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Carlos Eduardo Araújo

Bacharel em Direito, mestre em Teoria do Direito e professor universitário

17 artigos

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Index dos livros proibidos do bolsonarismo

O “Index Librorum Prohibitorum”, expressão que poderia ser traduzida como ‘O Índice dos Livros Proibidos’ “era uma lista de publicações consideradas heréticas, anticlericais ou lascivas e proibidas pela Igreja Católica

(Foto: Alan Santos - PR)
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O “Index Librorum Prohibitorum”, expressão que poderia ser traduzida como ‘O Índice dos Livros Proibidos’ “era uma lista de publicações consideradas heréticas, anticlericais ou lascivas e proibidas pela Igreja Católica. A primeira versão do Index foi promulgada pelo Papa Paulo IV em 1559 e uma versão revista desse foi autorizada pelo Concílio de Trento. A última edição do índice foi publicada em 1948 e o Index só foi abolido pela Igreja Católica em 1966 pelo Papa Paulo VI. Nessa lista estavam livros que iam contra os dogmas da Igreja e que continham conteúdo tido como impróprio”. [1] A Secretaria de Educação de Rondônia promoveu, no último dia 06/02, a reedição tupiniquim do aludido Index, elencando 43 livros que deveriam ser recolhidos das escolas públicas por conterem o que foi definido como "conteúdos inadequados" a crianças e adolescentes.

Os aludidos livros fazem parte do cânone da literatura nacional e internacional. Entre os autores censuradas, estão Caio Fernando Abreu, Carlos Heitor Cony, Machado de Assis, Euclides da Cunha, Ferreira Gullar, Nelson Rodrigues, Rubem Fonseca, Edgar Allan Poe, Mário de Andrade e Franz Kafka. Obras que se tornaram grandes marcos da literatura brasileira, muitas das quais presenças reiteradas nos concursos vestibulares, como “Macunaíma”, “Os Sertões” e “Memórias Póstumas de Brás Cubas” e clássicos da literatura universal, como Poe e Kafka. Uma observação chama a atenção no “memorando”: todos os livros de Rubem Alves devem ser recolhidos. Já tivemos provas, à saciedade, do desdém e da aversão que o séquito bolsonarista nutre em relação a educadores, principalmente aqueles dotados de um pensamento crítico, a exemplo de Paulo Freire.

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Em seu modelar ensaio “Por que Ler os Clássicos”, Italo Calvino anota: “Dizem-se clássicos aqueles livros que constituem uma riqueza para quem os tenha lido e amado; mas constituem uma riqueza não menor para quem se reserva a sorte de lê-los pela primeira vez nas melhores condições para apreciá-los”. [2] O que se pretendeu, por meio de um ato administrativo tresloucado e parvo, da Secretaria de Educação, do Estado de Rondônia, foi impedir que muitos alunos tenham a sorte de ler os clássicos e de apreciar seus conteúdos, usufruindo da riqueza que propicia sua leitura.

Diz o adágio popular que “o exemplo vem de cima”. Não estamos, infelizmente, falando de exemplos edificantes, quando está no topo da hierarquia administrativa federal uma criatura como Bolsonaro e seus acólitos. Não! Os exemplos que emanam do mandatário maior do executivo federal são pautados por uma malévola e preconceituosa ideologia racista, genocida, sexista, autoritária, estulta, incivilizada e deseducada. Exemplos empíricos dessa assertiva são abundantes e notórios, distribuídos à farta por todo o seu desgoverno. Neste caricaturesco e repulsivo episódio de censura, vindo do governo de Rondônia, depreende-se o influxo da ideologia degenerada e culturicida do desgoverno Bolsonaro. Não é um detalhe o fato de o Estado de Rondônia ser governado por um coronel que integra os quadros do PSL, partido instrumentalizado por Bolsonaro para chegar ao poder, sendo descartado tão logo o intento foi alcançado. O coronel em questão já esboçou o desejo de acompanhar seu mentor e mito no novel partido de extrema direita, em gestação.

