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Jean Goldenbaum

Músico, professor da Universidade de Música de Hanôver, Alemanha. É membro fundador do ‘Observatório Judaico dos Direitos Humanos do Brasil’ e fundador do coletivo ‘Judias e judeus com Lula’

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Iconografia e linguagem: nazismo e bolsonarismo

A partir de 2016, mais de 80 anos após a vitória eleitoral de Hitler, pudemos ver claramente no Brasil a extrema direita se utilizar de estratégias semelhantes

Apoiadores fazem gesto em direção a Bolsonaro em frente ao Palácio da Alvorada (Foto: Reprodução)
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Por Jean Goldenbaum

O uso de imagens, símbolos, simbologias e de um linguajar marcante e ilustrativo sempre se mostrou essencial a governos populistas. Estes, que apelam fortemente ao emocional dos cidadãos, disseminando uma ideologia que em muitos aspectos coincide com uma religião, têm na iconografia e na linguagem aliadas que funcionam como agentes desta conclamação. No bolsonarismo, não haveria de ser diferente.

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Já em 1933, quando Adolf Hitler ascendeu ao poder na Alemanha, o linguista Victor Klemperer (1881-1960) começou a notar que a ideologia nazista estava alinhada a uma premeditada e cuidadosa alteração semiótica e linguística. Mais do que utilizá-las a seu favor, os nazistas alterariam para sempre o idioma alemão, através da criação e da deturpação de termos, palavras e conceitos deste idioma. Não é à toa que existem hoje glossários e enciclopédias que tratam especificamente deste âmbito da história hitlerista. Klemperer concluiu em 1947 um dos mais importantes tratados sobre o tema, intitulado Lingua Tertii Imperii: No tizbuch eines Philologen (‘A linguagem do Terceiro Reich: anotações de um filólogo’), no qual explica minuciosamente como funcionavam os neologismos, os prefixos e os eufemismos utilizados pela máquina propagandista nazi.

A partir de 2016, mais de 80 anos após a vitória eleitoral de Hitler, pudemos ver claramente no Brasil a extrema direita se utilizar de estratégias semelhantes. Nesta seção do documento levantaremos tanto semelhanças como cópias fiéis da propaganda nazifascista, feitas pelos propagandistas bolsonaristas.

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Comecemos pelo slogan da campanha de Bolsonaro, “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. A primeira parte é imitação idêntica do lema alemão “Deutschland über alles” (‘Alemanha acima de tudo’), frase que encabeçava o hino nacional do país. Embora não criado pelos nazistas e sim um século antes, pelo poeta August Hoffmann von Fallersleben (1798-1874), o lema foi tão utilizado por Hitler e seus adeptos, que após o fim da Segunda Guerra, foi não somente removido do hino nacional, mas também estritamente proibido no país.

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Outro slogan bombardeado diariamente à população via Whatsapp e outros aplicativos  foi o “Acorda Brasil”. Este é mais uma plágio literal do repertório nazista. Hitler “alertava” seu  povo acerca das ameaças judaico-bolchevistas que estariam à espreita para destruir a nação  alemã: “Deutschland erwache” (“Alemanha, acorde”). Da mesma forma, Bolsonaro alertava  para a “ameaça comunista” e até mesmo um “Movimento Acorda Brasil” foi estruturado.

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Mesmo antes do período eleitoral, em 2016, já circulavam na internet imagens diretamente associadas à propaganda nazista em respaldo ao impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Os nazistas originais associavam os comunistas à cobra, um animal considerado desde tradições bíblicas como um vilão traiçoeiro e venenoso. Em 2016, a deputada Joyce Hasselmann, hoje ex-bolsonarista, compartilhava em suas redes sociais a foto que segue, na qual a águia da Polícia Federal esmagava uma cobra que representa no caso o PT.

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Já com Jair Bolsonaro eleito, presenciamos inúmeros casos de uso do linguajar e da semiótica nazistas. Em 11 de maio de 2020, por exemplo, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), veiculou a seguinte mensagem: “O trabalho, a união e a verdade libertarão o Brasil”. Nota-se claramente a semelhança com a frase “O trabalho liberta” (“Arbeit macht frei”), exposta nos portões do campo de extermínio de Auschwitz, e também o uso das ideias da “verdade” e da “liberdade”. Todos conceitos utilizados com frequência pelo nazismo que, por sua vez, era o verdadeiro esmagador da verdade e da liberdade.

