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      Robson Sávio Reis Souza

      Doutor em Ciências Sociais e pós-doutor em Direitos Humanos

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      Leão XIV: entre expectativas e esperanças

      Entre expectativas e esperanças, só o tempo nos mostrará os caminhos, novos e velhos, que serão seguidos, trilhados e abertos por Leão XIV

      Papa Leão XIV (Foto: Vatican Media/Simone Risoluti ­Handout via Reuters)

      “Quem entra no Conclave papa sai (do Conclave) cardeal”. Mais uma vez, o ditado romano prevaleceu na eleição do sucessor do Papa Francisco. O cardeal Robert Francis Prevost não aparecia na lista dos mais cotados para assumir o trono de Pedro. Nos bastidores dos encontros das Congregações dos cardeais que antecederam o Conclave eram os purpurados europeus que despontavam como favoritos, liderados por Pietro Parolin, secretário de Estado do Vaticano durante o governo do Papa Francisco. Por isso, quando o cardeal-diácono apareceu no balcão da basílica de São Pedro e anunciou o “habemus Papam” informando o nome do eleito, a surpresa, mais uma vez, foi geral. Os adoradores do deus-dinheiro das bolsas de apostas e os vaticanistas de plantão foram escanteados mais uma vez...

      No Colégio Cardinalício mais eclético de toda a história da Igreja Católica, com representantes de 71 países, a eleição do sucessor do Papa Francisco revestiu-se de grandes disputas. Primeiramente, havia a clareza do desafio de suceder um papa carismático, que mexeu nas estruturas da Igreja e se projetou como uma das mais respeitadas autoridades morais do mundo. Francisco gozava de grande simpatia popular, pelo seu carisma e humanidade, apesar de fortemente combatido por setores conservadores da Igreja e pela extrema-direita global. Seu sepultamento, transformado num rito de grande comoção, demonstrou para o mundo e principalmente à própria instituição, o poder simbólico de seu pontificado.

      Além do desafio de suceder um líder que se projetou para além dos muros do Vaticano, os cardeais tinham outros desafios. Havia (e há) uma disputa entre concepções do papel da Igreja na contemporaneidade: muitos, saudosos dos tempos da Igreja triunfantes, buscavam se articular em torno de cardeais que defendiam uma volta ao passado da cristandade. Grupos da extrema-direita (política) e ultraconservadores (religiosos) atuaram fortemente nos bastidores durante o “pré-conclave”, inclusive produzindo dossiês sobre os “papáveis”. 

      Mas, no conjunto do Colégio Cardinalício, o grupo “bergoliano”, fiel a Francisco, associado a grupos progressistas e moderados considerava que o ponto mais importante da eleição do novo Pontífice seria a continuidade das reformas iniciadas pelo papa argentino. Não obstante, outras questões complexas pairavam sobre a escolha: o novo papa deveria ser de transição (mais idoso) ou de aprofundamento das reformas iniciadas por Bergoglio (mais jovem)? Mais preocupado com as questões internas da Igreja, ou atento às grandes questões internacionais? Voltaria a ser um europeu, ou alguém que representasse a diversidade da Igreja?

      Foi nesse cenário que os 133 cardeais eleitores, aqueles que têm menos de 80 anos, adentraram na Capela Sistina no dia 07 de maio. Foram quatro escrutínios até a escolha de Prevost. Uma eleição relativamente rápida, mostrando que houve boa articulação dos grupos mais progressistas na escolha do sucessor de Francisco (que fez 108 dos 133 eleitores, mesmos contemplando na criação dos cardeais as diversas concepções eclesiológicas).

      A biografia de Robert Francis Prevost já é amplamente conhecida. Nascido em Chicago em 1955, em uma família de origens italiana, francesa e espanhola, Prevost cursou o ensino médio em um seminário menor administrado pela Ordem de Santo Agostinho, os “agostinianos”. Depois, foi enviado a Roma, onde obteve o doutorado em Direito Canônico pela Universidade de São Tomás de Aquino. Em 1985, Prevost ingressou na missão agostiniana no Peru. Suas qualidades de liderança logo foram reconhecidas, e ele foi nomeado chanceler da prelazia territorial de Chulucanas, de 1985 a 1986. Passou alguns anos de volta a Chicago, antes de retornar ao Peru, onde passaria a década seguinte dirigindo um seminário agostiniano em Trujillo. Em 2001, Prevost foi eleito Prior Geral da ordem agostiniana. Em 2014, o Papa Francisco nomeou Prevost administrador apostólico da Diocese de Chiclayo, no Peru, e um ano depois ele se tornou bispo diocesano. Na ocasião os bispos peruanos eram fortemente influenciados pela Opus Dei, um grupo ultraconservador católico. E Prevost atuou como uma espécie de moderador junto a conferência episcopal peruana, sendo vice-presidente de 2018 a 2023. Em fevereiro deste ano, num claro sinal de confiança, o Papa Francisco elevou Prevost à ordem exclusiva dos Cardeais Bispos.

