Julgamento em ritmo de fado tropical
Adiante, seus juízes. Sem anistia!
“Sabes, no fundo eu sou um sentimental Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dose de lirismo, além da sífilis, é claro. Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar... Meu coração fecha os olhos e sinceramente chora”. (Fado Tropical – Chico Buarque de Holanda).
Em seus versos, o poeta sintetizou como ninguém o sangue lusitano... O coitadismo...
Esses são, de fato, sentimentos que permeiam as emoções no Brasil, talvez por herança. Puna! Mata! Esfola! Gritam todos no calor do crime. Bastou o assassino surgir na tela da TV com a barba por fazer e uma bíblia nas mãos, e já o coração de todos “fecha os olhos” e, como nos versos de Fado tropical, o querem perdoar.
Ai esta terra ainda vai cumprir seu ideal...
Não por acaso, na França, como nos lembra o filósofo Michel Foucault, em “Vigiar e Punir”, a prática de expor o suplício do condenado em praça pública, foi abolida em 1848. “A punição pouco a pouco deixou de ser uma cena”, nos revela.
E, como se a conversar com os versos do nosso fado, Foucault, considera: “tudo o que pudesse implicar de espetáculo, desde então” terá, segundo ele, “um cunho negativo; e como as funções de cerimônia penal deixavam pouco a pouco de ser compreendidas, ficou a suspeita de que tal rito que deixava um “fecho” ao crime mantinha com ele afinidades espúrias: igualando-o, ou mesmo ultrapassando-o em selvageria, acostumando os espectadores a uma ferocidade de que todos queriam vê-los afastados, mostrando-lhes a frequência dos crimes, fazendo o carrasco se parecer com o criminoso, os juízes aos assassinos, invertendo no último momento os papéis, fazendo do supliciado um objeto de piedade e de admiração”.
Vamos torcer para que os juízes do Supremo, nesta terça-feira (6), se leram esse trecho de “Vigiar e Punir” – e com certeza leram -, tenham prestado a atenção à página em que o filósofo pondera: “É indecoroso ser passível de punição, mas pouco glorioso punir. Daí esse duplo sistema de proteção que a Justiça estabeleceu entre ela e o castigo que ela impõe. A execução da pena vai-se tornando um setor autônomo em que um mecanismo administrativo desonera a Justiça, que se livra desse secreto mal-estar por um enterramento burocrático da pena”.
Nesta terça, a Primeira Turma do STF julga se aceita a denúncia contra o chamado “núcleo da desinformação” da tentativa de golpe contra sete acusados, apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
O grupo é apontado como responsável por propagar ataques virtuais, teorias conspiratórias e notícias falsas contra o sistema eleitoral e autoridades públicas durante a campanha golpista de 2022. Caso a denúncia seja aceita, amplia o alcance da ação e pode elevar o total de réus a 21, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), já formalmente acusado pela Corte.
Adiante, pois, seus juízes. Façam os seus trabalhos ancorados no dever e no que observa Foucault: “o essencial da pena que nós juízes infligimos, não creiais que consista em punir; o essencial é procurar corrigir, reeducar, 'curar'”.
É isso que a sociedade espera. Sem anistia!
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com redacao@brasil247.com.br.
✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.
Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: