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Igor Corrêa Pereira

Igor Corrêa Pereira é técnico em assuntos educacionais e mestrando em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Membro da direção estadual da CTB do Rio Grande do Sul.

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Igrejas evangélicas: o espírito do neoliberalismo à brasileira?

Seria possível pensar esses temas sob um outro aspecto? E se as novas igrejas evangélicas fossem sintonizadas com o mais contemporâneo liberalismo? E se o neoliberalismo, além de desmonte, também produzisse uma racionalidade e um governo da conduta dos sujeitos?

(Foto: Divulgação)
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Quando se fala na relação entre igrejas evangélicas e política pela nossa turma mais de esquerda, é muito comum estigmatizar esse fenômeno o associando a uma espécie de atraso civilizacional. Da mesma forma, a maioria das análises desse campo de pensamento sobre o neoliberalismo o colocam como uma forma de destruição dos direitos, privatização, desmonte do Estado. Seria possível pensar esses temas sob um outro aspecto? E se as novas igrejas evangélicas fossem sintonizadas com o mais contemporâneo liberalismo? E se o neoliberalismo, além de desmonte, também produzisse uma racionalidade e um governo da conduta dos sujeitos? 

A professora Mariana Côrtes, da Universidade Federal de Uberlândia, propõe um olhar completamente diferente sobre o fenômeno de crescimento das igrejas evangélicas e sua relação com o neoliberalismo. Ela vai em outra linha do que acaba sendo senso comum sempre que se analisa esse tema. Ao invés de associar esse fenômeno a um suposto atraso civilizacional, uma forma mágica de explicação das tragédias sociais, ela propõe que a teologia da prosperidade, ideia central de grandes igrejas evangélicas como a Universal do Reino de Deus, está “absolutamente adequada a racionalidade neoliberal”, ou seja, se traduz como uma espécie de ética ou espírito do neoliberalismo brasileiro. 

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As igrejas neopentecostais tiveram seu crescimento nas periferias, lado a lado com o fenômeno de desindustrialização, precarização do trabalho e aumento da violência. A perspectiva de uma sociedade com direitos para todos foi sendo apagada para dar lugar a ideia de que a história havia acabado. Isso abalou profundamente as periferias das grandes cidades. Nesse ambiente, as igrejas evangélicas emergiram com a promessa de  libertação do mal por meio da expulsão de demônios e a conquista da prosperidade. 

A professora sustenta que o sofrimento da periferia frente o avanço do neoliberalismo virou valor agregado em um tipo de “capitalismo religioso altamente competente”. Formou-se o que ela chama de indústria evangélica de bens materiais e simbólicos que produz um verdadeiro “mercado de pregações e testemunhos, em que o passado mundano de pregadores itinerantes é vendido como mercadoria simbólica”. A ideia de superação do sofrimento pela fé virou um bom negócio, orientado pelas diretrizes neoliberais. 

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A Igreja Universal do Reino de Deus foi um exemplo citado pela autora, de como ela foi orientando as famílias a partir de uma racionalidade neoliberal, estabelecendo metas a serem cumpridas em família, que podem ser tanto fazer um jantar bem feito até ter cuidados com a higiene pessoal. A casa de uma família evangélica orientada por essa racionalidade passa a ser parecida com uma empresa, e o objetivo passa a ser uma valorização permanente de si como um capital humano, como um empresário de si mesmo, para que assim possa prosperar. O incentivo ao empreendedorismo, mesmo que seja precário, formando um emprecariado urbano, é mostrado como um ideal a ser seguido, em detrimento inclusive de empregos que possuem um patrão. A Igreja Evangélica passa assim a construir um sujeito que já não se reconhece como trabalhador, mas como empresário de si. 

Para Côrtes, neoliberalismo e pentecostalismo podem ser entendidos como espécies de ferramentas complementares de formação dos sujeitos. Essas ferramentas se complementam na medida em que a religião passa a ser a motivação necessária para que o proletariado urbano residente nas periferias tome para si, como se lhe pertencesse, a racionalidade neoliberal. Seriam portanto essas igrejas evangélicas, notadamente as orientadas pela teologia da prosperidade, uma sustentação importante que permite a manutenção de uma governamentalidade neoliberal.

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Esse casamento entre neoliberalismo e neopentecostalismo não é a síntese do governo Bolsonaro? Não seriam as figuras expoentes desse governo justamente aqueles que em suas áreas estão à margem? A começar por Bolsonaro, um proscrito do exército, passando por Paulo Guedes, um desconhecido na economia, indo para Ernesto Araújo, um desacreditado na diplomacia, Damares uma persona non grata nos direitos humanos. Eles compõem uma narrativa dos humilhados que serão exaltados pela ótica do empresário de si. É a prosperidade dos humilhados pela racionalidade neoliberal. O neopentecostalismo garante a liga popular desse projeto neoliberal. Enquanto nos distraímos com absurdos litúrgicos, a cartilha de reformas nada tem além da cartilha mais rígida neoliberal aplicada cirurgicamente. Reforma da previdência, reforma trabalhista, reforma administrativa, uma a uma vão passando os grandes ditames do mercado. 

É por isso que no meu entendimento o grande enfrentamento que pode mobilizar as pessoas no próximo período tem a ver com o auxílio emergencial. Porque as contradições da crise sanitária obrigaram o governo a conceder um auxílio que em alguma medida contraria o estrangulamento das políticas sociais. É preciso expor mais essas contradições para demonstrar que o sofrimento das pessoas poderia ser minimizado com políticas que enxerguem as pessoas, e não o dinheiro. 

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É preciso fazer as perguntas realmente inconvenientes para esse governo. Se esse governo defende Estado Mínimo, por que ainda não reduziu imposto da população, das micro, pequenas e médias empresas? Por que continua querendo arrecadar a mesma quantia de impostos se está fazendo corte de gastos na educação e na saúde? E como pretende continuar economizando nessas áreas com a manutenção do teto dos gastos se a educação e a saúde são tão necessárias com a crise? Aliás, o imposto, como lembra o italiano Mauricio Lazzarato, é uma arma do governo neoliberal sobre uma sociedade de endividados. Um tema que precisa ser melhor explorado pelo lado esquerdo da política. 

Referências:

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CÔRTES, Mariana. O dispositivo pentecostal e a agência dos governados. Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.31-38, abril 2018. 

LAZZARATO, Maurício. O governo do homem endividado. N-1 Edições.São Paulo, 2017.  

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