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Denise Mantovani

Jornalista, doutora em Ciência Política. Estuda mídia, gênero e democracia

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Identidades, neoliberalismo e a agenda da esquerda progressista (II)

A aliança contra o neoliberalismo precisa incorporar a diversidade das lutas antirracistas, feministas, lgbtquiap+, e de direitos dos povos tradicionais

(Foto: Mídia NINJA)
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Muitas pessoas rechaçam e condenam o machismo, o racismo e a lgbtfobia quando essas práticas vêm da direita, da extrema-direita, de grupos bolsonaristas ou do próprio Bolsonaro. Mas há dificuldade, porém, em reconhecer que essas violências e preconceitos também existem no interior da esquerda.

Uma forma de violência, por exemplo, é a tentativa de deslegitimar e desmerecer a importância das agendas emancipatórias (ou reconhecimento das identidades) no debate público. Outra forma, invisível, mas nem por isso menos discriminatória, é a resistência a dar lugar para mulheres, negros ou lgbtqiap+ nas posições de poder e de representação política – partidos, sindicatos, governos e organizações. Muitas vezes, inclusive em parcelas da esquerda, a reação às lutas por justiça, reconhecimento de direitos e protagonismo político de grupos sociais historicamente subalternizados, é de qualificar essas lutas de forma depreciativa.

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Não se trata de uma questão “essencialista”, mas não é possível pensar em rupturas com sistemas hegemônicos sem romper com hierarquias tradicionais, que estruturam a dominação e exploração capitalista. Não haverá mudança efetiva se não houver um processo real de visibilidade e de presença física de corpos/gêneros/racialidades, ainda hoje subalternizados, que passem a ocupar os espaços públicos, políticos e de poder.

No artigo “O velho está morrendo e o novo não pode nascer” (2019), a feminista e cientista política estadunidense Nancy Fraser registra a forma como os neoliberais progressistas e reacionários se apropriam da política por reconhecimento de identidades. Os reacionários, na extrema direita, conciliam a política neoliberal de exploração, desregulação e precarização com uma política de reconhecimento excludente: a naturalização da violência, a banalização de práticas racistas, misóginas e xenófobas contra mulheres, negros, migrantes pobres, o autoritarismo e a valorização de um modelo único de família heteronormativa e hierárquica, além de uma visão idealizada de classe trabalhadora representada por homens brancos e suas famílias de classe média sem discutir os efeitos das políticas econômicas no desemprego e na violência doméstica.

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Os por ela chamados de “neoliberais progressistas” reduzem as lutas por reconhecimento à meritocracia e a perspectiva de sucesso como algo decorrente do empenho pessoal. A astúcia desse modelo está em valorizar conquistas individuais, na medida em que enaltecem o esforço daqueles que “chegam lá”. Este critério esconde que a esmagadora maioria dos trabalhadores e trabalhadoras, que não têm acesso a oportunidades iguais e continuam excluídas pela devastadora desigualdade gerada pelo capitalismo. A retórica meritocrática acaba sustentando uma lógica excludente de ocupação dos espaços de poder pelos mesmos grupos hegemônicos (brancos, masculino e heteronormativo). É uma visão justificadora da “fatalidade” da desigualdade. Não altera a ordem e a hierarquia do poder, e acaba se constituindo em uma força de manutenção da ordem, para manter “tudo como está”.

Por isso, a luta do campo progressista e de esquerda contra o neoliberalismo e seu modo de vida somente terá potência e poderá ser efetiva se integrar na dinâmica política as agendas que trazem os movimentos emancipatórios dando voz e presença às pessoas e grupos sociais profundamente atingidos por processos de exclusão, abandono, negação de direitos, preconceito, opressão e violências motivadas pelo preconceito de gêneros, racialidade/etnia, sexualidades ou religiosidades não cristãs. A inclusão e o protagonismo direto, sem intermediários, desses grupos sociais além de espelhar a realidade demográfica do país (negra, feminina e precarizada) são capazes de subverter a lógica do sistema. Basta ver o impacto da presença crescente de mulheres e homens negros, pessoas trans, lésbicas, travestis eleitos por partidos de esquerda (mas não somente neles) nos legislativos municipais nas eleições de 2020.

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Uma agenda democrática e progressista pela esquerda incorpora na oposição ao neoliberalismo a aliança com múltiplas lutas e mobilizações emancipatórias levadas ao primeiro plano do debate e da ação política. Um grande desafio para o êxito da oposição ao neoliberalismo, portanto, é a capacidade de integrar, de modo concreto e protagonista, as perspectivas e subjetividades que questionam radicalmente a herança escravocrata, patriarcal e desigual que marca a sociedade brasileira.

Os movimentos emancipatórios disputam um terreno simbólico entre o visível e o invisível, de políticas afirmativas, mas, também, de acesso a espaços de visibilidade e poder. Quando os movimentos de esquerda colocam o combate ao racismo, ao machismo e à homofobia, o enfrentamento ao capacitismo e questões geracionais em primeiro plano, cruzando essas agendas com a luta antineoliberal, estão incorporando uma potência política transformadora. E são justamente essas maiorias sociais, compostas por mulheres, negros e os mais pobres, aquelas que mais rechaçam Bolsonaro e majoritariamente manifestam intenção de voto em Lula.

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É preciso questionar e enfrentar visões conservadoras que povoam muitas mentes no campo da esquerda. A aliança contra o neoliberalismo precisa incorporar a diversidade das lutas antirracistas, feministas, lgbtquiap+, de direitos dos povos tradicionais, povos originários e quilombolas, das pessoas migrantes, que são em sua maioria populações que vivem realidades de desemprego e empobrecimento.

Para além da necessidade urgente de derrotar a extrema direita e suas estruturas corruptas de poder, a esquerda deve avançar nas práticas cotidianas que abram espaços para mais equidade, oportunidade de protagonismo político e justiça de gênero, raça/etnia e sexualidades. Um passo concreto para isso é avançar em direção a mudanças estruturais nas relações de poder no interior dos espaços institucionais, partidários, sindicais e de representação.  

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