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Maria Luiza Franco Busse

Jornalista há 47 anos e Semiologa. Professora Universitária aposentada. Graduada em História, Mestre e Doutora em Semiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, com dissertação sobre texto jornalístico e tese sobre a China. Pós-doutora em Comunicação e Cultura, também pela UFRJ,com trabalho sobre comunicação e política na China

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Incrível, fantástico, extraordinário

Neste momento de duas grandes conquistas, não é arriscado parafrasear que, como em priscas eras, o Botafogo voltou a jogar certo por pernas tortas

Botafogo levanta a taça do Brasileirão 2024 (Foto: Reuters/Ricardo Moraes)

Parece que só existe um único caso no mundo em que quando se grita ‘fogo’ pessoas comemoram e correm para o abraço: Botafogo, o time de futebol, tão original que só perde para ele mesmo, como aconteceu no Brasileirão do ano passado. Mas neste 2024 cumpriu-se a letra do hino: “tu és o Glorioso, não podes perder, perder para ninguém”. Ganhou a Libertadores e o Brasileirão. Bateu um bolão, com gols e jogadas bonitas. As últimas conquistas desses títulos foram em 1993 e 1995, respectivamente. 

Ao longo desses 30 anos de derrotas em campo e administrativas, até com perda da sede, nasceram duas gerações de torcedores que seguiram firmes a estrela solitária até os gramados do Campeonato Brasileiro Série B onde assistiram a conquista dos títulos em 2015 e 2021. Foi tanto prazer em ver o time ganhar que a segunda divisão deixou de ser lugar menor e passou a ser encarada como coisa de cartola a serviço da contabilidade dos clubes. Ganhou brilho. Mais um fenômeno extraordinário protagonizado pelo alvinegro.

Neste momento de duas grandes conquistas, não é arriscado parafrasear que, como em priscas eras, o Botafogo voltou a jogar certo por pernas tortas. Ainda é viva na memória de botafoguenses a relação de Garrincha com a bola e da bola com Garrincha. Parceria deixada para a posteridade no poema escrito em 1962 por Vinicius de Moraes.

O anjo das pernas tortas. 

A um passe de Didi, Garrincha avança

Colado o couro aos pés, o olhar atento

Dribla um, dribla dois, depois descansa

Como a medir o lance do momento.

Vem-lhe o pressentimento; ele se lança

Mais rápido que o próprio pensamento

Dribla mais um, mais dois, a bola trança

Feliz, entre seus pés - um pé-de-vento!

Num só transporte a multidão contrita

Em ato de morte se levanta e grita

Seu uníssono canto de esperança.

Garrincha, o anjo, escuta e atende: -

Goooool!

E pura imagem: um G que chuta um o

Dentro da meta, um 1. É pura dança! 

De volta ao agora, no dia seguinte ao jogo da Libertadores o vendedor de bala de rua que faz ponto fixo e é conhecido dos moradores locais, estava em modo de particular exaustão. Até quem não tinha o hábito de falar com ele se preocupou em saber o que estava acontecendo. A resposta foi papo reto: “O Botafogo, sofri muito torcendo, mas valeu a pena, ganhamos”. Certa vez, o general Humberto de Alencar Castello Branco perguntou ao jornalista Samuel Wainer como era possível um homem culto como ele dedicar páginas do seu jornal ao futebol. O que o general-primeiro presidente da República depois do golpe de 1964 também não sabia é que quem entendia de Brasil era o Samuel.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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