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Uma outra expressão que também invadiu o universo brasileiro da linguagem a partir da ascensão do bolsonarismo é “cidadão de bem”. O jornalista Joaquim de Carvalho já em 2017 apontou a íntima correlação desta expressão com o Ku Klux Klan, entidade máxima da representação fascista estadunidense: 

“‘Cidadão de bem’, como se autodenomina o direitista brasileiro adepto a movimentos antipetistas, era o nome do jornal da Klu Klux Klan no seu período mais ativo. Com versículos bíblicos, em nome das famílias americanas, a organização linchava negros. Assim como seus simulacros brasileiros, os integrantes da KKK se apresentavam como cavaleiros iluminados, diante das hostes da maldade.”

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Um dos mais escancarados casos da neo-semiótica bolsonarista foi protagonizado pelo então secretário da Cultura, Roberto Alvim, que encenou uma imitação de discurso do ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels, com direito a música de Richard Wagner (compositor preferido de Hitler e símbolo do Reich) como trilha sonora, foto do “Führer” ao fundo e até mesmo ao mesmo corte de cabelo.

O presidente brasileiro defenestrou Alvim do cargo após as críticas ao vídeo tomarem proporções mundiais. A tática é antiga: veiculada a mensagem, descartar o mensageiro, como se isso representasse um pedido de desculpas. Mas a mensagem está passada e eternizada.

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Depois disso houve o “episódio do leite”. O presidente e alguns de seus homens-fortes apareceram bebendo leite em uma live. Beber leite em público é um símbolo dos neonazistas. Eles defendem uma “teoria” (obviamente parte da pseudociência), que afirma que somente indivíduos da raça ariana seriam capazes de tolerar lactose enquanto adultos. Portanto, em manifestações, eles tomam galões de leite e “se orgulham” disto.

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Muito antes mesmo de sua candidatura, Bolsonaro já abraçava a estética e a simbologia nazistas. É conhecido, por exemplo, o episódio em que ele deixou-se fotografar com um homem paramentado como o líder nazista.

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Em 1º de junho de 2020 ele postou em seu Twitter uma frase repetida frequentemente por Mussolini: “É melhor viver um dia como um leão, que cem como um cordeiro”. Não é de se surpreender que seu outro ídolo, Donald Trump, também tenha postado a mesma frase, em 2016.

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Em novembro de 2021 mais um episódio muito simbólico ocorreu. Em um evento de comemoração aos 80 anos da Força Aérea Brasileira (FAB), a orquestra desta instituição escolheu oportunamente como parte de seu repertório o prelúdio da ópera Os Mestres Cantores de Nuremberg (Die Meistersinger von Nürnberg), de Richard Wagner, que como já colocamos acima, foi um dos precursores do antissemitismo hitlerista. Esta peça não somente era uma das prediletas de Hitler, mas também possui posição importantíssima na história do nazismo.

Em 21 de março de 1933 ocorreu a fundação oficial do Terceiro Reich e exatamente esta composição foi apresentada, com Hitler sentado na primeira fileira, assim como fez Bolsonaro.

A obra também é tocada no início do filme de propaganda nazista de 1935 Triunfo da Vontade (Triumph des Willens). Entre 1943 e 1944, durante o ápice da Segunda Guerra Mundial, esta foi a única ópera apresentada nos festivais de Bayreuth (onde o próprio Wagner construiu no século XIX seu teatro operístico).

Em vídeo ao Brasil 247, aponto também que a ópera traz toda simbologia da cidade de Nuremberg, cidade sede do distrito militar nazista (Wehrkreis). Além disso, as Leis de Nuremberg, através da qual foram revogadas as cidadanias de todos os não-arianos, foram aprovadas na cidade e por isso trazem seu nome.

“Não, não é coincidência. Nenhuma obra no História é mais representativa do nazismo do que esta. A FAB escolheu esta obra da mesma forma que o ex-secretário Alvim também escolheu Wagner para sua encenação nazista. Bolsonaro está dando todos os sinais. Ele se comunica desta forma com os nazistas do mundo inteiro. Tocar Wagner – e especificamente esta obra – é a comunicação com todos os supremacistas brancos, nazistas e fascistas do mundo todo. Steve Bannon, por exemplo, entende na mesma hora a mensagem quando vê algo assim.”

Como já dito, o crescimento do antissemitismo sob o governo Bolsonaro não se dá apenas por ações diretas do presidente, mas também pelo sinal verde dado pela equipe no poder aos disseminadores do discurso totalitário em diferentes matizes, entre as quais, o antissemitismo.

