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Bia Willcox

Bia Willcox é advogada, jornalista e pesquisadora nas áreas de Empreendedorismo, Inovação e Marketing. Atua como mentora de negócios e escreve sobre os impactos da hiperconectividade, da inteligência artificial e das tecnologias emergentes nas relações humanas e no futuro da sociedade.

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JOMO - o prazer de perder e o alívio digital

E esse vício no scrolling infinito de tela tem-nos causado sofrimento psíquico, ansiedade, angústia

JOMO - o prazer de perder e o alívio digital

Toda e qualquer referência a um aparelho celular me remete à nossa dependência, adicção e também diversão constante em usá-lo. 

Não, ao usá-lo, não. 

Ao acoplá-lo ao nosso corpo ainda humano.
Buscamos pertencimento, identificação, buscamos atualização, fofoca. Queremos acompanhar seja lá o que - de notícias à vida dos outros, de amor a ódio, de casamentos à separações, de restaurantes e academias à dietas. Sabemos que podíamos ficar sem os updates mas não queremos. 

E esse vício no scrolling infinito de tela tem-nos causado sofrimento psíquico, ansiedade, angústia (talvez todos imperceptíveis num primeiro estágio) e dependência de informação. 

A tal rolagem infinita das redes sociais está diretamente ligada a padrões neurobiológicos de vício, ativando circuitos de dopamina que criam compulsão, tal qual em outros vícios comportamentais. Com a compulsão e a hiperinformação, para muitos, vem a cybercondria (a hipocondria digital), fruto de sermos expostos de forma intensiva a toda e qualquer notícia relacionada à nossa saúde: novos vírus, alimentos que fazem mal, o que é preciso fazer para viver mais (e aí nos damos contas de que não ficamos todos os boxes desse checklist de saúde da postagem e ficamos mal), acidentes, contaminações, hospitalizações entre muitas outras notícias e postagens quase aleatórias. E lá estamos, com medo de tudo, sentindo tudo. Sorte de quem é imunizado da tal hiper informação que inclui (não pouca) fake news. Trata-se de uma  ansiedade excessiva que cresce em espiral e é promovida pela busca incessante por mais informações relacionadas à saúde, agravando sintomas físicos reais como insônia, taquicardia e dores musculares. Trata-se do já famoso  FOMO - “fear of missing out” (medo de perder alguma coisa).

Esse misto de esgotamento por excesso de notícias e o medo de perdê-las, transforma smartphones em verdadeiras algemas emocionais — nos prendendo a ciclos de hiper conectividade onde o prazer de estar sozinho ou desinformado é quase impossível.

Conheço inúmeros cenários de FOMO:
• Uma jovem universitária ficando horas no scroll infinito da tela do celular, angustiada com a ideia de não acompanhar as novidades, mas esgotada ao final do dia.
• Uma mãe no trabalho sentindo pânico por ficar sem bateria no celular, imaginando  não poder ser acessada caso o filho dela  se machuque ou passe mal na escola.• Alguém que trabalha duro diariamente, acordando de madrugada para checar notificações, sentindo certa palpitação ao não encontrar “nada novo” além de tragédias, memes e fofocas.

Sabemos que FOMO é o efeito colateral óbvio  e esperado do que é considerado uma fonte geradora inesgotável de dopamina (além de outras substâncias, claro): o nosso celular. E como tudo na vida, os novos cenários vão se desdobrando em outros já que o tempo não pára. E assim, nasce o spin-off do FOMO: o JOMO.

O JOMO (Joy of Missing Out), ou “alegria de perder”, chega como uma inversão desse ciclo de agonia digital: é sobre sentir prazer em desconectar, libertando-se dos grilhões do medo de perder algo importante. É um contraponto mais positivo ao FOMO - em vez de ansiar por estar por dentro de tudo, o JOMO convida a sentir prazer em escolher onde estar (ou não estar), em desfrutar do momento presente e em dar permissão para não participar de tudo. 

Um estudo recente mostrou que — embora não seja tão comum — pessoas com altos índices de JOMO podem relatar alta satisfação de vida mesmo apresentando ainda alguns sinais de ansiedade social.

O JOMO é muitas vezes descrito como uma prática intencional: você escolhe se desconectar, “dar um passo para trás” do ruído digital, recusar convites ou estímulos sociais para priorizar o que realmente importa para você — descanso, presença, relação com você mesmo ou com poucos — sem culpa ou sensação de perda.

Alguns autores já conectam o JOMO à filosofia da “vida com intenção” ou “slow living”, sugerindo que menos pode ser mais quando escolhemos conscientemente nossas ocupações, nosso uso de tecnologia e nosso engajamento social.  

Eu gostaria muito de reduzir meu uso de celular. Não sofro o FOMO clássico, mas sou uma assustada assumida quando se trata de notícias góticas com acidentes, remédios, doenças e violências. A hiper informação consegue me abalar em vários momentos e eu adoraria caminhar para cada vez mais JOMO. 

Compartilho com vocês algumas pesquisas rasas que fiz para exercitar o JOMO:

1. Janela do silêncio digital
Reserve ao menos 30 minutos por dia para ficar longe de telas, sem notificações e sem contato digital. Utilize alarmes analógicos ou um papel para anotar preocupações, em vez de recorrer ao celular. (Caderninho ou agenda e atividades  manuais, no meu caso. E com música ao fundo! Vale limpeza, arrumação de gavetas e até faxina.)

2. Diário reflexivo  

Crie um diário offline listando emoções com e sem  o uso intenso do celular, descreva os momentos de desconexão. Reflita sobre como o corpo se sente em ambos os cenários e planeje micro-pausas de detox digital.

3. Redefina o prazer: micro momentos  de presença puramente analógica   
Encontre prazer em pequenas perdas: deixar uma mensagem sem resposta imediata (ainda não consigo muito, mas há muito gente que já faz isso com tranquilidade!). Assista à chuva ou ao pôr-do-sol sem fotografar, leia ou veja  algo interessante sem compartilhar no mundo digital. Valorize esses espaços de não saber.

Não saber. Não compartilhar. Preservar. Guardar numa caixinha de joias como momentos especiais e 

4. Delimite seus horários de uso das redes sociais, como quem marca um compromisso. Substitua o scroll automático por atividades prazerosas — caminhar, ouvir música, dançar, praticar respiração consciente. (Será que um dia consigo?). Faça pactos consigo mesmo ou com amigos para experimentar finais de semana offline. 

O prazer do JOMO  representa uma transformação profunda na relação com o universo digital. Ele surge como resposta à sobrecarga informacional, ao sofrimento psíquico e à ansiedade provenientes da necessidade constante de atualização e pertencimento virtual, fenômenos cada vez mais presentes na sociedade contemporânea.

É importante  romper com o medo de perder (FOMO) e abraçar o prazer de perder (JOMO) redefinindo prioridades, cultivando o silêncio e resgatando pequenos prazeres fora da lógica da hiper conexão.Essas perspectivas teóricas e neurobiológicas ajudam a compreender como a busca por atualização constante, embora aparentemente inofensiva, pode causar mal-estar profundo — e como o JOMO oferece alívio e possibilidades de felicidade autêntica, ao convidar à experimentação da ausência, do silêncio e da desconexão como forma de autocuidado.

Vamos largar o celular um pouco num canto e experimentar? 

Deixo um convite aqui para que quem leu esse meu texto compartilhe suas experiências vivendo o JOMO e nos dê mais dicas de como alcançá-lo. Afinal, ninguém deve mesmo largar a mão de ninguém quando se trata de saúde física e mental. 

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.