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Marcelo Auler

Marcelo Auler, 68 anos, é repórter desde janeiro de 1974 tendo atuado, no Rio, São Paulo e Brasília, em quase todos os principais jornais do país, assim como revistas e na imprensa alternativa.

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Lava Jato: IPL 01/2017, o caminho para chegar nas ilegalidades

"O medo dos operadores da Lava Jato ainda é de que a confirmação da escuta ilegal na cela de Alberto Youssef comprometa toda a operação", escreve Marcelo Auler

(Foto: Reprodução)

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O pedido de informações que o Corregedor Geral da Justiça, ministro Luiz Felipe Salomão, encaminhou ao juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba em busca de detalhes que permitam ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apurar irregularidades cometidas no âmbito da Operação Lava Jato, entre as quais uma escuta ilegal na cela em que os doleiros ficaram recolhidos, pode não atender à expectativa do corregedor. Comandada pelo ex- juiz Sérgio Moro, a 13ª Vara foi onde tramitou toda a operação.

O Ofício do corregedor atende a uma solicitação da advogada Elioena Asckar, ajuizada em 2023. Ela, na defesa do marido, o delegado Mario Renato Fanton, quer “que o CNJ apure alegadas irregularidades ocorridas na 13ª Vara Federal de Curitiba envolvendo suposta escuta ilegal, que teria sido encontrada na cela de Alberto Youssef, então preso pela Operação Lava Jato, localizada na carceragem da Polícia Federal em Curitiba”. Uma escuta que, como ficou comprovada em 2015, captou mais de 100 horas de conversa entre os doleiros detidos.

Responsável pela instalação, em março de 2014, dessa escuta ilegal, o hoje agente de Polícia Federal aposentado Dalmey Fernando Werlang, em entrevista ao Bom Dia da TV 247, na quarta-feira (03/07), explicou que o ministro precisa ir além: analisar, por exemplo, o IPL 01/2017-COAIN/COGER (autos 5003191-72.2017.404.7000). Trata-se de um inquérito que deveria investigar a Operação Lava Jato, mas foi açodadamente arquivado pelos procuradores da Força Tarefa de Curitiba. Os autos estão na 23ª Vara Cível, longe da Vara onde Moro atuou.

A escuta, como lembrou Werlang, lhe foi solicitada no dia da deflagração da operação (17/03/2014), pelos delegados Igor Romário de Paula, responsável pela Delegacia Regional de Combate ao Crime Organizado – DRCOR, na presença do superintendente do Departamento de Polícia Federal (DPF) no Paraná, Rosalvo Ferreira Franco, e do delegado que presidia a Lava Jato, Márcio Anselmo Adriano. Ou seja, a cúpula da Superintendência, motivo pelo qual Werlang jamais suspeitou que fosse algo ilegal. Essa ilegalidade só lhe foi revelada depois que os presos localizaram o aparelho instalado na cela, no final do mesmo mês de março.

Todos sabiam do grampo ilegal, mas a cúpula tentava abafar - A partir dessa descoberta, o medo dos operadores da Lava Jato – juiz, procuradores e delegados federais – era (e ainda é) de que a confirmação dessa escuta ilegal comprometesse (comprometa) toda a operação. Por isso, fizeram de tudo para mantê-la abafada. Nem o próprio advogado de Youssef, Antônio Figueiredo Basto, se interessou em explorar o assunto e tentar anular a operação, como tinha prometido em entrevista em julho de 2015, bem antes de o grampo ser finalmente confirmado. Na época, uma primeira sindicância – 04/2014 – concluíra que a escuta ilegal não ocorreu, tal como noticiamos em agosto de 2015 na reportagem Lava Jato revolve lamaçal na PF-PR.

Para Figueiredo Basto foi mais vantajoso usar o grampo como trunfo e negociar a delação premiada de seu cliente, mesmo contrariando a opinião de colegas seus que participavam da defesa de Youssef. Como Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, de Brasília. Ele se afastou dos recursos que impetrou no Supremo Tribunal Federal (STF) a favor do doleiro por discordar da delação premiada negociada com Moro. Já Figueiredo Basto beneficiou-se e até conquistou novos clientes atraídos pela possibilidade das delações.

A existência do grampo ilegal era falada por delegados e agentes na superintendência do DPF desde 2014. Isso, inclusive, levou a delegada Daniele Gossenheimer Rodrigues, chefe no Núcleo de Inteligência Policial (NIP) e esposa de Romário de Paula, determinar a Werlang a instalação de uma escuta ambiental no fumódromo do prédio, para bisbilhotar o que os demais policiais comentavam sobre o caso.