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Este incidente censório não é algo isolado e tem uma tendência a se disseminar, caso não seja rechaçado veementemente. É de todos conhecido o projeto de desmantelamento da educação e da cultura, em marcha alucinante, neste desgoverno. Livros são perigosos, porque, segundo Castro Alves, põem o povo a pensar: 

Por isso na impaciência

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Desta sede de saber,

Como as aves do deserto —

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As almas buscam beber...

Oh! Bendito o que semeia

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Livros... livros à mão cheia...

E manda o povo pensar!

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O livro caindo n'alma

É germe — que faz a palma,

É chuva — que faz o mar.

Como pondera Beatriz Silva Freitas: “As bibliotecas são parte de um imaginário popular que lhes atribui constantemente a função de fomento intelectual da sociedade. Não é sem motivos então que, nas grandes guerras, as bibliotecas estavam entre os locais atacados; privar o povo de educação é um ato de guerra, um terrorismo institucionalizado. Essas demonstrações de poder correlatas aos livros ainda se estendem inclusive nas guerras santas; durante anos o index librorum prohibitorum ditou o que poderia ou não, ser lido. Controlar a difusão da informação e conhecimento é uma maneira tradicional de dominar o povo”. [3]

Onde se proíbem ou censuram livros, sem reação, em um momento seguinte se os lança à fogueira. Onde livros são queimados, logo queimam-se homens. Como disse certa vez o poeta alemão do século XIX, Heinrich Heine: “Onde queimam livros, acabam queimando homens”. 

Em 1953, Ray Bradbury imaginou, em Farenheit 451, um futuro no qual os bombeiros eram encarregados de queimar os livros para evitar que perturbassem a ortodoxia do sistema dominante. Quão atual isso soa, infelizmente, nestes tempos sombrios em que está a germinar a tulipa negra do autoritarismo, com laivos de fascismo.

Como dirá Manuel da Costa Pinto, em prefácio ao distópico romance de Ray Bradbury: “Em 1933, quando os nazistas queimaram em praça pública livros de escritores e intelectuais como Marx, Kafka, Thomas Mann, Albert Einstein e Freud, o criador da psicanálise fez o seguinte comentário a seu amigo Ernest Jones: “Que progressos estamos fazendo. Na Idade Média, teriam queimado a mim; hoje em dia, eles se contentam em queimar meus livros”. Deixando de lado o fato de que a ironia de Freud logo se tornaria ingênua diante dos fornos  crematórios de Auschwitz e Dachau, podemos nos perguntar: o que aconteceria se os livros fossem incinerados, varridos da face da Terra até o ponto em que o único vestígio de milênios de tradição humanista estivesse alojada na memória de alguns poucos sobreviventes? Qual seria o próximo passo da barbárie? Queimar os próprios homens, para apagar de vez a memória dos livros?” [4]

A defesa hipócrita da moral pública e dos bons costumes é o álibi, uma malfadada justificativa para instituir, ampliar e consolidar o controle sobre a sociedade, a educação, a cultura e preservar o Estado autoritário e teocrático que vai emergindo, gradativa e perigosamente do pântano bolsonarista.

A censura é um instrumento de controle, um fenômeno histórico e universal. Seu objetivo é a preservação do sistema político-ideológico a que pertence e sua marca é a liquidação do pensamento divergente. Este modelo de repressão às ideias, permanece latente na sociedade e quando se instaura um regime autoritário, como o de Bolsonaro, agudiza-se e mostra sua face.

Ao longo de toda a história dos livros, desde a introdução dos tipos móveis por Gutemberg, sua censura, proibição, apreensão e destruição tem se repetido. São fenômenos comuns a processos históricos tão diversos como a Contrarreforma Católica, com o Index Librorum Prohibitorum, as práticas persecutórias dos livros “sediciosos” pela polícia dos livros na França, pouco antes da Revolução, os livros queimados por Joseph Goebbels em meio a um discurso inflamado na Alemanha.  A destruição de livros é também tema para a ficção, e se repete, por exemplo, na peça A Tempestade, de Shakespeare, no romance O Nome da Rosa, de Umberto Eco ou no Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, adaptado para o cinema por François Truffaut, em 1966.

A censura da Secretaria de Educação de Rondônia aponta para a escalada de um viés cada vez mais autoritário do governo Bolsonaro, a eminência parda a orientar os métodos e processos censórios que vêm do norte,  e nos remente a ditadura civil-militar, a que ficamos submetidos entre os anos de 1964-1985, em que a censura foi institucionalizada e praticada cotidianamente. Um dado curioso, sempre reiterado, é que os censores eram e continuam a ser, geralmente, pessoas com notárias deficiências intelectuais, conforme abundantes relatos de jornalistas, artistas e escritores que tiveram o desprazer de conviver com esta matilha inculta, tosca e ignorante. 

Em sua tese de doutoramento, defendida no programa de Pós-graduação da Faculdade de História, da Universidade Federal de Pernambuco, intitulada “Censura de livros durante a ditadura militar 1964-1978” , Maria Mercedes Dias Ferreira Otero constatou que: “A censura de livros nos primeiros anos da ditadura militar se inscreveu em um quadro generalizado de violência física. A partir do golpe as primeiras interdições foram feitas através da força bruta. Os agentes de segurança dentro do espírito do momento, aprendiam livros em editoras, livrarias e, também, em residências daqueles considerados adversários do novo regime. O Rio de Janeiro sofreu mais que São Paulo. O Editor Ênio Silveira, os poetas Ferreira Gullar, Moacyr Félix, o físico José Leite Lopes e o arquiteto Oscar Niemeyer, entre outros, tiveram as suas casas invadidas pela polícia procurando livros para confiscar. Esse rigor da censura no Rio de Janeiro era atribuído ao Comandante do I Exército, considerado um militar de “linha-dura”. [5]

Maria Mercedes Dias Ferreira Otero nos dá a conhecer, em sua tese, um discurso do então deputado federal Paulo Brossard, realizado em 1970, na tribuna da Câmara dos Deputados, contra a censura, ocasião em que leu um protesto do escritor Érico Veríssimo, oportuníssimo nesta quadra da vida nacional, em que a censura insinua sua entrada em cena. Eis o teor do protesto: “(...) A portaria que determina a censura prévia no Brasil me causa indignação e, ao mesmo tempo, tristeza. É sinal de que estamos encenando uma paródia da Idade Média. Há dois dias li, com profundo sentimento de vergonha, um parecer do Sr. Plínio Salgado, em que ele não só justifica e aplaude esse ato do governo como também pede a sua ampliação, de modo a abranger todas as áreas de atividade intelectual brasileira. Tive a impressão de que o espírito de Hitler e Goebels se erguia dos escombros do III Reich e falava pela boca do ex-chefe integralista. Considerei as palavras desse furioso candidato a inquisidor um insulto à memória de dezenas de milhões de homens, mulheres e crianças torturadas e assassinadas pelo totalitarismo da direita e da esquerda nestes últimos 50 anos”. [6]

Nestes tempos em que imperam biblioclastas e bibliocidas nas diferentes esferas da administração pública, seja em nível municipal, estadual ou federal, o que nos resta é nos mantermos vigilantes e denunciar, com veemência, o imiscuir-se de uma moral deseducadora, espúria e dissimulada, que à sorrelfa vai tomando todo o corpo social. Em setembro do ano passado foi o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, que protagonizou um abjeto ato de censura, de cunho homofóbico, na abertura da Bienal do Livro do Rio de Janeiro.

Já estamos sob censura, a qual, desde o início deste desgoverno Bolsonaro, voltou-se contra exposições, mostras, espetáculos teatrais, livros, de ficção e não ficção. As intimidações começam a fazer parte integrante de nosso cotidiano, levando muitos a praticarem a autocensura. De censura prévia de livros, há exemplos à mão cheia, feitos com intimidações, ora veladas, ora explícitas e despudoradas. 

Já assistimos a este filme, cuja projeção estendeu-se por vinte e cinco anos de nossas vidas. Será que não aprendemos nada com a História, esta mestra da vida, na expressão de Cícero?

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