Lady Gaga - arte, dor e transformação
Abordagem e reflexão crítica a partir do show no Rio de Janeiro
1. Introdução: por quê falar de Lady Gaga hoje?
Mais do que artista pop, Gaga se tornou símbolo cultural, social e emocional, num mundo que passa por profundas mudanças, não apenas econômicas, políticas e ambientais, mas também culturais e de paradigmas/padrões de visão humanista e convivência social. O recente show no Rio – mais de 2 milhões de pessoas - ultrapassa a música e dialoga com temas contemporâneos fundamentais, como:
- Saúde mental
- Diversidade sexual e de gênero
- Superação de traumas
- Defesa da diferença e da vulnerabilidade como potência transformadora.
Gaga é expressão, espelho e voz de grupos oprimidos, em tempos de conservadorismo.
2. Quem é Lady Gaga? Breve trajetória pessoal e artística
Seu nome verdadeiro: Stefani Joanne Angelina Germanotta. Suas origens se referenciam em família ítalo-americana, formação católica, jovem sensível e talentosa.
Suas principais “marcas” de vida:
- Sofreu violência sexual na juventude.
- Lutou contra depressão severa, doenças físicas (fibromialgia) e dependência química.
- Construiu carreira como artista completa: cantora, atriz, performer e militante.
3. Como Gaga foi se inserindo no pop, fazendo diferença
- Na defesa da saúde mental e da vulnerabilidade como força - Gaga tirou do tabu a discussão sobre doenças mentais, traumas e dependência química e a colocou no centro do entretenimento pop. Hoje ela é referência mundial para artistas e fãs que lutam contra a depressão, ansiedade e transtornos de identidade.
- Na representação da diversidade - Como mulher bissexual e militante, ela abriu espaço para corpos e sexualidades dissidentes na indústria pop. Popularizou expressões de orgulho LGBTQIA+ e a cultura de acolhimento aos “monstros” (os diferentes).
- Na quebra da “cultura da perfeição” - Gaga tornou seus shows enquanto espaços de partilha para expor fragilidades, defeitos e dores, recusando o padrão de diva inalcançável. Seu álbum Joanne (2016) e o documentário Five Foot Two (2017) são marcos nesse movimento de humanização do pop.
- Na renovação da estética pop com teatralidade e crítica social - Gaga resgatou a performance como ato político e simbólico. Seus shows são mais que música: são narrativas de resistência, denúncia e afirmação de identidade.
- Na articulação entre cultura pop e causas sociais - Criou a Born This Way Foundation, que trabalha com jovens em situação de risco, saúde mental e inclusão, enfatizando os direitos LGBTQIA+. Participou ativamente de campanhas de direitos humanos, antirracistas e feministas.
Enquanto boa parte do pop se contenta em entreter, Lady Gaga provoca, denuncia, emociona e inspira transformação, sem abandonar o apelo de massa. Ela faz do palco um lugar de catarse coletiva e ressignificação pessoal, especialmente para quem vive nas margens.
Resgatou a performance como arte multidimensional: música, teatro, dança, gestos, simbologia.Criou uma estética própria, tornando-se “a mãe dos monstros” e acolhendo os excluídos e marginalizados. Por isso ela chama seus fãs de Little Monsters (pequenos monstros); eles são os “estranhos” que abraçam e assumem suas próprias diferenças.
Fez do palco espaço de enfrentamento e superação:
- Do sofrimento pessoal à denúncia social.
- Do entretenimento ao questionamento político.
4. O recente show no Rio e suas particularidades (maio de 2025)
Grandeza técnica e simbólica:
Uso de elementos góticos e grotescos: crânios, esqueletos, monstros.
Gaga partilha sua subjetividade - marcada pela dor - como meio de diálogo social.Sua estética dramática e gótica canaliza essa experiência pessoal para ressignificar a dor coletiva (de mulheres, LGBTQIA+, pessoas marginalizadas).Também este show, como os anteriores, expressa performances catárticas, onde a artista se desnuda emocionalmente – evidenciando sua trajetória de dor, resistência e reinvenção - e convida o público a fazer o mesmo.
Assim, o show desenvolve uma dupla dimensão:
- Subjetiva: é a expressão da própria evolução, autocompreensão emocional e artística.
- Objetiva: gera um “diálogo questionador” em torno de problemas globais, como exclusão, preconceito e intolerância.
Os significados são explicitados em várias dualidades: vida-morte, dor-renascimento, sofrimento-autossuperação.
A mensagem central fica patente: “a dor é inevitável, mas o sofrimento é escolha”; a arte é meio de transformação.
5. Atualidade da mensagem e do legado de Gaga
Gaga ensina que:
- A vulnerabilidade é potência.
- A dor pode virar força pessoal e coletiva.
- A cultura pop só terá pleno sentido se for crítica e ação transformadora.
Os impactos dessa concepção de show vão para além da arte, pois se disseminam:
- Nas causas feministas, LGBTQIA+ e antirracistas.
- Na luta contra o padrão patriarcal e conservador.
- No estímulo à saúde mental e ao acolhimento dos “diferentes” e “excluídos”.
ANEXO: FRASES E VERSOS MARCANTES DE LADY GAGA
Vale aqui lembrar frases de Gaga em entrevistas e discursos:
“A dor é inevitável, mas o sofrimento é opcional” - Aqui Gaga reforça a ideia de que todos enfrentam dores, traumas e desafios, mas o sofrimento pode ser ressignificado e superado pela coragem e pela arte.
“Cada cicatriz minha é uma medalha de coragem”; “Seja corajoso, e o mundo se abrirá para você” - É uma mensagem de empoderamento pessoal, especialmente para jovens LGBTQIA+ e pessoas que se sentem excluídas.
“Eu decidi que não sou uma vítima. Eu sou uma sobrevivente” - É uma reflexão sobre sua história de violência sexual e superação, ensinando a transformar trauma em força e coragem de lutar.
“Ser diferente é um presente. A sociedade é que está doente por tentar te encaixar” - Trata-se de tomar consciência e de sentir o prazer de ser diferente.
Vale lembrar também versos de músicas:
Born This Way (2011) - "Não importa se sou gay, hétero ou bi, lésbica ou trans... Eu nasci assim, baby, eu nasci para ser corajosa”.
Este verso é um hino de aceitação e orgulho da própria identidade.
Til It Happens to You (2015) — (música sobre abuso sexual) - "Você não sabe como é, até acontecer com você”.
Este verso é denúncia da violência sexual e da dificuldade social de empatia com quem sofreu abuso.
Million Reasons (2016) - "Tenho 100 milhões de razões para ir embora, mas só preciso de uma única boa razão para ficar”
É a exaltação da resiliência emocional e da fé na vida e no amor, mesmo sentindo muita dor.
Enfim, vale ressaltar simbologias recorrentes:
Crânios e esqueletos — símbolos da morte, mas também de renovação, como nas tradições mexicanas (el día de los Muertos).
Monstros — representam os traumas e as partes rejeitadas de si; Lady Gaga os transforma em arte e aceitação (chama seus fãs de “Little Monsters”).
Sangue e fogo — aparecem para sinalizar dor e purificação, numa estética gótica e teatral.
Máscaras e próteses — sinalizam identidade como algo construído, enquanto crítica à ideia de identidade única e inexoravelmente fechada.
Um desafio
Boa parte das mensagens mais profundas de Gaga (e de muitos outros artistas globais) se perde para quem não domina o inglês, porque as traduções acessíveis, especialmente para públicos populares ou movimentos sociais, são escassas ou muito limitadas a aspectos superficiais.
Isso é grave, porque Gaga, além de artista pop, é uma pensadora e ativista cultural; seu importante legado - de enfrentamento à intolerância, violência sexual, invisibilidade LGBTQIA+, doenças mentais e pressões sociais sobre o corpo e a identidade - deveria circular muito mais em espaços populares, periféricos, escolares e comunitários.
O desafio é ver como ajudar a abrir essa frente: popularizar o sentido político-cultural da obra dela, traduzindo e adaptando a essência de seu legado para contextos brasileiros e latino-americanos.
Trata-se de criar, quem sabe, um material didático-popular, em português, que recupere mensagens essenciais dela, com linguagem acessível e recursos na linha da educação popular, para rodas de conversas, músicas, teatros-fóruns ou vídeos com audiodescrição. Seria um passo inovador.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