Os policiais que criticavam os métodos ilegais da operação passaram a ser tratados como “dissidentes”. Inventaram para jornalistas que eles prepararam dossiês com as irregularidades, para venderem às defesas dos réus. Foram investigados no IPL 05/2015, instaurado por Romário de Paula, como uma forma de intimidá-los e evitar que o assunto ameaçasse a operação. Pelo menos um deles teve sérios problemas psiquiátricos.

O caso foi entregue ao delegado Fanton, originalmente lotado em Bauru (SP), que estava em Curitiba em outro caso. Ao trabalharem no IPL 05/2015, Fanton e Werlang perceberam que a cúpula da Superintendência – em especial Romário de Paula – tentava manipular a investigação. Receavam que as ilegalidades fossem descobertas elo delegado de fora. Os dois acabaram sendo afastado do caso, o que fez Werlang falar das ilegalidades e do grampo para o delegado, confessando sua participação. Com o depoimento dele tomado a termo, Fanton denunciou a ilegalidade na Corregedoria em Brasília. Uma nova sindicância – 04/2015 – confirmou o grampo e localizou os áudios captados pela escuta, tal como informamos em Surgem os áudios da cela do Youssef: são mais de 100 horas.

Desde então delegado e agente foram perseguidos internamente. Só Fanton respondeu a mais de 12 procedimentos. Foi vitorioso em todos. Ainda em 2015, após confirmar sua participação no grampo em depoimento na CPI da Petrobras da Câmara dos Deputados, Werlang foi interrogado por Moro, na presença de Figueiredo Basto. Ali ficou evidente a preocupação do advogado de Youssef em desmontar a versão do grampo ilegal, como o próprio Werlang revelou na entrevista ao Bom Dia da TV 247:

“Eu senti que havia isso nas perguntas…, foram perguntas que tentavam me deixar meio constrangido ali perante aos demais que tinham me convocado, os advogados de empreiteiras… Então realmente tudo indicava que havia o conluio para que tudo fosse abafado”.

Defesa de Youssef só recentemente reclamou do grampo - Como lembrado na entrevista, Figueiredo Basto, após se beneficiar conquistando novos clientes com a delação premiada, com o passar do tempo, as denúncias da Vaza Jato de o início da derrocada da Força Tarefa de Curitiba, mudou de posição. Hoje alardeia que sempre denunciou e cobrou as gravações ilegais. Não foi assim.

Na quarta-feira (03/07) o juiz Guilherme Roman Borges, da 13ª Vara Federal de Curitiba, assinou decisão na qual libera o acesso da defesa do doleiro ao conteúdo das escutas clandestinas. Áudio que estão em um HD com a Polícia Federal.

Por este documento (foto ao lado) repara-se que o pedido feito pelo advogado Gustavo Rodrigues Flores, que também defende o doleiro, só foi protocolado judicialmente em 2023, como demonstra ementa do processo:

“PETIÇÃO Nº 5025690-40.2023.4.04.7000/PR REQUERENTE: ALBERTO YOUSSEF REQUERIDO: POLÍCIA FEDERAL/PR".

Isso apenas confirma que a defesa demorou anos sem se importar com a escuta clandestina.

Se a defesa de Youssef hoje pretende usar o grampo ilegal para anular sua delação premiada e suas penas, a advogada Elioena, seu marido Fanton e o próprio Werlang continuam decididos a esclarece o caso todo. Querem ver toda a história do grampo apurada e seus responsáveis identificados, ainda que os crimes possam estar prescritos. Fanton até briga por uma indenização por parte da União, em ação que move na Justiça Federal de Bauru (SP). Por isso é que sua advogada recorreu ao CNJ, levando o ministro Salomão a encaminhar o pedindo de informações à Vara de Curitiba.

Moro e MPF barraram as investigações da Polícia Federal - A investigação em torno das ilegalidades da Lava Jato de Curitiba chegou a ser iniciada, ainda em 2017, após a segunda sindicância – 04/2015 – confirmar o grampo e localizar os diálogos gravados por Werlang. Na ocasião, a Corregedoria Geral da Policia Federal (COGER/DPF), por meio da sua Coordenadoria de Assuntos Internos (Coain), instaurou o inquérito IPL 01/2017. Teoricamente ele apuraria as responsabilidades criminais de Werlang, a partir da sua própria confissão. Na realidade, presidido pelo delegado Marcio Magno Xavier, a investigação iria além.

A ideia era verificar o possível envolvimento dos delegados de Curitiba no grampo ilegal, além de outras irregularidades, como as relações heterodoxas com a informante Meire Poza, ex-contadora de Youssef. Tanto assim que Xavier requisitou autorização judicial para fazer busca e apreensão nos gabinetes dos policiais federais da Força Tarefa. Não conseguiu e atraiu a ira de Moro e dos procuradores da República.

