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Washington Araújo

Mestre em Cinema, psicanalista, jornalista e conferencista, é autor de 19 livros publicados em diversos países. Professor de Comunicação, Sociologia, Geopolítica e Ética, tem mais de duas décadas de experiência na Secretaria-Geral da Mesa do Senado Federal. Especialista em IA, redes sociais e cultura global, atua na reflexão crítica sobre políticas públicas e direitos humanos. Produz o Podcast 1844 no Spotify e edita o site palavrafilmada.com.

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Jornalismo não é tronco de enchente girando em torno de si mesmo

Jornalistas de excelência combatem a desinformação com apuração ética, resgatando a verdade contra narrativas estagnadas como troncos em enchente

Jornalismo não é tronco de enchente girando em torno de si mesmo (Foto: Gerada por IA/DALL-E)

O jornalismo que precisamos não pode ser como tronco em enchente de rio, girando em torno de si mesmo, entregando pouco valor-notícia ou profundidade aos leitores. Jornalistas de excelência, com apuração rigorosa, contexto histórico e compromisso com direitos humanos, democracia, diversidade, inclusão, meio ambiente e educação, resgatam sua essência transformadora.

Em um cenário saturado por conteúdos instantâneos, muitos gerados por algoritmos, o jornalista de excelência emerge como restaurador da confiança. Com domínio temático, fontes sérias e perspectiva histórica, ele costura narrativas que desmontam a desinformação e revelam verdades complexas com clareza e propósito.

A expansão de IAs generativas intensifica um velho dilema. Elas amplificam o alcance de informações, mas produzem textos muitas vezes rasos, sem contexto ou verificação, alimentando narrativas distorcidas que confundem o público e fragilizam a democracia.

Nesse vácuo, o jornalista de excelência brilha, oferecendo o que máquinas não entregam: capacidade de interpretar silêncios, conectar fatos dispersos e expor agendas ocultas com sensibilidade ética. Na França, Edwy Plenel, do Mediapart, exemplifica isso ao investigar abusos de poder, defendendo direitos humanos e inclusão em obras como Pour les musulmans, que desafiam preconceitos. No Reino Unido, Owen Jones, do The Guardian, disseca desigualdades sociais, advogando por direitos LGBTQ+, sustentabilidade ambiental e educação universal, como a abolição de taxas universitárias.

Na Espanha, Helena Maleno, do eldiario.es, denuncia violações migratórias, empoderando comunidades subsaarianas, especialmente mulheres e crianças, com relatórios e oficinas que promovem inclusão.

Nos EUA, Nikole Hannah-Jones, com o 1619 Project no The New York Times, reescreve a história americana, centrando a escravidão para avançar diversidade racial, inclusão e educação equitativa, por meio de iniciativas como a 1619 Freedom School. Esses jornalistas não só informam; eles educam, inspiram e impulsionam mudanças sociais.

Máquinas não replicam essa profundidade ética. Um estudo da Pew Research de 2024 mostra que 68% dos leitores confiam mais em textos de autores experientes do que em conteúdos automatizados. Além disso, 73% valorizam análises que exigem intuição, empatia e memória histórica.

A era digital impõe obstáculos: a corrida por cliques e redações enxutas marginalizam investigações profundas. Mesmo assim, jornalistas de excelência persistem, priorizando qualidade sobre volume, em um tempo em que narrativas enganosas prosperam por interesses políticos ou econômicos.

Seus esforços, como os de Plenel expondo corrupções ou Hannah-Jones desafiando hegemonias históricas, reforçam um jornalismo que defende direitos e sustentabilidade, estimulando debates globais sobre ecologia e ensino inclusivo. Em polarizações crescentes, eles conectam histórias individuais a lutas coletivas por justiça.

Enfrentam ameaças e processos, mas seguem firmes, reafirmando o jornalismo humano como pilar de democracias pluralistas. Resgatam práticas quase perdidas: apuração meticulosa, narrativas imersivas e responsabilidade moral, diluídas por décadas de pressões comerciais.

Um jornalismo que privilegia profundidade e integridade floresce em plataformas progressistas que acolhem vozes diversas e distinguem análises rasas de reflexões penetrantes. Não o vejo renascer em jornais impressos fossilizados, estagnados há meio século, que trocam credibilidade por anúncios de empresas avessas a escrutínios éticos.

Veículos como The New York Times e The Guardian, apesar de antigos, mantêm vitalidade ao abraçar narrativas inovadoras, arejadas e envolventes, que reposicionam o jornalismo como motor de transformação social. Eles investem em educação midiática e ferramentas de verificação assistida para conter distorções. Apoiar esses profissionais exige esforço coletivo. Leitores devem apoiar mídias de qualidade com assinaturas e engajamento. Governos e empresas precisam garantir liberdade de imprensa e proteção, especialmente em países onde jornalistas enfrentam riscos — o Brasil, por exemplo, caiu para a 108ª posição no Índice de Liberdade de Imprensa de 2025, segundo Repórteres Sem Fronteiras.

O jornalista de excelência não é lenda, mas necessidade. Em um mundo de verdades disputadas, sua habilidade de apurar, contextualizar e humanizar histórias é insubstituível. A IA pode apoiar, mas o olhar humano — analítico, ético e sensível — dá alma ao jornalismo. Como disse Seymour Hersh: “o jornalismo é sobre pessoas, não máquinas”.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.