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Helena Iono

Jornalista e produtora de TV, correspondente em Buenos Aires

122 artigos

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Jujuy: epicentro de um terremoto social e político na Argentina

Manifestações ampliaram o leque das reivindicações e o volume dos participantes

(Foto: Divulgação/ATE)
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Antes de tudo, vamos aos últimos fatos que precedem o cenário explosivo na Província (Estado) de Jujuy, no norte argentino. Nos últimos 15 dias, iniciaram-se manifestações massivas de professores e funcionários municipais, reivindicando aumento de salário (dos menores do país). O governador atual, Gerardo Morales (UCR – União Cívica Radical), mal reeleito recentemente, acionou uma Convenção constituinte para impor uma reforma constitucional (provincial), alterando a Constituição Nacional, pondo fim a artigos que asseguram os direitos à manifestação e ao protesto social, violando as leis do Direito Internacional, além de interferir no direito à propriedade da terra ancestral e o acesso aos recursos naturais dos povos originários. Assim, as manifestações ampliaram o leque das reivindicações e o volume dos participantes.  

Os povos originários humildes, camponeses, pequenos comerciantes e ambulantes, desceram das montanhas e das suas comunidades, uniram-se aos trabalhadores da saúde, e movimentos sociais, apoiando a luta dos professores, contra a reforma constitucional para defender direitos democráticos e humanos conquistados no fim da ditadura, o direito à terra e a melhores condições de vida. Foram dias de manifestações gigantescas que encontraram como primeira resposta do governo de Moráles, em Purmamarca, uma repressão massiva no sábado passado deixando cerca de 27 presos (mulheres, dirigentes políticos, jornalistas, turistas), várias vítimas de violência, dos quais, dois perderam um olho, como nos dias nefastos da repressão do ex-presidente, Piñera, no Chile. Simbólico e cruel: cegar para quê? Para não ver o crime dos opressores e a injustiça?  

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Mas, o protesto social não parou, ampliou-se no dia 20 de junho, rumo a San Salvador de Jujuy, com mais de 22 cortes de estrada organizados (com liberações alternadas ao trânsito). Apesar de dúbias promessas do governador a mudar dois artigos relativos aos povos originários, alegando haver consultado 70 comunidades (quando o total são 400), a tal reforma não lhes garante a titularidade das terras ancestrais, ameaça o despejo e não elimina a criminalização do direito à manifestação popular. Em pleno feriado nacional, antecipando o horário pré-estabelecido, aprovou-se a Reforma Constitucional, anunciada em apenas 29 dias, sem consulta popular, votada a portas fechadas, na Assembleia provincial, pela maioria dos constituintes afins a Morales, com exceção da esquerda, e apoio da direita peronista do Partido Justicialista.  

Milhares de manifestantes se dirigiram à Assembleia em protesto, pacificamente, contra o conteúdo e o método antidemocrático de imposição de tal Reforma. O governo de Morales desencadeou outra repressão sangrenta após a assinatura da Reforma. Até o momento há cerca de novos 69 presos e mais de 70 feridos em São Salvador de Jujuy e um jovem agredido com risco de vida. Há uma espécie de estado de sítio. Manifestantes e organismos de Direitos Humanos denunciam a infiltração de provocadores violentos nos atos, detenções forçadas por obra de para-policiais, munidos de carros não oficiais, sem chapa. Assim, Gerardo Morales embasou as fakenews e seus twitters, atribuindo a violência desatada ao kirchnerismo.   

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Jujuy, considerada um feudo do governador, é a terra onde nasceu a líder indígena e ex-deputada do Parlasur, Milagro Salas, da organização barrial, Túpac Amaru; vítima de lawfare, da falsa denúncia de corrupção, prisioneira do governador, desde 7 anos atrás, quando Macri, assumiu o poder. Milagro Salas, perseguida por defender e executar um projeto habitacional gigantesco de construção de casas populares, incluindo piscinas, centros esportivos e culturais para trabalhadores, é vítima do poder hegemônico regional e multinacional, onde se incluem construtoras imobiliárias. Os fatos atuais, convalidam que ela continua presa por cumplicidade do Partido Justicialista local e lentidão do governo nacional. Junta-se a isso, que o dito “Partido Judicial-Midiático”, que condena e proscreve Cristina Kirchner, e mantém Milagro Salas presa, está intacto.  

