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Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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Jornalista não é notícia. Só quando é agredido

"Agredir jornalistas no Brasil ou em qualquer canto do mundo é um ato imperdoável", escreve Denise Assis, do Jornalistas pela Democracia

Jair Bolsonaro (Foto: Alan Santos/PR)
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Por Denise Assis, para o Jornalistas pela Democracia

Agredir jornalistas no Brasil ou em qualquer canto do mundo é um ato imperdoável. O ofício, o de noticiar, permite que os registros dos fatos virem história, porque é do cotidiano das gentes que se formam as opiniões, as políticas públicas, os atos de governo. Na Europa este tipo de violência não é tolerado, como não deveria ser em qualquer país ou continente. Por isto, reputo inadmissível o ocorrido com os colegas: Jamil Chade, Leonardo Monteiro e Lucas Ferraz.

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Para exemplificar como isto é tratado por lá, peço licença para relatar uma experiência pessoal. Desculpem, mas é uma ilustração importante das diferenças de comportamento.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso visitava Portugal pela primeira vez, em 1995, como chefe de estado. Naquele dia, o compromisso era em Coimbra, onde seria agraciado com o título de Doutor Honoris Causa, na histórica universidade. Antes, porém, cumpriria agenda em um ato de visita à Câmara Municipal da cidade. Nós, os jornalistas, seguimos em comboio de Lisboa até lá. Éramos um grupo razoável, que incluía Silio Boccanera, Jorge Moreno, e os demais incumbidos da cobertura da viagem presidencial, viajando numa “carrinha”, como são conhecidas as vans, entre os portugueses.  

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Ao chegarmos, à lateral da Câmara, esbaforidos como sempre, para estar colados ao grupo de autoridades, me antecipei e alcancei a comitiva, conseguindo me postar junto à D. Ruth Cardoso, que caminhava ao lado do marido, por sua vez ladeado pelo presidente de Portugal, Mário Soares, em seu penúltimo ano de mandato (governou de 1986 a 1991 e, reeleito, de 1991 a 1996). 

Havia uma novidade, no Brasil, sobre o Programa Comunidade Solidária, criado por decreto do governo federal logo após a posse de FHC, em 12 de janeiro de 1995, e dirigido por D. Ruth. Eu não saberia dizer agora qual foi a novidade, mas era um dos temas do dia. Estiquei o gravador e fiz a ela uma pergunta a propósito. Um dos agentes de segurança do governo português, cedido para a comitiva visitante viu e deu um tapa na minha mão, atirando na frente do grupo o meu aparelho, que se espatifou. 

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O presidente Mário Soares abriu os braços, interrompeu a caminhada apressada do grupo e se dirigindo ao rapaz, disse:

- Apanhe o instrumento de trabalho desta senhora, por favor. 

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O segurança, ruborizado, catava os cacos enquanto a comitiva, em silêncio, observava a cena. 

Quando ele me devolveu o que sobrou, o presidente Mário Soares me chamou: 

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- A senhora vem comigo, por gentileza. Ato contínuo, colocou a mão sobre o meu ombro e assim nós entramos na Câmara de Coimbra. Ele à frente, com a mão no meu ombro, seguido de Fernando Henrique e D. Ruth. Enquanto cruzávamos a passadeira vermelha até o pé do palco onde estava a mesa preparada para a cerimônia, ele foi falando:

- A senhora me desculpe. Esses senhores são treinados, não permitimos tamanha truculência. Somos um povo emotivo, cortês e eu não admito que se trate a ninguém, muito menos uma visita, com esses modos. Não leve de nós esta impressão. E, por favor, não me entenda mal, mas eu preciso que me diga em que hotel a senhora se encontra hospedada, em Lisboa.

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Prontamente disse o nome do hotel. Nos despedimos, eu ainda atordoada com a cena. Ele subiu para dar início à cerimônia e eu fiquei na plateia, fazendo as minhas anotações na ferramenta que me restou: o inseparável bloquinho de anotações.

À tarde, quando retornei ao hotel, havia na recepção um buquê de flores e uma caixinha em meu nome. Os funcionários correram agitados para me entregar a encomenda. Ao ler o destinatário do envelope, entendi o porquê do nervosismo. O presidente Mário Soares havia me enviado um gravador novo e reiterava os seus pedidos de esculpas, em nome do governo português.

A propósito: não tenho a foto deste momento. A fotógrafa que estava comigo justificou: 

- Jornalista não é notícia. 

E não deveria ser mesmo. Somos a turma dos bastidores. Infelizmente atitudes como a violência desfechada contra Leonardo Monteiro, que levou um soco no estômago por ter feito uma pergunta - desempenhando a sua função -, trazem para a cena principal, onde deveriam estar notícias de relevo das viagens presidenciais, os fatos lamentáveis das agressões.

A cena protagonizada por Mário Soares, o presidente de Portugal, está na minha memória, que é onde ficam as experiências vivenciadas pelos jornalistas. 

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