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Ronaldo Lima Lins

Escritor e professor emérito da Faculdade de Letras da UFRJ

291 artigos

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Injustiça ostensiva

A desonestidade, quando se impõe, tem os dias contados.

Glauber Braga (Foto: Lula Marques/Agência Brasil)

Nas normas estabelecidas para a convivência social, na modernidade, espera-se que as pessoas trabalhem com a ideia da franqueza. Esta representaria a fórmula para o bom entendimento, de outra maneira estaríamos num ambiente de dissimulação e vingança onde todos constituem lobos selvagens. Para contornar semelhante postulado, desenvolveram-se linhas de atitudes pelas quais o que digo esconde argumentos inconfessáveis. Infelizmente, na atual composição da Câmara dos Deputados, a maioria nos debates não parece se incomodar com a verdade, privilegiando-se, ao contrário, a astúcia ou, simplesmente, a má-fé. Foi o que se viu nas condenações de Glauber Braga na Comissão de Ética e na CCJ. Com ordem para sacrificá-lo, a extrema direita já compareceu predisposta, com votos prontos.

Ainda não se pode antecipar o resultado das decisões no plenário. O ambiente não revela nem solidez de propósitos nem coragem de postura para enfrentar consequências, disso resultando grandes interrogações. A esta altura, porém, algumas reflexões ganharam estatutos de estabilidade, não no sentido positivo da palavra e sim no seu aspecto doloroso, condizente com as hipóteses da traição, da falta de caráter e da represália rasteira. Para já, órgãos que se apresentam com aparência de isenção, como um tribunal, deixaram que o espírito de justiça escapasse pelos dedos e escorresse para fora do recinto como águas de esgoto. A Comissão de Ética e Decoro dispõe de regulamentos, com explicitação de penas para cada infração. A cassação não se achava presente em nenhuma delas. Só por isso, qualquer juiz de primeira instância inviabilizaria o veredicto. Magistrados experientes, então, não se curvariam ao absurdo e o atirariam nas latas de lixo da história. Foi necessária tremenda cara de pau para continuar olhando para Glauber e saudá-lo pela altivez elegante com que, no seu banco dos réus, assistiu, impavidamente, as condenações. Gente como Carlos Jordy, Nicolas Ferreira e outros dois ou três do tipo, por falta de compostura em seus currículos, numa Corte de respeito, jamais teriam oportunidade de figurar em assembleias de qualidade. Espanta, igualmente, que parlamentares com algum perfil de dignidade tenha aceitado participar de uma farsa monstruosa como aquela. É certo que as democracias da atualidade, aqui ou nos Estados Unidos, venham dando lugar a personagens histriônicos, sentando-se ironicamente em suas cadeiras de comando. A continuar assim, talvez terminemos em conflitos cada vez mais catastróficos.

Sabe-se que, frente às anomalias, o poder de corrigi-las se concentra nos pleitos. Contudo, para resultados aceitáveis, cumpre furar o bloqueio das redes sociais, cada vez mais manipuladoras, sem o que não se separa o joio do trigo. Foi-se o tempo em que se dizia que a mão do povo reproduzia a mão de Deus. Hoje temos muita coisa para lidar e falta de tempo para distinguir o certo do errado. No entanto, as ruas falam. A elas devemos escutar... A desonestidade, quando se impõe, tem os dias contados.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.