Não é casual que semelhante ataque aos movimentos sociais e povos originários tenha se desencadeado em Jujuy. A cobiça de grupos econômicos locais e internacionais pelo lítio, situado nessa província, é o fator principal nesta guerra de poder contra o povo. O ex-juiz da Corte Suprema, Eugenio Raúl Zaffaroni, disse: "O que está acontecendo em Jujuy? O que está por trás? Basicamente uma razão econômica que é garantir a entrega de recursos naturais. Por outro lado, garantir os negócios de um parente do governador". As maiores reservas de lítio do mundo (de 65 a 80%) se encontram no triângulo entre a Argentina, a Bolívia e o Chile. A Argentina tem 19,3 milhões de toneladas de lítio que consiste em mais de 20% das exportações de minerais do país. Veja detalhes sobre a sua incidência na economia argentina (baseado em informações do Conicet).  

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Laura Richardson, a chefa do Comando Sul dos EUA já revelou que a segurança norte-americana está de olho no lítio, petróleo e gás argentinos. É de se perguntar porque o governo de Morales acelera tal reforma constitucional justo agora? Será somente pela urgência de definições eleitorais, onde o seu método repressivo foi aplaudido unanimemente por falcões e pombas do PRO-Cambiemos? Ou será que é o contexto internacional onde a China, e o BRICS, através do ministro da economia, Massa, e o kirchnerismo, aceleram acordos econômicos com a Argentina (sem o dólar)? O bloco PRO-Cambiemos apoiou unanimemente a repressão em Jujuy, responsabilizando o governo nacional, e o kirchnerismo pela violência nos protestos. Será que se fracassa a via eleitoral 2023, partem para a secessão de Jujuy, como tentaram os oligarcas de Santa Cruz na Bolívia? Eis, que as diferentes caras defensoras do modelo neoliberal dos saqueios e dos ajustes dos EUA e dos abutres do FMI são unânimes em impô-lo com “bala e sangue”. Enfim, opor-se à repressão em Jujuy e restabelecer a democracia implica em definir qual é a essência da verdadeira democracia: economia para quê e para quem. Por isso, é essencial que a UP exponha e execute sem demoras, seu programa de país soberano.

O acelerar do conflito pela reforma constitucional em Jujuy, logra tirar do cenário midiático medidas econômicas de peso do governo nacional que se estão realizando nestes dias. Uma delas, a ativação inaugural da injeção do gás de Vaca Muerta no gasoduto Nestor Kirchner, que numa primeira etapa permitirá uma economia de 1,7 bilhões de dólares. Ao mesmo tempo, anunciaram-se avanços tecnológicos no Centro Espacial Punta Índio (criado no governo de Cristina Kirchner) para lançamento de satélites argentinos. Comunicar medidas, bem como definir qual é o programa eleitoral da União pela Pátria (UP), deveria ser prioritário frente ao debate pelas candidaturas, que não tem expressado objetividade. Os acontecimentos em Jujuy alertam para a necessidade de uma unidade programática e consenso, como impulsionado por Cristina Kirchner e a maioria da UP. No prazo dos próximos tres dias devem definir-se as candidaturas.  

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A resistência do povo de Jujuy frente à prepotência classista e anti-democrática de Morales e do PRO-Cambiemos são uma lição exemplar de unidade para a UP. Jornalistas e cinegrafistas do canal C5N e da TV Pública deram provas de coragem nas suas reportagens ao comunicar a verdade que a mídia hegemônica não mostra: a voz dos trabalhadores e dos humildes. Depoimentos comovedores de professoras com míseros salários que caminham quilômetros por amor à educação e às crianças. Mulheres, repudiando a armadilha da “guerra do povo contra o povo”, apelando aos policiais para não reprimir, porque são irmãos, trabalhadores e filhos de educadores como elas. Quanta identidade entre as guerreiras de Jujuy e as madres e avós do “Nunca Mais”! Estas alçam a voz contra a repressão e apelam ao presidente e à intervenção nacional, em uníssono com as mulheres de Jujuy que, entre prantos e broncas, se declararam traídas por haver votado a Morales!  

