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Daniel Neri

Professor do IFMG campus Ouro Preto; sindicalista;, pesquisador em conflitos minerários e ambientalista.

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Incertezas sobre a proposta do novo código de mineração brasileiro

A alcunha de polêmico é um eufemismo para essa iniciativa encomendada por Arthur Lira e Jair Bolsonaro

(Foto: Mineração)
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Sucumbe com ajuda de aparelhos o segundo relatório  apresentado pela Deputada Federal Greyce Elias (AVANTE – MG), Relatora Geral do polêmico Grupo de Trabalho GT Código de Mineração (GT MINERA), instituído no âmbito da Câmara dos deputados em julho de 2021.

A alcunha de polêmico é um eufemismo para essa iniciativa encomendada por Arthur Lira e Jair Bolsonaro. Sua simples existência já constitui uma clara violação dos limites do bom senso e dos ritos processuais, mesmo quando se trata das desgastadas e corrompidas práticas no e do parlamento brasileiro. Tema de significativa relevância social e ambiental, além da evidente importância econômica, a elaboração de um novo código de mineração jamais poderia emergir de iniciativa gestada nos subterrâneos da Câmara a partir da exigência organizada por setores ligados ao garimpo e entidades de classe que representam pequenos e médios mineradores no Brasil, interessados em usufruir da franca desobstrução legal que hoje é dada, de maneira tácita e descontrolada, às grandes corporações, especialmente na mineração de ferro.

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A escolha dos parlamentares que compuseram o agora moribundo GT retrata esse quadro. Conforme matérias  do Observatório da Mineração, seus integrantes têm relações estreitas com o setor, sendo que vários membros tiveram campanhas financiadas por empresas mineradoras (pelo menos até 2014, quando esse tipo de financiamento ainda era permitido).

Com seus trabalhos iniciados em finais de julho, dirigidos de forma absoluta e propositalmente acelerada,  o grupo dirigido pelo Deputado Roman (PSD – PR) precisou de pouco mais de três meses para apresentar, nas palavras da relatora reiteradamente repetidas, um documento que se constituísse como um legado para o setor mineral brasileiro.

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Assim, na sessão do dia 10 de novembro, foi lida a primeira versão do relatório que visava se tornar o projeto de lei do novo código mineral brasileiro. Mas a reação, como tinha que ser, foi imensa: entidades de diversos setores da sociedade se manifestaram revelando a gravidade das proposições que o texto trazia, colocando, de forma irresponsável e inconsequente, a mineração à frente de quaisquer outras atividades, violando a necessária e constitucional garantia ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. 

É possível ilustrar em poucas passagens o absurdo que se constituía o texto apresentado. Em diversos artigos e alíneas se manifestava a imposição da prioridade da atividade mineral frente aos demais interesses sociais, expostos por meio de categorias atualmente rechaçadas em todo o mundo, como a rigidez locacional, e o privilégio da análise de impacto econômico em detrimento das análises de impactos sociais e ambientais.

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Tome-se por exemplo o artigo 42-G da primeira versão apresentada. Ele sugeria que fosse vedada a criação de unidades de conservação, áreas de proteção ambiental, tombamentos e outras demarcações que, por desventura, restringissem a atividade minerária em áreas de seu interesse. Em outro (58-A), caberia à ANM declarar a utilidade pública, para fins de desapropriação ou instituição de servidão de mina, das áreas necessárias à implantação de instalações de concessionários ou autorizados, numa clara ameaça à autonomia de estados e municípios e ao pacto federativo como um todo. Num cenário de desmonte dos serviços públicos – incluindo-se aí órgãos fiscalizadores na área ambiental – o texto previa, estrategicamente, que pedidos de concessão recebessem anuência automática em caso de ausência de resposta do órgão de controle, dentre vários outros pontos, o que, ao fim, implicaria a redução do papel do Estado no controle e fiscalização da atividade.

