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Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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Insistir na comemoração de 1964 é provocação

"Os militares que se veem 'provocados', nunca se calaram. Nunca, de fato, saíram de cena. Nunca se conformaram em ser apontados como os 'verdugos' que foram", escreve a jornalista Denise Assis

(Foto: Divulgação)
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Por Denise Assis, para o Jornalistas pela Democracia 

No dia seguinte ao discurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva eu telefonei para uma “fonte” ligada aos meios militares. Queria saber como caíra nas fileiras a declaração de Lula sobre o tuíte do ex-comandante do Exército, o general Villas Boas. Na reserva já sabíamos. Os “empijamados” trataram logo de expor contrariedade pelas páginas que ainda lhes dão espaço e pelas redes sociais. Como resposta obtive um protesto e um conselho. O protesto: “não sei o porquê vocês estarem sempre preocupados com o que pensam os militares”… (Aquiesci. Não era o objetivo abrir uma discussão). O conselho: “parem de fustigá-los. Parem de provocá-los. Os dois lados têm que parar com isto. Esquerda e direita”… Preferi não redarguir. Não sou de arengar.

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Mas, ao desligar – sim, ainda falo ao celular – fiz um rápido balanço, tentando dimensionar quem provoca quem. Impossível não chegar à conclusão de que nos últimos anos, desde as confabulações de Michel Temer, Etchegoyen et caterva, foram eles os que não só provocaram, mas também levaram a ferro e fogo a relação, a ponto de contribuir de forma decisiva, para derrubar do poder uma presidente democraticamente eleita, com 54 milhões de votos do povo brasileiro.

Isto, em nome de algumas aleivosias e um ressentimento contra a ex-presidente Dilma Rousseff, por ter instituído a Comissão Nacional da Verdade (CNV), atendendo ao clamor de inúmeras famílias que tantos anos depois do golpe de 1964, – quando os militares, amparados pela força do capital e da mídia, tiraram do poder o também eleito democraticamente, o ex-presidente João Goulart – ainda procuram os restos mortais dos seus entes queridos.

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Numa conta de chegar, 2 X 0 para eles, noves fora 25 anos de ditadura, 434 desaparecidos políticos – listados oficialmente no relatório Final da (CNV), bem como 377 torturadores, incluindo na cadeia de comando os generais que “presidiram” o país enquanto durou a ditadura.

O que era um gesto de reparação às perdas de forma violenta e desumana, perpetradas pelo Estado, contra os que tentaram fazer frente às arbitrariedades dos ditadores opressores, foi lido nos quartéis, onde impera a paranoia – não apenas contra o “comunismo”, o que quer que eles entendem sobre isto, mas também contra o “revanchismo” -, como se os que pregam o humanismo quisessem partir para tal atitude. O que buscava Dilma? Atender os familiares dos desaparecidos políticos em seus questionamentos: onde morreu fulano? Em que condições? Onde está o seu corpo? Nunca é demais lembrar que a CNV não tinha poder de punir ou judicializar.

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Assustados, perturbados com a condenação moral – talvez por parte dos seus filhos e netos, que ignoravam o que fizeram no passado -, aqueles senhores trataram, eles sim, de buscar “dar o troco”, ou “acabar com a brincadeira”, para ficar na linguagem dos “porões”.

Não se conformaram com atitudes apaziguadoras, como a que cancelou as “comemorações” do dia 31 de março – para eles, que não queriam sua data mais importante lembrada no dia da mentira, o 1º de abril – e entenderam o cancelamento como mais um ato de “revanche”. Não foi. Deveriam levar em conta que num governo democrático, “comemorar” datas que impuseram o arbítrio é acintoso para quem sofreu a opressão, além de ser ato condenado por lei, que proíbe a apologia às ditaduras, pois é disto que se trata.

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Ao cancelar “comemorações”, o que se buscava era “zerar o taxímetro”. Terminar com a “afronta” aos que não tiveram resposta às perguntas lancinantes sobre o destino dos corpos dos que os enfrentaram no passado. Não se recolheram, não reconheceram os erros e abusos e ainda querem, todos os anos, esfregar na cara da sociedade: “golpeamos, abusamos, nos perpetuamos, oprimimos e saímos ilesos desta”. É este o recado que passam ao país, ao insistir em “celebrar” a data.

Petrificados de medo e raiva, atropelaram a Constituição que juraram defender.  Não contente dos desmandos do passado, ainda jogaram o país no colo de um dirigente frio, que calcula a economia X número de mortos. E, orgulhosos do feito, declaram em livro as suas “façanhas”, como fez o general Villas Boas, reafirmando em público, em letras perenes, que articulou, sim, pela derrubada da presidente Dilma – por ela ter criado a CNV- e mandou prender Lula, a fim de que Bolsonaro chegasse ao poder.

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O que o ex-comandante não contava é que um dos seus generais sairia do quartel para executar 260 mil brasileiros, com o auxílio de um vírus letal e a bordo de uma incompetência que ele, o general Villas Boas, tentou encobrir. Não foi por acaso que na semana em que o “ministro?” Eduardo Pazuello foi chamado às falas no Congresso, ele tratou de colocar suas memórias na rua, desviando a atenção da pandemia para o lançamento de um livro carregado de sentimentos negativos, de confissões mesquinhas.

Pouco adiantou. Hoje Pazuello é aquela mala que desembarcada do avião, jaz na esteira do aeroporto sem que o dono a reconheça e a retire. Pazuello é a mala sem rodinhas que desfila na esteira da política, sem função. Não o querem nos quartéis. Não tem lugar no “governo”.

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Os militares que se veem “provocados”, nunca se calaram. Nunca, de fato, saíram de cena. Nunca se conformaram em ser apontados como os “verdugos” que foram. Nunca reconheceram que ninguém pode se calar diante do “sumiço” de um familiar sem querer a elucidação do seu paradeiro. Não conhecem os clássicos, pois se os conhecessem saberiam que se a opressão não é nova, a dor dos oprimidos também não o é.

Sófocles, (490 e 406, antes de Cristo), narrou a tragédia de Antígona, a irmã de Polinice, que morreu lutando contra o rei Creonte.  Como castigo, ele  decidiu que o corpo do rebelde não poderia ser sepultado. Uma condenação perpétua pelos seus erros.

Hoje, ao reivindicar a comemoração do 31 de março, o governo propiciou ao desembargador federal, Rogério Fialho Moreira, (Advocacia- Geral da União – AGU) chance de “fechar com o chefe”.  Fialho não viu, na ordem do dia publicada na data em 2020, (assinada pelo ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, e pelos três chefes das Forças Armadas), em que classificavam o golpe de 1964, como “um marco da democracia brasileira”, nada demais. Disse que “a ordem do dia, (a nota), na forma como formulada, não ofende os postulados do Estado Democrático de Direito nem os valores constitucionais da separação dos Poderes ou da liberdade, de modo a ensejar interferência do Judiciário em sede de ação popular”.

Com isto, Fialho Moreira deu oportunidade a quatro dos cinco desembargadores do Tribunal Federal da 5ª Região (TRF-5), de, mais uma vez, afrontarem às Antígonas desse país. Afrontarem aos que elegem e acreditam na democracia como o único sistema capaz de manter o Brasil pacificado e à lei que dizem defender. Colocam-se ao lado de Bolsonaro como sabujos, incitam a violência e ignoram que já são demais as dores desse momento, para que se some a elas a indignação de ver esses senhores mais uma vez nos “provocar”, com o seu falso nacionalismo, a falsa versão de que querem paz, quando tudo o que fazem é armarem-se para a guerra. Resta a pergunta: quem está provocando quem?

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