Como resumiu Werlang na entrevista à TV 247, ao perceber que o delegado poderia descobrir “a farsa montada” no início da operação, o procurador regional da República Januário Paludo, “com um parecer esdrúxulo”, correu para arquivar a investigação:

“O delegado Marcio Xavier percebeu que tinha que ser tudo refeito, vamos dizer assim. Ele teria que refazer toda a investigação porque havia indicativos de que tudo foi combinado pelo pessoal da Lava Jato para sustentar a narrativa falsa de que não houve o grampo, de que não foi demandado pelo pessoal da Lava Jato (…) o Paludo percebeu que o delegado Marcio Xavier estava indo nessa linha e ia derrubar a tese que eles (o pessoal da Lava Jato) tinham montado para esconder esse grampo”, explicou o agente aposentado.

O procurador regional, nas explicações de Werlang, recorreu a “um parecer esdrúxulo” e “desesperadamente pediu o encerramento desse inquérito, o que causou uma estranheza por parte do delegado Marcio Xavier. É outra coisa que tem que ser investigada. Para mim foi uma prevaricação muito séria”. O arquivamento foi conseguido junto ao juízo da 23ª Vara Federal, como noticiado em MPF-PR e Moro barram investigações contra PF-PR.

Não foi a primeira vez que os procuradores, oficialmente considerados fiscais da lei aos quais cabe também exercer o “controle externo da polícia”, impediram que possíveis crimes cometidos pelos federais na Lava Jato fossem investigados pela corregedoria do DPF. Anteriormente contaram com a ajuda de Moro.

No início de 2017, o IPL 0005/2016 (Processo nº 5053382-58.2016.4.04.7000) também foi açodadamente arquivado pelo juiz da 13ª Vara Federal. Era a investigação sobre as relações da ex-contadora do doleiro Youssef, Meire Poza, com a Força Tarefa de Curitiba.

Pouco antes de a Operação ser deflagrada no início de 2014, Meire, sentindo-se ameaçada pelo doleiro, resolveu denunciá-lo à polícia. Procurou a Polícia Federal, mas não chegou a ser ouvida oficialmente. Só depois é que foi procurada pelo delegado Anselmo Adriano, já a frente da Lava Jato. Tornou-se informante dele e do próprio Moro. Repassou informações e documentos aos quais tinha acesso em função do trabalho de contadora.

Appio desarquivou IPL no qual delegado queria investigar Força Tarefa - Depois se sentiu abandonada e amedrontada, inclusive quando um incêndio criminoso atingiu seu escritório, no bairro de Santo Amaro, em São Paulo. Nessa época, julho de 2016, aceitou prestar seu primeiro depoimento oficial – ao procurador Regional da República de São Paulo, Osório Barbosa – sobre a sua relação com a Força Tarefa de Curitiba – Enfim, a contadora e informante infiltrada da Lava Jato foi ouvida oficialmente.

Após tudo isso, foi denunciada pela mesma Força Tarefa. Condenada, anunciou que pediria proteção do governo – Quem com ferro fere… Força Tarefa da Lava Jato pode tornar-se alvo de delação premiada. Sua defesa chegou a requerer a anulação de toda a Operação Lava Jato – “Delatora” pede a Moro anulação da Lava Jato.

O arquivamento do IPL que investigava as relações dela com a chamada Republica de Curitiba, foi feito pedido pelos procuradores e concedido por Moro. Ocorreu após o delegado Xavier requisitar autorização judicial para a quebra de sigilos telefônicos e telemáticos “de cerca de uma dúzia de delegados e agentes policiais federais que trabalharam na Operação Lavajato em Curitiba, entre fevereiro de 2014 a agosto de 2016”. Na ocasião, Xavier relacionou mais de 40 números de celulares e cerca de 30 endereços de e-mails de onze alvos: seis delegados, dois agentes de polícia, um escrivão e dois civis (Meire e seu ajudante).

O impedimento da investigação deu-se em 2016/2017. Como o IPL estava em segredo de Justiça, só foi possível descobrir a solicitação do delegado pela quebra dos sigilos telefônico e telemático dos federais de Curitiba, em maio de 2023 quando o juiz Eduardo Appio, então à frente da 13ª Vara Federal de Curitiba, desarquivou o caso, tal como informado em Appio desarquiva investigação que Moro abafou.

No entendimento que Werlang expôs na entrevista à Bom Dia da TV 247 na quarta-feira, será pela análise desses dois inquéritos presididos por Xavier e arquivados sumariamente pelos procuradores da República que a Corregedoria Nacional de Justiça poderá descobrir detalhes das irregularidades que ele e Fanton apontaram na Lava Jato. São investigações paralelas. Uma delas, inclusive, nem tramitou na 13ª Vara Federal, mas na 23ª Vara. O alerta, portanto, foi dado. Cabe agora ao ministro Salomão correr atrás dessas peças processuais.

Publicado no Blog do Marcelo Auler

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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