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Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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Julgamento em ritmo de fado tropical

Adiante, seus juízes. Sem anistia!

STF (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
“Sabes, no fundo eu sou um sentimental Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dose de lirismo, além da sífilis, é claro. Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar... Meu coração fecha os olhos e sinceramente chora”. (Fado Tropical – Chico Buarque de Holanda).

Em seus versos, o poeta sintetizou como ninguém o sangue lusitano... O coitadismo... 

Esses são, de fato, sentimentos que permeiam as emoções no Brasil, talvez por herança. Puna! Mata! Esfola! Gritam todos no calor do crime. Bastou o assassino surgir na tela da TV com a barba por fazer e uma bíblia nas mãos, e já o coração de todos “fecha os olhos” e, como nos versos de Fado tropical, o querem perdoar.

Ai esta terra ainda vai cumprir seu ideal... 

Não por acaso, na França, como nos lembra o filósofo Michel Foucault, em “Vigiar e Punir”, a prática de expor o suplício do condenado em praça pública, foi abolida em 1848. “A punição pouco a pouco deixou de ser uma cena”, nos revela. 

E, como se a conversar com os versos do nosso fado, Foucault, considera: “tudo o que pudesse implicar de espetáculo, desde então” terá, segundo ele, “um cunho negativo; e como as funções de cerimônia penal deixavam pouco a pouco de ser compreendidas, ficou a suspeita de que tal rito que deixava um “fecho” ao crime mantinha com ele afinidades espúrias: igualando-o, ou mesmo ultrapassando-o em selvageria, acostumando os espectadores a uma ferocidade de que todos queriam vê-los afastados, mostrando-lhes a frequência dos crimes, fazendo o carrasco se parecer com o criminoso, os juízes aos assassinos, invertendo no último momento os papéis, fazendo do supliciado um objeto de piedade e de admiração”.

Vamos torcer para que os juízes do Supremo, nesta terça-feira (6), se leram esse trecho de “Vigiar e Punir” – e com certeza leram -, tenham prestado a atenção à página em que o filósofo pondera: “É indecoroso ser passível de punição, mas pouco glorioso punir. Daí esse duplo sistema de proteção que a Justiça estabeleceu entre ela e o castigo que ela impõe. A execução da pena vai-se tornando um setor autônomo em que um mecanismo administrativo desonera a Justiça, que se livra desse secreto mal-estar por um enterramento burocrático da pena”. 

Nesta terça, a Primeira Turma do STF julga se aceita a denúncia contra o chamado “núcleo da desinformação” da tentativa de golpe contra sete acusados, apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR). 

O grupo é apontado como responsável por propagar ataques virtuais, teorias conspiratórias e notícias falsas contra o sistema eleitoral e autoridades públicas durante a campanha golpista de 2022. Caso a denúncia seja aceita, amplia o alcance da ação e pode elevar o total de réus a 21, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), já formalmente acusado pela Corte.

Adiante, pois, seus juízes. Façam os seus trabalhos ancorados no dever e no que observa Foucault: “o essencial da pena que nós juízes infligimos, não creiais que consista em punir; o essencial é procurar corrigir, reeducar, 'curar'”. 

É isso que a sociedade espera. Sem anistia!

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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