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Marcelo Zero

É sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado

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Lava Jato Global

"Os EUA pretendem usar a luta anticorrupção como instrumento relevante de sua disputa geopolítica pelo poder mundial, objetivo primordial da sua política de segurança nacional, tal como definida por Obama, em 2010", relata Marcelo Zero

(Foto: White House Photo/Adam Schultz)
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Por Marcelo Zero 

O governo Biden pretende converter a luta internacional contra a corrupção em um elemento central da nova política externa dos EUA. 

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Na reunião de “Cúpula da Democracia”, cujo anfitrião será Biden e que ocorrerá nos dias 11 e 12 de maio, em Copenhague (The Copenhagen Democracy Summit 2021), tal luta será anunciada como um diretriz relevante para a “defesa da democracia”, em nível global.

Ao mesmo tempo, a administração Biden emitirá diretriz executiva estabelecendo a luta global contra a corrupção como um dos elementos centrais da doutrina de segurança nacional dos EUA. 

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Diga-se de passagem, o poderoso National Security Council (Conselho de Segurança Nacional) dos EUA já criou o Democracy and Human Rights directorate, que tem como uma de suas missões principais a luta contra a corrupção. 

Pois bem, essa “luta global contra corrupção” pretende, entre outras coisas, combater a evasão e os desvios fiscais propiciados por mecanismos vinculados aos denominados “paraísos fiscais”. Ademais, Biden intentará também criar também uma taxa fiscal mínima, com o intuito de impedir que empresas multinacionais transfiram sua produção ou sede legal para países que têm legislação fiscal frouxa.

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Até aí, tudo bem. 

O combate global e concatenado à evasão fiscal, à “maquiagem fiscal” e aos paraísos financeiros beneficiaria muito os interesses do Brasil.

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Segundo o SINPROFAZ - Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional e outros institutos, a sonegação desvia dos cofres públicos entre R$ 400 milhões e R$ 500 bilhões, todos os anos. Ademais, brasileiros teriam mais de R$ 1 trilhão em paraísos fiscais, e a maior parte disso é, sem dúvida, dinheiro sonegado e evadido para lá ilegalmente. 

Perto desse prejuízo colossal, o dano da corrupção em senso estrito seria nanico. Segundo o Departamento de Competitividade e Tecnologia (Decomtec) da FIESP (Federação das Indústrias de São Paulo), os prejuízos econômicos da corrupção, inclusive os indiretos, como os relativos a cancelamentos de investimentos, chegariam a R$ 67 bilhões de reais por ano.

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Assim sendo, o combate efetivo e articulado a esse imenso sumidouro de recursos, inclusive mediante a instituição de taxas globais semelhantes à Taxa Tobin, poderia ensejar a transferência de preciosos ativos da especulação financeira global para investimentos produtivos em nível local. 

Essa é, aliás, uma promessa, ainda não realizada, da reunião do G20 de Londres, em 2008. O sistema financeiro global, apesar de alguns esforços pontuais, não foi efetivamente controlado e colocado a serviço de investimentos produtivos e da geração de empregos. 

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Há, contudo, um grave problema na proposta de Biden.

É que os EUA pretendem combater, sobretudo, o que eles denominam de “corrupção estratégica”, isto é, aquela corrupção que seria promovida por governos supostamente “autoritários e corruptos”, como os China e da Rússia, com o objetivo de obterem maior influência econômica e política no mundo.

Em outras palavras, os EUA pretendem usar a luta anticorrupção como instrumento relevante de sua disputa geopolítica pelo poder mundial, objetivo primordial da sua política de segurança nacional, tal como definida por Obama, em 2010. 

Obviamente, os alvos não seriam apenas governos rivais, mas também empresas que são concorrentes das norte-americanas nos mercados globais.

Isso não chega a ser propriamente uma novidade. A Alstom, ex-gigante francesa das áreas de energia e transporte foi forçada, devido a uma ação de corrupção promovida pela justiça dos EUA a vender seus ativos à General Electric, sua concorrente norte-americana, em 2014.

Agora, contudo, aquilo que era algo eventual ou pontual poderá se converter em algo usual e sistemático.

Governos rivais e empresas concorrentes deverão, com essa nova diretriz, ser vítimas frequentes de ações “anticorrupção”.

Nessa “dança” poderão entrar não apenas chineses e russos, mas também venezuelanos, iranianos, turcos etc. 

A “Cúpula da Democracia” visa, sem dúvida, entre outros objetivos, engajar governos aliados dos EUA nessa nova cruzada geopolítica. 

É previsível que um desses governos seja o de Bolsonaro, desejoso de recompor as suas relações bilaterais com os EUA, após o grave prejuízo causado por sua adesão ideológica à extrema-direita norte-americana. 

Caso o Brasil ceda às inevitáveis pressões dos EUA e se promovam ações “anticorrupção”, com motivações políticas, contra empresas chinesas ou russas que atuem aqui, serão gerados novos e sérios atritos com esses importantíssimos parceiros do nosso país, justamente num momento em que eles se mostram vitais para o combate à pandemia em nosso território. 

No Brasil, sabemos bem dos danos extensos e profundos que o desvirtuamento político-ideológico da luta contra a corrupção causa. 

A Lava Jato destruiu a construção civil pesada brasileira, desestruturou a cadeia do petróleo e gás e pavimentou a privatização dos ativos estratégicos da Petrobras. Segundo o Dieese, essa desastrada operação, feita em estreita colaboração com os EUA, reduziu o crescimento do PIB em 3,6%, entre 2014 e 2017, e destruiu 4, 4 milhões de empregos.

O prejuízo maior, porém, foi o ocasionado à democracia do Brasil. A Lava Jato foi decisiva para o golpe de 2016, a prisão sem provas do ex-presidente Lula, alijando-o da disputa presidencial de 2018, e, sobretudo, para a ascensão do autoritarismo neofascista ao poder.

Da mesma forma, a deturpação da necessária luta anticorrupção em escala mundial, com a possível criação de uma espécie de “Lava Jato Global”, cuja finalidade seja precipuamente geopolítica, não contribuirá, em absolutamente nada, para o fortalecimento das democracias do mundo.

Ao contrário, caso esse seja seu caráter, teremos a fragilização dessas democracias e o comprometimento da soberania dos países que a ela adiram de forma acrítica.

Mas, para o governo Bolsonaro, desesperado e preocupado apenas em sobreviver até 2022, isso não faz a menor diferença. 

Definitivamente, há algo no ar, além dos aviões de carreira e da “Cúpula da Democracia”. 

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