CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
Marilita Gnecco de Camargo Braga avatar

Marilita Gnecco de Camargo Braga

PhD em Engenharia de Transportes pela Universidade de Londres. Trabalhou com ensino e pesquisa científica na área de Engenharia de Transportes na UFRJ. Aposentada.

3 artigos

blog

Isolamento social ou solidão hospitalar?

Busco ver, sobretudo, os avanços científicos na identificação do problema, ou seja, quem é esse “ser” que nos agride e, às vezes, nos mata, como ele sobrevive, como ele é transmitido

(Foto: Reuters)
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

Não sou dessas pessoas que ficam o tempo todo atrás de notícias sobre a pandemia. Acompanho, seletivamente, o que está acontecendo no mundo. Não fico centrada no que acontece no Brasil, pois não confio no que nos é informado, nem nos dados e nas estatísticas. Tenho total convicção de que existe subnotificação da doença. Busco ver, sobretudo, os avanços científicos na identificação do problema, ou seja, quem é esse “ser” que nos agride e, às vezes, nos mata, como ele sobrevive, como ele é transmitido. Essa é a minha principal preocupação para que, de posse desse conhecimento mínimo, eu talvez consiga driblá-lo e evitar nosso encontro. 

Trabalhei a vida toda com pesquisa científica em tema relacionado com análise de risco. Seguramente tudo que faço está bastante influenciado pela noção de risco e sua prevenção. Sou considerada uma “chata” por alguns porque penso sempre no que fazer para não ser uma estatística, para não ser igual àqueles que não conseguiram perceber o risco à sua frente. Confesso que não é simples viver assim, muitas vezes me impondo limitações que jamais saberei se eram efetivamente necessárias. Mas, considero que se não fiquei sabendo é porque minha estratégia foi bem sucedida. 

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Eis que me vejo envolvida numa pandemia e, pior, como grupo de risco, uma vez que tenho mais de 60 anos de idade. Enorme desconforto para quem se conteve de envolvimento nas mais variadas ameaças, ao menos em parte de sua vida. 

Sou uma privilegiada porque tenho onde buscar informação para embasar minhas escolhas e comportamento. Sobretudo, tenho como compreender a informação e tentar decifrar o que pode estar por trás dos poucos dados acessíveis. Por isso, entendo como é fácil manipular uma grande maioria que não tem acesso a dados confiáveis e verdadeiros, como também manipular aqueles a quem faltam discernimento e reflexão. Lamento por quem não dispõe de condições para obter esclarecimentos, mas não desculpo quem aceita a manipulação, nega deliberadamente as evidências, prefere um pensamento ilógico e coloca a si e aos demais em risco real.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Esses são alguns dos fundamentos e princípios sobre os quais me apoio para tomar algumas decisões nesta época difícil. Um outro conjunto de noções sobre o qual eu me respaldo diz respeito a experiências vividas. A primeira experiência teve a duração aproximada de 2 anos, acompanhando minha mãe na enfermidade que a fez falecer aos 86 anos de idade. Durante esse tempo, foram vários contatos com profissionais de saúde, inúmeras internações hospitalares, algumas de mais longa duração, incluindo passagem por UTI e “homecare”. A segunda experiência se prolonga por mais de 3 anos, acompanhando um paciente de linfoma, atualmente com 52 anos. Foi uma vivência muito intensa, contato com equipes médicas grandes e outros profissionais com diferentes formações, quimioterapia com muitos meses de duração, estadia em UTI, transplante de medula óssea e cirurgias.

Tais vivências confirmaram que nenhum sistema é infalível e que, por mais estruturada e organizada que a situação esteja, é impossível controlar tudo: várias coisas podem dar errado. Ficou flagrante também como o corpo humano é complexo e extremamente vulnerável. Ao buscar consertar uma falha nesse sistema, outras das suas partes são afetadas, por vezes de forma dramática ou até mesmo irreversível. Fiquei surpresa ao ouvir dois médicos, que estão na linha de frente do combate ao coronavírus, confirmarem a incidência de trombose em pacientes, alguns vindo a falecer por causa deste problema e não pelo vírus.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Finalmente, ao longo de todo o processo de uma doença temos que interagir com outros seres humanos, muito diferentes uns dos outros e muito diferentes de nós. Assim como nós, eles também são falíveis e seus deslizes e equívocos podem ter seríssimas consequências. Enfrentei vários desses problemas. Tudo é agravado pelo esquema desgastante a que os profissionais de saúde são submetidos, cada vez mais intensamente, como plantões, falta de descanso, horários de trabalho, turnos dobrados. Num dos estudos que fiz sobre risco, li sobre stress ao qual esses profissionais estão sujeitos, incluindo o stress pós traumático. 

Consegue-se perceber a pressão que os cerca. Já estamos vendo os sinais desses diferentes problemas durante esta pandemia e as consequências de políticas equivocadas nessa área. Lembrando que, no Brasil, estamos apenas no início da doença. O cenário futuro será muito pior e extremamente preocupante. Por exemplo, foi possível ver o extremo stress de médicos italianos, em particular os intensivistas. Os brasileiros já estão dando depoimentos que prenunciam situações semelhantes.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Diante disso tudo, fiz a única opção mais indicada a favor da prevenção: o isolamento social total. Admito que poder fazer isso é um imenso privilégio, já que a maior parte da população não tem essa possibilidade. Interajo unicamente e de forma rápida com os entregadores dos diferentes produtos que preciso consumir para sobreviver. Sou extremamente agradecida a eles. Reconheço também a importância daqueles que estão garantindo o abastecimento de forma ampla. Estou completando uma quinzena sem sair do apartamento, a não ser para ir até a lixeira do prédio. Tenho feito um preparo mental para me acostumar com a ideia de que viverei assim por 4 meses, no mínimo. Não vislumbro, no momento, um período mais curto. Tomara que ele não seja mais longo! Ajo assim porque reconheço que é fundamental prevenir ao máximo que o vírus se espalhe. Ou seja, faço isso também por solidariedade, porque o afastamento pode salvar vidas.

Porém, além disso e face a essa doença agressiva, considero que a minha opção de vida atual é fazer todo o possível (e até mesmo o quase impossível) para não dar entrada em um hospital. Não apenas para evitar usar um leito que pode servir a outra pessoa. Não apenas porque ao entrar não sabemos como vamos sair. Mas, para não experimentar todo tipo de situação dramática que essa estadia pode envolver. Um agravante, na atual conjuntura, é que internação em hospital significa também enfrentar tudo sem uma companhia familiar ou amiga, sem apoio emocional, mas na total solidão, infinitamente pior que um isolamento social em casa. Assim, na minha concepção, não estou me isolando em quarentena. Estou vivendo da única forma que evite a ida a um hospital. Isso é tudo o que quero para o meu futuro próximo e se tornou meu objetivo de vida para os próximos meses. 

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Carregando os comentários...
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Cortes 247

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO