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Cynara Menezes

Baiana de Ipiaú, formou-se em jornalismo pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) e já percorreu as redações de vários veículos de imprensa, como Jornal da Bahia, Jornal de Brasília, Folha de S.Paulo, Estadão, revistas IstoÉ/Senhor, Veja, Vip, Carta Capital e Caros Amigos. Editora do site Socialista Morena. Autora dos livros Zen Socialismo, O Que É Ser Arquiteto e O Que É Ser Geógrafo

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Jean Wyllys: “os esquerdomachos (como Ciro) têm muito a aprender com Lula”

Em entrevista a Cynara Menezes, do Jornalistas Pela Democracia, Jean Wyllys menciona o caminho 'errado' que Ciro Gomes escolheu: " os esquerdomachos como Ciro Gomes estão metendo os pés pelas mãos. Ciro escolheu o pior caminho para ‘dialogar’ com o eleitorado conservador reacionário: fortalecer os seus preconceitos. A menção à palestra de Márcia Tiburi foi mais que infeliz, foi uma covardia"

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Por Cynara Menezes, para o Jornalistas Pela Democracia - Nove meses. O tempo que Jean Wyllys está longe de nós praticamente coincide com a posse de Jair Bolsonaro como presidente do Brasil. No dia 24 de janeiro deste ano, Jean, uma das maiores lideranças LGBTs do país, anunciava sua renúncia ao terceiro mandato como deputado federal pelo Rio de Janeiro e a decisão de morar fora do Brasil, diante das ameaças que sofria à sua vida e à de seus familiares. O primeiro exilado político desde que a ditadura militar acabou, em 1985.

Foi tão simbólico do “novo” momento pelo qual passa o país que, sem nenhuma surpresa, vimos o presidente, em vez de tomar providências como chefe da Nação que é, sair comemorando: “Grande dia”. Para o ex-deputado federal, desde setembro atuando como professor-visitante no Instituto de Pesquisa Afro e Latino-Americana da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, tampouco surpreende o desastre internacional, administrativo, ambiental e social do governo Bolsonaro. “Convivi e fui vítima desse escroque ignorante e violento por oito anos. Não esperava que reunisse em torno de si gente diferente dele, ao contrário”, diz Jean.

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Mas o jornalista baiano também tem lá suas mágoas com a esquerda, inclusive com o PSOL, seu partido, a quem acusa, no livro O Que Será (editora Objetiva/Companhia das Letras), de tê-lo escondido durante o segundo turno da campanha de Marcelo Freixo à prefeitura do Rio, em 2016, para não melindrar o eleitorado conservador. “Mais que covardia, um equívoco” diante das questões identitárias e de temas polêmicos, como a descriminalização das drogas e do aborto, que enxerga em toda a esquerda atualmente, para ele ainda dominada pelos “esquerdomachos” brancos. “O Brasil deveria aprender com a esquerda norte-americana, que incorporou as questões identitárias e são estas, hoje, que a fazem conquistar tantos corações e mentes”, defende.

O livro, escrito em parceria com a jornalista Adriana Abujamra, conta a história da vida de Jean: a infância humilde em Alagoinhas, as conquistas nos bancos escolares, a faculdade, a vitória no Big Brother Brasil, a entrada na política –para a qual garante que não voltará–, o assassinato da amiga Marielle Franco, a renúncia, o exílio…

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Jean Wyllys falou com exclusividade ao site, por e-mail.

Socialista Morena – Como você está se sentindo como exilado, morando longe do Brasil, seu país?
Jean Wyllys – O exílio é uma longa insônia, como disse Victor Hugo. Embora eu esteja me reinventando, a distância da minha família e dos amigos dói. Desde que saí, em função de ameaças de morte formalmente denunciadas e documentadas pela CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) da OEA, o Brasil se tornou ainda mais perigoso para mim. Então, concilio o sentimento de segurança, por estar longe do perigo que esse governo e as organizações criminosas relacionados a ele representam para mim, com a saudade, lutando desde aqui.

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– E a vida em Harvard?
– Muito bem, obrigado. Leitura, pesquisa, aulas, conferências… Vivendo a vida de um professor-pesquisador visitante. Harvard tem uma excelente infraestrutura para quem gosta de adquirir e compartilhar conhecimentos, que é meu caso. Abriga algumas mentes brilhantes, assim como as universidades latino-americanas e europeias, que são de qualidade e gratuitas. Tão importante quanto estar aqui foi ter dado, antes, conferências em instituições de prestígio como a Sorbonne, a École de Hautes Études en Sciences Sociales e a Universidade de Tübingen, na Alemanha, para citar apenas três

