In Profit We Trust
Se alguém sugerir a criação de algum tipo de limite ou controle independente e objetivo sobre as margens de lucro, os capitalistas (que já contam com vários benefícios e regalias provenientes do estado) gritam, em desespero, dizendo que isso é "socialismo", "ditadura comunista" etc
A economia capitalista é uma peça shakespeariana. Uma comédia para poucos. Uma tragédia para muitos.
Pensemos no aumento absurdo de preços, por exemplo. Uns dizem que é decorrente dos aumentos de impostos (tributos, encargos etc.) e dos custos de um produto (ou de um serviço). Outros dizem que é culpa dos juros. E tem gente que culpa a mão de obra. Pode até ser um pouco de tudo isso. Mas também há quem diga que esse aumento tem uma causa bem menos "técnica": a ganância humana. O aumento dos preços ocorre, principalmente, para aumentar a margem de lucro. E a porção mais abastada da população tem uma ideia bem clara sobre qual deve ser o seu lucro: o mais absurdamente alto possível. No Brasil, alguns não se contentam com margens de lucros que variem entre 5 ou 30 por cento (algo razoável). Eles impõem lucros que vão desde 40 até 300 por cento do custo total do produto (ou serviço). Aí, para não parecerem muito gananciosos diante do consumidor, "calculam" a margem de lucro a partir do preço de venda (e não do custo) porque, nesse caso, a margem será sempre menor.
A indústria automobilística é um exemplo disso. Por que o carro zero é tão caro no Brasil? Não é somente por causa dos impostos (a maioria dos fabricantes e montadoras recebe muitas vantagens tributárias e financeiras do estado). É porque o povo paga. Então, jogam o preço lá em cima, com uma margem de lucro absurda, da fábrica até o consumidor final. E o povo sabe disso. Mas ele aceita. Ele paga.
- "Ah, mas tem a concorrência entre as empresas que faz com que o preço seja o mais baixo possível", exclama uma criatura mais ingênua. Isso se aplicaria se não existissem carteis (informais e formais) por todos os lados. Basta ver os preços idênticos da gasolina, dos serviços de telefonia e internet, dos planos de saúde, e assim por diante. Tudo combinado entre as empresas para explorar, ao máximo, o consumidor.
- "Ah, mas tem a demanda (o consumidor pode deixar de comprar) que serve de controle contra aumentos abusivos", pode afirmar alguém mais crédulo. Sim, isso ajuda até certo ponto. Mas e quando o produto é de "primeira necessidade" (alimentos, água, itens essenciais de higiene, medicamentos etc.)? Alguém acha que o produto ou serviço terá um valor com uma margem de lucro razoável ou ficará em uma interseção entre o que for humanamente possível para consumidor pagar e o máximo que as empregas conseguem cobrar (em outras palavras, com o maior lucro possível) sem comprometer (demasiadamente) as vendas?
- "Ah, mas há órgãos de fiscalização e de controle", grita um Cândido da vida, um eterno otimista. Esses órgãos são praticamente extensões das grandes corporações. Eles não estão nem aí para população. É só ver como a ANVISA, por exemplo, vive e respira para satisfazer a indústria farmacêutica e os fabricantes de agrotóxicos e sementes transgênicas. É só ver como a ANATEL aprova quase tudo o que beneficia as empresas de comunicações, raramente considerando as necessidades do consumidor. A aberração chamada "internet limitada por franquia" é um exemplo disso. Que consumidor foi beneficiado com essa modalidade de serviço? Se o acesso à internet é limitado, o acesso à informação e ao aprendizado também é. Mas a ANATEL está defecando e andando para o consumidor. Quem indica os maiorais das agências "reguladoras" são justamente as empresas de cada setor. O povo que se vire.
As empresas, normalmente, criam diferenças nos produtos e serviços (na maioria das vezes, insignificantes) para poder cobrar mais caro por qualquer "privilégio extra". Isso quase não tem impacto no custo, mas tem um grande impacto no lucro.
E é assim que o Brasil se tornou um dos países mais lucrativos para as grandes corporações. Porque aqui elas podem "montar" no povo. E se alguém sugerir a criação de algum tipo de limite ou controle independente e objetivo sobre as margens de lucro, os capitalistas (que já contam com vários benefícios e regalias provenientes do estado) gritam, em desespero, dizendo que isso é "socialismo", "ditadura comunista", "Cuba", "Stalin", "genocídio de milhões" etc. E o povo continua aceitando isso. E continua pagando por tudo isso, obedientemente.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

