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Vladimir Safatle

Professor titular do Departamento de Filosofia da USP

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Imagens apesar de tudo

"Essas fotos foram tiradas para serem vistas. Aqueles que sabiam que seriam os próximos corpos mortos arriscaram os dias que ainda lhes restavam de vida para que tais imagens existissem e circulassem", escreve o filósofo Vladimir Safatle sobre o livro 'Imagens apesar de tudo', sobre o campo de concentração de Auschwitz

Auschwitz (Foto: REUTERS/Kacper Pempel)
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Por Vladimir Safatle

(Publicado no site A Terra é Redonda)

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O livro Imagens apesar de tudo gira em torno de quatro fotos. São as únicas fotos tiradas do campo de concentração de Auschwitz por membros do Sonderkommando: grupo de judeus responsáveis por levar os prisioneiros à câmara de gás e lidar com os corpos, até que fossem também assassinados e substituídos por outro grupo.

Essas quatro fotos chegaram até nós como uma espécie de imagem do que aparece como inimaginável, como traço do que havia sido concebido para não deixar traço algum. Pois o esquecimento do extermínio fazia parte do extermínio, essa era a peça fundamental da máquina experimental de desaparecimento generalizado que foram os campos nazistas. Não bastava a morte industrial, organizada com uma logística de produção mercantil. Não bastava a desumanização final. Era necessário o desaparecimento total dos corpos – a morte da morte.

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Contra a decisão de mostrar as fotos, levantaram-se aqueles que viram neste ato a obscenidade maior. Boa parte deste livro é a história de tal debate. Como se o querer imagens do que se passava nos campos de extermínio fosse o ato imperdoável de submeter o indizível ao regime do dizível. Neste caso, um dizível composto de imagens que tudo assimilariam a partir do regime do semelhante.

Neste sentido, o mérito da obra de Didi-Huberman consiste em nos levar a uma discussão que se desenrola, ao mesmo tempo, no campo ético e estético. Georges Bataille dirá, logo depois do fim da Segunda Guerra Mundial: “a partir de agora, a imagem do homem é inseparável de uma câmara de gás”. O desafio assumido pelo filósofo encontra-se na decisão consequente de pensar o sentido deste “a partir de agora”.

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Essas fotos foram tiradas para serem vistas. Aqueles que sabiam que seriam os próximos corpos mortos arriscaram os dias que ainda lhes restavam de vida para que tais imagens existissem e circulassem. Como se fosse um último gesto de apelo ao que restava de possibilidade de humanidade. Como se fosse uma exigência ética sentir a catástrofe, fazer do intolerável uma disposição corporal. Pois o corpo pensa e julga. O que alguns chamam de “mal radical” nunca foi o Outro absoluto, e é isto que necessita ser pensado.

Juntamente a tal discussão, o leitor encontrará a recusa enfática da desqualificação da imagem. Desqualificação esta que se exprime através do “inimaginável estético” com seu dogma do impossível como limite, do irrepresentável. Pois esta recusa, defendida pelo autor, de certa forma de “estética negativa” visa lembrar que o horror é fonte de impotência e que a forma de impedir sermos subjugados pelo horror é quebrar a impotência que ele nos impõe.

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De toda forma, há razões estéticas significativas para a palavra sobre Auschwitz ter produzido menos reações de recusa do que a imagem de Auschwitz. Por que esta crença na obscenidade natural da imagem? Por que esta crença de que há apenas um regime de imagens, que tende a tudo submeter à semelhança? É em direção a questões desta natureza que Imagens apesar de tudo nos leva.

Referência

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Georges Didi-Huberman. Imagens apesar de tudo. Tradução: Vanessa Brito e João Pedro Cachopo. São Paulo, Editora 34, 2020.

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