JOAQUINS SILVÉRIO DOS REIS
A figura de Joaquim Silvério não morreu. Ela mudou de rosto
Em 1789, enquanto a Inconfidência Mineira articulava a independência e o fim do regime de opressão fiscal imposto por Portugal, houve um homem que fez a escolha na direção contrária. Joaquim Silvério dos Reis, movido por benefícios individuais, bateu “a melhor das continências” à bandeira imperial e entregou seus companheiros às autoridades coloniais. Em troca da traição, exigiu perdão de dívidas, cargos públicos e ouro. Não fosse o Brasil tão desconectado de seu próprio passado, ali teria nascido, no imaginário popular, o arquétipo do “Traidor a serviço do Império”.
A figura do Joaquim Silvério não morreu. Ela se espalhou, mudou de rosto e de discurso e passou a habitar os bastidores da política brasileira como uma sombra teimosa. Ela aparece toda vez que alguém troca o interesse coletivo por um privilégio pessoal, toda vez que um aliado se curva ao inimigo histórico em nome de uma conveniência eleitoral sem benefícios claros ao coletivo; toda vez que um político abandona a luta do povo para proteger apenas a si ou a seus próprios negócios; toda vez que uma liderança popular se cala diante de injustiças para manter suas benesses.
A traição aqui não é só uma questão moral, é um método de funcionamento, um mecanismo que sustenta privilégios e desigualdades. Tampouco é uma prerrogativa de extremistas e quase nunca se assume como traição. Muitas vezes vem travestida de moderação, de bom senso, de patriotismo. Vem com palavras bonitas, com discursos técnicos, com sorrisos em jantares e promessas bem ensaiadas. E, às vezes, também, vem escancarada em bonés com slogans de mandatários estrangeiros que ameaçam a nossa soberania.
Enquanto os inconfidentes sonhavam com uma república, Silvério arquitetava sua promoção dentro do Império. Hoje não é diferente. Enquanto a população parece sonhar com justiça, com mais direitos, com soberania, sempre há alguém negociando no escuro, entregando o projeto nacional em troca de anistias, isenção para pequenos grupos ou afagos de poderes externos.
A traição no Brasil circula por gabinetes, ocupa palácios, posa para fotos, faz vídeo selfies e jura amor à democracia enquanto a apunhala - e a todos nós, brasileiros, não importa se de direita, de esquerda ou de centro. Por isso é preciso recuperar a figura de Joaquim Silvério não como personagem isolado, mas como um mito negativo, um espelho incômodo que nos ajude a entender quem somos. Ele é o avesso de Tiradentes e da gigantesca maioria do povo brasileiro. Ele é o fantasma que ronda os corredores do poder e abre as portas ao inimigo toda vez que o povo se mobiliza nas trincheiras de luta.
Naquela época, Tiradentes foi enforcado e Silvério viveu como herói do Império. Agora, o povo está de olho. Não há narrativa que esconda um acordo imoral, nem marketing que transforme traição em patriotismo.
Por isso, mais do que nunca, revela-se a urgência de recuperar nossa memória coletiva. O nosso país foi colônia, mas não precisa mais agir como se ainda fosse. A traição é uma construção simbólica que precisa ser desvendada, exposta e desmontada em nome do Brasil, dos brasileiros e da liberdade. Ainda que tardia.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

