito.
Ao mesmo tempo, Motta se mantém em absoluto silêncio sobre o comportamento de Eduardo Bolsonaro, que, confortavelmente instalado nos Estados Unidos, dedica-se dia sim, dia também, a atacar a democracia brasileira, a soberania nacional e instituições do Estado e obstruir a Justiça, num regime de traição permanente. Mas Hugo, que mostra a sua cara, mas não nos conta quem paga, finge não ouvir.
Trata-se - e aqui é importante reconhecer - de uma coreografia que não nasce do improviso. Ela é deliberada. E é por isso que temo que a sorte de Glauber Braga já esteja lançada. O Conselho de Ética, manejado convenientemente pela maioria governada por Motta, preparou o prato principal para o banquete: a cassação de Glauber como oferenda aos abutres de plantão.
E por quê? Simples. Porque, inevitavelmente, Zambelli e Ramagem serão cassados, por tratar-se de decisão judicial, realidade que Hugo tenta adiar. Diante disso, entregar a cabeça de Glauber vira gesto político compensatório: se perde dois, sacrifica um do outro lado para equilibrar o baralho - ou, melhor dito, para manter o balcão funcionando.
A diferença de tratamento é acachapante. É pedagógica. É brutal. Para Glauber, quando ocupou a cadeira da Presidência da sessão, sanção exemplar, castigo imediato, régua moral esticada ao limite. E com absoluta truculência e violência. Para os representantes da direita, que praticaram o mesmo ato - ou pior - houve tapete vermelho, risos contidos e espírito de tolerância republicana, aquela que só existe quando convém. E tudo isso depois do episódio dantesco de expulsar jornalistas do plenário com truculência, num gesto que deixaria saudoso qualquer regime que despreza a luz da imprensa.
Restará, diante desse carnaval de arbitrariedades, a judicialização. Não há dúvida de que a decisão do Conselho de Ética e do Plenário - absolutamente inconsistentes, desmedidas e politicamente manipuladas - será contestada. E esgotada a via institucional, restará o que sempre restou nas horas mais sombrias da história: a defesa do mandato no tribunal das ruas e das redes, porque, como ensinou a velha Europa em sua pior noite, Hitler também cassou opositores com argumentos supostamente legais, valendo-se do Decreto do Incêndio do Reichstag.
A história adora repetir seus avisos. O problema é que nem sempre gostamos de ouvi-los.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