A solidariedade com Jujuy se estende em todo o país, porque há um alerta. O nível de impunidade e repressão do governo Morales é um ensaio que o PRO-Cambiemos ousará aplicar se vence as eleições em outubro-23: ajustes, cortes e repressão; esta, nos moldes ditatoriais dos anos 75, pior que em 2001 com Fernando De La Rua, a cujo governo, da chamada “Aliança”, pertenceu Gerardo Morales. Hugo Yasky (CTA), deputado nacional (FdT), disse: "Em Jujuy há uma reforma constitucional que instala um verdadeiro laboratório do que se pretende fazer na Argentina, se vencer a proposta de “Juntos pelo Cambio”: transformar este país em um país onde os protestos pacíficos são respondidos com repressão e brutalidade”. As Centrais Sindicais dos trabalhadores da educação e funcionários públicos, CTERA, CTA, ATE, CGT, decretaram greve local ativa em Jujuy, e nacional entre 4ª e 5ª. Feira. Hoje, 21 de junho as Centrais Sindicais com apoio dos Movimento Evita, Smata, CCC, UTEP, La Campora, Partido Obrero, MTS e outros se manifestaram em massa diante da Casa de Jujuy em Buenos Aires. Chamados predominantes: “contra a repressão!”, “pela intervenção do governo nacional!”.

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Nesse mesmo instante, ao finalizar esta matéria, finalmente, o presidente Alberto Fernandez, apareceu em rede nacional de TV. Após expectativas do campo popular a que a presidência, ou ministros do governo se pronunciassem (não apenas por twitters), Alberto comunicou e leu as cartas dos organismos internacionais que exigem a cessação imediata da repressão estatal do governo de Gerardo Morales e põem em questão sua reforma constitucional. Os organismos são: a Comissão Interamericana dos DDHH, o Alto Comissariado da ONU pelos DDHH e a Anistia Internacional. As denúncias da Secretaria dos Direitos Humanos, dirigida por Horácio Petragalla desde o início do conflito em Jujuy, tiveram respaldo mundial.  Sobre a Reforma constitucional, o presidente Alberto solicitou o governador a promover o diálogo com as comunidades originárias e instruiu o “Ministério da Justiça a analisar e eventualmente promover as ações de inconstitucionalidade dos artigos da reforma votada em Jujuy que violam a Constituição Nacional e os tratados internacionais”. Outra reação importante é que a direção nacional do Partido Justicialista (PJ) decidiu intervir no PJ provincial e afastar os seus dirigentes que votaram a Reforma Constitucional de Morales.

Os acontecimentos de Jujuy têm demonstrado que chega a hora do despertar nacional do povo argentino. Centenas de mineiros, desceram as montanhas rumo Purmamarca para unir campo e cidade e dizer um basta ao regime feudal, o autoritarismo e a opressão de Gerardo Morales.  Viram que não só estão em risco a democracia, suas vidas e as suas terras, mas a soberania e o patrimônio nacional. São mineiros argentinos, com o rosto e o exemplo do vizinho Evo Moráles, que nacionalizou o lítio da Bolívia. E do outro lado do continente, voltou Lula para recuperar a soberania e a dignidade do povo brasileiro. Isto em Jujuy já transbordou o simples combate a uma reforma constitucional opressora. Lá na Colômbia também o povo surpreendeu: saíram centenas de milhares a apoiar o presidente Petro atacado pelo lawfare devido a suas reformas favoráveis aos trabalhadores. É hora em que, somente o povo mobilizado (na ausência de Peron, e com Cristina proscrita) pode impor uma maioria e um projeto de classe, dos trabalhadores, dentro do peronismo. A repressão sangrenta em Jujuy assusta, mas a persistência e o exemplo do seu povo podem ser um boomerang criador em todo o país.

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