Pelos dois textos apresentados pela relatora, aquilo que deveria (deverá?) se constituir do novo marco legal da mineração instituía o auto licenciamento, não mencionava qualquer modificação no combalido regime tributário no setor, tutelado pela polêmica CFEM (compensação financeira pela exploração de recursos minerais) e pela já declaradamente inconstitucional  Lei Kandir (LCP 97/96) que, ao isentar o ICMS de produtos exportados, acarreta um prejuízo  de bilhões de reais para o estados anualmente.

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Diante das manifestações das denúncias de lobismo e conflito de interesses , a já frágil figura política da relatora Greyce Elias se viu obrigada a modificar o relatório. No entanto, as modificações se mostraram não apenas insuficientes, mas aparentes e levianas. Tomemos, mais uma vez, alguns exemplos.

Um dos pontos duramente criticados era o de não incluir a responsabilidade dos danos ambientais ao titular do direito de pesquisa, o que foi modificado, na segunda versão do projeto, com a inclusão da categoria “danos a terceiros”; em outro item, contempla disposições absolutamente genéricas em relação às barragens de mineração, ignorando, mais uma vez, a gravidade da situação das estruturas construídas pelo método a montante que ainda estão em risco em Minas Gerais (pelo menos 14, segundo a ANM ). O rascunho de documento discursa como se nunca houvesse ocorrido os diversos conflitos decorrentes da não reparação das pessoas atingidas pelos crimes de Mariana e Brumadinho, bem como aqueles advindos das sucessivas alterações das condições de estabilidade, no chamado terrorismo de barragens , deixando abertas todas as possibilidades para que as empresas possam agir livremente no trato e despejo dos rejeitos provenientes de sua atividade. 

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Seguindo o exemplo das estratégias de não reparação pelas tragédias criminosas conduzidas pelas empresas Vale e Samarco (Vale e BHP Billiton), que  dobram o Estado  brasileiro em suas diversas instâncias em favor de seus interesses, os lobistas do setor minerário empurraram, para o texto relatado pela insignificante deputada mineira, a substituição, por mera declaração, da prova de disponibilidade de fundos ou da existência de compromissos de financiamento, necessários para execução do plano de aproveitamento econômico e operação da mina e, principalmente, para o estabelecimento de garantias de capacidade de reparação e indenização em caso de dano e desastres relacionados à atividade.

Enfim, estes e outros pontos do documento se somam ao que o Observatório do Clima  nomeou de “mais um perigoso risco ao meio ambiente e a toda sociedade brasileira, na medida em que busca, na sua essência, facilitar o acesso aos recursos minerais, flexibilizando de forma equivocada e perigosa normas e procedimentos para o controle de impactos e de danos ambientais e sociais”. 

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Ante o descalabro que se constituiu como resultado objetivo do GTMINERA, e a insatisfação de segmentos do setor que representa as grandes mineradoras, parte dos parlamentares retirou seu apoio ao relatório. Embora a relatora tenha tentado, em ato de desespero, votá-lo ao final da ordem do dia em 14 de dezembro, restou a ela abrir a sessão para discussão, quando novas críticas foram apontadas. Ficou evidente que até Roman, coordenador do GT, antes ferrenho defensor do texto, se posicionou  contra a relatora e, em sessão no dia 15, assumiu a derrota e propôs sua votação para esta manhã do dia 16.

Agora enquanto estas linhas findam este texto, não se sabe qual será o destino do GT MINERA ou qual texto será – se é que será – apresentado. A sessão dessa manhã foi cancelada sem qualquer justificativa. Resta o cheiro pútrido vindo dos esgotos do Congresso de que os deputados querem, a todo custo, descolar sua imagem da proposta  desastrosa construída por Greyce Elias. Ou é isso, ou virá a prática de acatar a pressão de setores insatisfeitos e, com alguma modificação, aprovar do texto, a despeito da rejeição pública que tem se manifestado nestas últimas semanas. Resta-nos intensificar a pressão para que o parlamento brasileiro se digne a construir um marco legal para a mineração que seja condizente com as garantias constitucionais do direito à dignidade da pessoa humana (art. 1º), à vida (art. 5º) e ao meio ambiente equilibrado (art. 225).

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