Assim, apesar da retórica oficial de “amor aos judeus e a Israel”, ações e gestos sinalizam inequivocamente o sentido oposto. Nas imagens que seguem, seguidores de Bolsonaro não vêm qualquer problema em copiar a saudação nazista, o famigerado “Heil Hitler”, braço direito erguido.

O contra-argumento dado pelo presidente e pelos próprios bolsonaristas é de que esta mão erguida nada mais é do que um movimento tradicional que os evangélicos neopentecostais fazem ao rezar. Fatos e fotos estão aí, diante de todos, para que formem seu próprio julgamento.

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Observe-se que, para a construção da iconografia e da “novilíngua” bolsonarista, um coquetel de referências que mistura elementos bíblicos judaico-cristãos em interpretação neopentecostal, linguagem e simbologia semelhantes às do nazi-fascismo, discurso ultranacionalista e adesão acelerada à Internacional de ultradireita liderada por Donald Trump, a bandeira de Israel pode conviver tranquilamente com símbolos absolutamente contraditórios.

Com o passar do tempo e o aumento da compreensão acerca do bolsonarismo, é interessante também regressarmos à gênese deste movimento. Infelizmente ela possui estreita relação com a comunidade judaica brasileira. Referimo-nos aqui sobre o fatídico episódio do Clube Hebraica do Rio de Janeiro em 2017. Michel Gherman elucida o caráter nazista do discurso de Bolsonaro, salientando a linguagem do então candidato, e a presença visual da bandeira de Israel como plano de fundo:

“O que Bolsonaro constrói na narrativa da Hebraica? É um discurso em que ele critica o direito aos indígenas, o direito aos quilombolas, diz que o afrodescendente – de maneira irônica utilizando uma referência politicamente correta para chamar o negro – tem sei lá quantas arrobas.

E no final, ele faz uma referência positiva a um grupo específico. Qual é o grupo? Os japoneses. Ele diz que os japoneses são uma ‘raça honrada’. Aqui existe uma gramática política do nazismo sem tirar nem por, absolutamente perfeita. E é mais a gramática positiva do que a negativa. É claro que ele chama ser humano de animal, ameaça um grupo específico, mas olhe para a gramática positiva: o que ele faz? Ele trabalha com duas palavras fundamentais para o nazismo: Ele fala sobre ‘raça’ e sobre ‘honra’ em uma frase, para se referir a um grupo específico que no Brasil. E o texto do Jeffrey Lesser (historiador estadunidense) fala sobre isso: o japonês é visto pelos grupos racistas como ‘branco’, a ideia do ‘mais branco de todos’ nos anos 20, 30, no início da imigração. (…) Neste caso Bolsonaro aciona todas as referências claras do antissemitismo: raça, conspiração, está tudo lá. Mas ele faz isso na frente da bandeira de Israel, e evita citar os judeus. Então você tem uma estrutura antissemita e o alvo é diferente. Ele pega no alvo do lado.”

Gherman aponta como Bolsonaro, ao se colocar ao lado da bandeira de Israel, busca se “proteger” da acusação de nazismo. E isto certamente funciona com grande parte da população que não conhece e nem compreende toda a essência e complexidade do Nazifascismo.

Cabe ainda lembrar que a estratégia do AfD, o partido ultradireitista alemão – que nada mais é do que o partido neonazista com uma roupagem contemporânea – busca se utilizar de técnica semelhante, se escorando à Direita israelense e ainda se aproveitando do fato desta ser fortemente islamofóbica, como é o próprio AfD.

Por fim, agora, às vésperas das eleições mais importantes da história do Brasil, cabe concluirmos este artigo com as palavras do ‘Dokumentationszentrum Reichsparteitagsgelände’, o contemporâneo centro de documentação dos locais onde ocorriam as reuniões do partido nazista, justamente em Nuremberg, como já mencionamos acima. No fragmento de texto a seguir, este centro de pesquisa e documentação aponta à posição mítica que Hitler assumiu. E é claro, facilmente podemos traçar mais um paralelo com Bolsonaro, que desde o início de suas aparições públicas passou a ser chamado de forma descontroladamente apaixonada pelas multidões que o seguem de “mito”: 

“O mito de Hitler o retrata como um gênio único e ao mesmo tempo como um simples homem do povo, como uma pessoa sem necessidades pessoais que ‘se sacrifica’ a serviço do povo. Isso cria a ilusão de um super-homem à altura de qualquer tarefa e infalível. Tanto um salvador semelhante ao Messias e quanto simplesmente um bom vizinho. Isso ilustra a gama de dons construídos ao mito Hitler, com o intuito que as pessoas o abraçassem.”

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