– Você diz no livro que a esquerda precisa atentar para as novas questões, que agora não é só “o proletariado” do qual falava Marx. Mas não há como pensar nas questões identitárias sem pensar em classe, correto? Como você mesmo diz: “sou gay, mas vim da pobreza”. O ideal é este, aliar as questões identitárias à luta de classe?
– Sim. Esse debate não é novo na esquerda, por incrível que pareça. Em minhas pesquisas, descobri que intelectuais judeus de esquerda que se estabeleceram nos EUA após fugirem do nazismo sofreram rejeição e tiveram espaços reduzidos por tentar colocar, na agenda tradicional da esquerda (a ‘luta de classes’) as questões de sexualidade e gênero e étnicas, as hoje chamadas questões identitárias. Ou seja, o horror do nazismo –que matou milhões de pessoas em função de sua etnia, orientação sexual e identidade política, e não em função do fato de serem pobres– não foi suficiente para que a esquerda norte-americana se abrisse às questões identitárias à época. A esquerda europeia, antes da emergência do fascismo, tampouco era sensível para as questões identitárias implicadas no colonialismo e seus genocídios. Me parece óbvio que a pobreza agrava todos os horrores; que a desigualdade social potencializa as outras misérias advindas da desigualdade de gênero, sexual e racial. Eu não estou propondo nem nunca propus que se abandonasse a ideia de luta de classes. Apenas proponho que se faça um mergulho mais profundo nessa luta e se possa ver que, dentro de uma classe, entre os pobres por exemplo, há hierarquias e opressões que não podem ser ignoradas sob nenhum argumento. As mulheres vítimas de feminicídio por homens trabalhadores pobres e negros, e os gays, lésbicas e pessoas trans espancados e/ou postos para fora de casa por mulheres pobres estão aí para provar isso.

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– Você também mostra no livro, como os políticos, inclusive da esquerda e do PSOL, fogem de temas polêmicos durante a campanha, como aborto e descriminalização das drogas. “Muitos políticos jogam para a platéia”, como escreveu. Você acha que este é um caminho equivocado a longo prazo?
– Equivocadíssimo! De quantas derrotas vamos precisar para entender isso? A vitória do fascismo no Brasil se deve, em parte,  ao fato de o PT ter acreditado que bastava botar comida na mesa dos brasileiros pobres e inseri-los no mercado de consumo de mercadorias, formando a chamada ‘nova classe C’, para que se transformassem e se identificassem com os valores democráticos. Não bastou. Há gente nas esquerdas que gosta de falar em ‘disputa de corações de mentes’ do proletariado ou da classe média, mas, quando vê diante de si a chance de conquistar o voto dessas pessoas abrindo mão dessa disputa, agarra-a como Smeagol agarra o anel na ficção de Tolkien. 

– Como você está vendo o surgimento de uma esquerda conservadora nos costumes, sob a desculpa de que o eleitorado “é conservador”? Não é papel da esquerda ser didático também? Não é covardia abrir mão das questões identitárias em troca de votos? Ou, nas palavras de Erundina que você usa no livro: “O papel da esquerda não é ganhar, mas transformar o mundo”?
– Mais que covardia, é um equívoco. Não se repara as injustiças sociais sem se levar em conta as questões identitárias e ambientais. Não se pode falar hoje em combate às desigualdades sociais aprofundadas por um capitalismo pós-industrial e financeiro sem levar em conta as mudanças climáticas decorrentes do aquecimento global, a desigualdade de gênero e o racismo. Nesse sentido, meus mandatos foram de vanguarda, pois articulavam todas essas questões mais a da novas tecnologias da comunicação, embora a homofobia social no Brasil impeça o reconhecimento disso por parte de setores da esquerda. O que me parece é que esses conservadores de esquerda estão com medo de dividir, de verdade, os espaços de poder com as mulheres, os negros, LGBTS e indígenas. É melhor que comecem a se acostumar. Não deixaremos mais que falem de nós sem nós. O Brasil deveria aprender com a esquerda norte-americana, que, após a luta pelos direitos civis dos anos 1960, incorporou as questões identitárias e são estas, hoje, que a fazem conquistar tantos corações e mentes, por meio de pessoas que a vocalizam de maneira clara e sem medo, como, por exemplo, Alexandria Ocasio-Cortez. Martin Luther King era anticapitalista, mas combinava essa luta com o enfrentamento do racismo, que também afetava os negros capitalistas. Ou seja, a esquerda brasileira tem o que aprender com a esquerda dos EUA também.

