Impactos de serviço: lições de esperança em tempos de crise
Em tempos de egoísmo e pressa, três homens simples desafiam a lógica do mundo e provam que doar é a maior forma de resistir.
Num mundo onde o tempo corre e o egoísmo muitas vezes dita o compasso, há quem escolha caminhar contra a corrente, carregando a chama da generosidade. No Egito, sob um sol que parece queimar até os sonhos, o Dr. Mohamed Mashali (1944-2020), aos 80 anos, atravessava ruas poeirentas rumo à sua modesta clínica. Sem carro, sem celular, apenas com um coração imenso, ele atendia filas de rostos sofridos. Cada consulta custava menos de um dólar, e muitas vezes ele abria mão até disso, pagando remédios do próprio bolso. Conhecido como o “médico dos pobres”, Mashali viveu por mais de 50 anos com quase nada, recusando fama e fortuna, mas jamais um paciente. Sua vida mudou para sempre quando um menino diabético, desesperado por não querer ser um fardo para a família faminta, ateou fogo em si mesmo. A dor daquele garoto, que morreu em seus braços, tornou-se um juramento: dedicar-se aos que nada tinham. Até seus últimos dias, em 2020, mesmo com a saúde frágil, ele cumpriu essa promessa, deixando um legado que hoje brilha em murais na Síria e no Marrocos.
Em um canto remoto do Quênia, onde a pobreza engole esperanças e a eletricidade é um luxo, Peter Tabichi (1982-vivo), um monge franciscano de 36 anos, escolheu ser luz. Em uma escola com 58 alunos por sala, um único computador e internet precária, ele transformou o ensino de matemática e física com criatividade e compaixão. Seus estudantes, muitos órfãos que caminham sete quilômetros para estudar, venceram competições nacionais de ciências e chegaram a uma feira de engenharia nos Estados Unidos. Peter doa quase todo o seu salário aos pobres, promove a paz entre tribos outrora divididas e empodera alunos cegos. Quando recebeu o Global Teacher Prize, com seu milhão de dólares, ele já sabia: o dinheiro voltaria para sua vila, para erguer futuros. “Este prêmio é para a juventude da África”, disse, com um sorriso sereno, vestindo seu simples hábito franciscano.
Em Acre, no coração de um exílio imposto pelo Império Otomano, ‘Abbas Effendi, conhecido como ‘Abdu’l-Bahá (1844-1921), transformou prisões em faróis de esperança. Sob a vigilância de guardas e o peso de décadas de confinamento, ele, aos 77 anos, carregava um coração que não conhecia limites. Sem riquezas, sem liberdade plena, apenas com uma fé inabalável no serviço, ele acolhia peregrinos, pobres e doentes, compartilhando o pouco pão que tinha. Conhecido como o “Servo de Deus”, ‘Abdu’l-Bahá viveu para os outros, recusando honrarias, mas jamais um necessitado. Sua vida mudou ainda jovem, quando, aos 8 anos, testemunhou a prisão de sua família por suas crenças bahá’ís, jurando dedicar-se aos esquecidos. Em Bagdá, ele cuidava de órfãos, oferecendo-lhes comida e abrigo; em Haifa, distribuía mantimentos aos famintos nas ruas, muitas vezes tirando do próprio prato. Durante a Primeira Guerra Mundial, quando a fome devastava a Palestina, ele organizou a distribuição de grãos armazenados, salvando milhares de vidas, independentemente de credo, raça ou origem. Ele visitava leprosos rejeitados, levando-lhes conforto e dignidade, e consolava prisioneiros com palavras que reacendiam a esperança. ‘Abdu’l-Bahá promovia a unidade entre religiões, reunindo muçulmanos, cristãos e judeus em diálogos de paz, desafiando séculos de divisão. Em suas viagens ao Ocidente, entre 1911 e 1913, ele falava a multidões sobre igualdade racial e justiça social, abraçando os marginalizados, como os afro-americanos nos Estados Unidos, em tempos de segregação. Mesmo exausto, ele caminhava pelas vilas, atendendo a cada alma que o procurava, do mendigo ao erudito, com o mesmo amor. Quando líderes o convidavam para banquetes, ele preferia os humildes, compartilhando seu tempo e consolo. “A verdadeira felicidade está em servir”, dizia, com um sorriso sereno, vestindo sua túnica simples. Até seus últimos dias, em 1921, com a saúde fragilizada, ele continuou servindo, deixando um legado que ecoa em comunidades bahá’ís e além, inspirando milhões a viver para o outro.
Mashali, Tabichi e ‘Abdu’l-Bahá, separados por continentes e eras, são unidos por uma verdade eterna: generosidade é resistência. Eles viram a dor – a do menino que se foi, a dos alunos esquecidos, a dos exilados famintos – e escolheram transformá-la em pontes para a esperança. A generosidade não precisa de grandes gestos; é o pão dividido, o tempo doado, a mão estendida. É o médico que paga pelo remédio, o professor que ensina a sonhar, o servo que alimenta os famintos. Suas histórias nos desafiam: o que oferecemos ao mundo? Num tempo de divisões, eles nos mostram que a verdadeira riqueza não se acumula, mas se compartilha. Que seus legados – pintados em murais, gravados em corações ou ecoados em atos – nos inspirem como bússolas para o bem viver, a dar sem esperar, a viver para o outro. Porque, no fim, é isso que nos faz humanos. E como disse ‘Abdu’l-Bahá em 1912, “quem serve já alcançou a vida eterna”.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