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– Você conta que foi vetado da campanha de Freixo em 2016. Se sente decepcionado com o PSOL? Pensa mudar de partido se voltar a disputar cargo eletivo ou não pensa em disputar eleição novamente?
– Penso em não disputar mais. Acho que já dei minha contribuição nesse sentido. Creio que posso contribuir para um país e um mundo melhores de outra forma. Mas também não posso dizer que dessa água não beberei de novo, para citar um dito popular. A vida é surpreendente e circunstâncias podem me fazer mudar. O que posso dizer é que meu sentimento hoje é o de quem não quer disputar mais cargo eletivo. Quanto ao PSOL, este partido nasceu de um racha no PT, logo, conservou vícios ainda presentes no PT, como a guerra fratricida e irresponsável entre correntes, menos pelo rumo ideológico e pelo programa do partido e muito mais pelo aparato. O PT ao menos consegue passar uma ideia de unidade enquanto partido. A unidade do PSOL só existe até agora na atuação da bancada no Legislativo. Eu não me sinto decepcionado com o PSOL. Eu conheci a ânima do partido já na minha filiação, contra a qual muitos no Rio de Janeiro se colocaram pelo fato de eu ter feito o BBB. Mas era ainda o melhor partido à época no Rio para fazer o que pretendia fazer e fiz com os meus mandatos. Levei o imaginário do eleitor a identificar o partido com causas sem participar das disputas internas, sem me ligar a correntes e grupos de militantes ‘orgânicos’. O fato de coordenadores da campanha de Freixo terem me limado da propaganda eleitoral do candidato na esperança de que ele não fosse identificado, pelo eleitor conservador e reacionário, com a luta pelo aborto legal, lei de identidade de gênero, legalização da maconha, respeito ao povo de santo e regulamentação da prostituição não me impediu de seguir tocando essa agenda nacionalmente e associando-a ao partido. O máximo que conseguiram com isso foi fazer de Freixo, naquele momento, um covarde. Assim como o PT apenas conseguiu fazer de Dilma uma covarde no episódio em que a orientou a enterrar o Escola Sem Homofobia para ‘dialogar’ com os reacionários da base do governo. Tenho orgulho de, em ambas ocasiões, ter me mantido de cabeça erguida.  Abri caminho para os ativistas dessas causas que se filiaram ao PSOL depois de mim e por minha causa. Tenho orgulho disso. Ninguém vai apagar essa história.

– Em sua opinião, os esquerdomachos brancos, como você nomeou, dominam o PSOL e a esquerda como um todo?
– Ainda sim, infelizmente. Há mudança em curso, mas, apesar da mudança que está vindo por aí e por causa dela, que é inevitável, os esquerdomachos como Ciro Gomes estão metendo os pés pelas mãos. Ciro escolheu o pior caminho para ‘dialogar’ com o eleitorado conservador reacionário: fortalecer os seus preconceitos. A menção à palestra de Márcia Tiburi foi mais que infeliz, foi uma covardia. E aí nós vemos o PDT agindo como o PT agiu no episódio do Escola sem Homofobia, como o PSOL no segundo turno das eleições municipais do Rio de 2016 e como o PCdoB em relação a Manuela D’Ávila quando ela se tornou o alvo preferencial das fake news no segundo turno das eleições de 2018, permitindo que ela fosse apagada da campanha para ‘o bem’ da chapa. Com todo o respeito que tenho a Haddad, ele não passou por um quinto do que ela passou. E a melhor forma de se proteger das fake news não é deixar suas vítimas preferenciais sozinhas com as hienas. O correto seria os partidos e/ou as coligações fortalecerem as vítimas, criarem um escudo discursivo e de desmentidos que as protegesse e mostrasse que não estão sós. Só agora eu vejo algum movimento para levar a sério o que passamos. Então, voltando aos esquerdomachos, há aqueles com disposição para se reinventar, de ouvir as novas vozes, de se abrir para as novas agendas. Lula é o melhor exemplo nesse sentido; e olha que se levamos em conta a idade de Ciro Gomes, Haddad e Marcelo Freixo comparada à de Lula, Lula se torna um exemplo mais admirável. Mesmo gente mais nova, como é caso do Túlio Gadelha, acaba sendo menos aberto à divisão de poder do que Lula, que indicou o primeiro negro para o STF e fez de uma mulher sua sucessora. Os esquerdomachos têm muito a aprender com ele

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– Você cita algumas vezes os insultos proferidos por Alexandre Frota, hoje “arrependido” de ter apoiado Bolsonaro. Você acredita nesta conversão não só dele, como de gente que estimulou o ódio à esquerda na mídia, como Reinaldo Azevedo e Sheherazade?
– Acredito que pessoas inteligentes podem mudar, rever as posições equivocadas. Então, acho que Azevedo e Sheherazade mudaram, caminhando para o centro político em menor velocidade com que a maioria do eleitorado se descolou para a extrema direita em 2018. Porém, reconhecer que eles mudaram não implica esquecer o que fizeram.

– Como está vendo o governo Bolsonaro? É ainda pior do que imaginava?
– Não estou surpreso. Convivi e fui vítima desse escroque ignorante e violento por oito anos. Não esperava que reunisse em torno de si gente diferente dele, ao contrário. E sabia que este fascista com novos e maiores poderes colocaria em risco ou eliminaria direta ou indiretamente a vida de todos os que contrariam sua visão torta de mundo.

– Qual a saída que você enxerga para a situação brasileira?
– União das esquerdas contra o fascismo, o que implica em levar os esquerdomachos a entenderem que não podem nos rifar para eleitores conservadores reacionários e que têm que nos ouvir; articulação com a esquerda internacional e resistência de todas as formas possíveis para garantir a liberdade do Lula, as eleições dos próximo ano e as de 2022, onde poderemos vencer e começar a reparar os danos que o fascismo causou.

Livro: O Que Será (A história de um defensor dos direitos humanos no Brasil)

Autor: Jean Wyllys (com Adriana Abujamra)

Editora: Objetiva/Companhia das Letras, 224 págs., R$49,90

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