      É difícil fazer “futurologia”. Mas, faremos um exercício prospectivo em relação ao magistério de Leão XIV.

      Ao escolher o nome Leão XIV temos duas intuições: primeira, a referência a Leão XIII, um papa reformador, conhecido, entre outros feitos, por criar o que se chama de “Doutrina Social da Igreja”, um conjunto de princípios que orientam a atuação da Igreja em relação a temas sociais, como trabalho, propriedade, justiça econômica, participação política e dignidade humana. Sua encíclica “Rerum Novarum” (sobre todas as coisas) é um marco desse conjunto doutrinário ao discutir, no final do século XIX e início do século XX, os dilemas do mundo do trabalho. 

      Mas, há outra coincidência na escolha do nome Leão. A história nos lembra que um dos amigos mais fiéis de São Francisco de Assis se chamava Frei Leão. Neste sentido, a escolha de Prevost pode significar, também, sua fidelidade ao Papa Francisco (que, por sua vez, escolheu este nome em homenagem ao santo de Assis). Ademais, no seu primeiro pronunciamento, o novo Papa fez um agradecimento especial a Francisco, indicando continuar seu legado.

      Outro ponto importante a se destacar é a idade do novo Pontífice. Ao escolher um cardeal com 69 anos, o Colégio Cardinalício indica que Leão XIV deve implementar e aprofundar as reformas iniciadas por Francisco. Não será um “papa de transição”, mas terá tempo suficiente para dar continuidade ao projeto de uma igreja inclusiva, misericordiosa e samaritana, que vai às “periferias existenciais e geográficas”, aberta a “todos, todos, todos”, como insistia o Papa Francisco. Mas é preciso esclarecer. Prevost tem uma personalidade mais introspectiva e, num primeiro momento, em nome da unidade da Igreja, deverá ser discreto na sua atuação.

      Conversando com um amigo agostiniano que conhece bem o novo Papa fiquei com a impressão de que Leão XIV será firme nos propósitos de defender o legado do Concílio Vaticano II (na mesma linha de Francisco), mas com certa cautela, considerando o cenário de recrudescimento de setores conservadores dentro do catolicismo e o cenário geopolítico contemporâneo.

      Muito interessante que, sendo um agostiniano, portanto um membro da ordem de um dos mais proeminentes doutores da Igreja, Santo Agostinho (354-430), em seu primeiro pronunciamento, Leão XIV não exaltou as virtudes teológicas, mas o tema da humildade na obra agostiniana. Agostinho tinha uma grande preocupação com a questão da condição humana, diferentemente de Tomás de Aquino (1224 – 1274), outro doutor da Igreja, cuja obra é conhecida pela tentativa de conciliar a fé e a razão. Assim, pode-se deduzir a preocupação de Leão XIV com temas ligados aos dilemas humanos na contemporaneidade.

      Sob o ponto de vista político, as posturas pregressas de Prevost indicam que ele será firme em questões como migração, direitos humanos, opção pelos pobres e outros temas pautados por Francisco. Notícias vindas dos Estados Unidos da América após a eleição de Leão XIV indicam a decepção dos devotos do MAGA (Make America Great Again) com sua eleição. Nas redes digitais expoentes dessa ideologia fascistóide classificaram o novo Pontífice como “marxista”, “comunista” e até “enviado do demônio”. Apesar do sorriso beócio de Donald Trump quando perguntado sobre o novo Papa, espera-se que Leão XIV continue firme na defesa da dignidade humana e contra todas as formas de autoritarismo, inclusive dos setores religiosos associados à extrema-direita global. Afinal, ele conhece bem alguns de seus pares alinhados a esses grupos nos Estados Unidos.

      Em questões relacionadas aos costumes precisaremos aguardar um pouco mais para observar os movimentos que serão feitos pelo novo Papa. Em entrevista realizada há algum tempo, ele defendeu a ideia segundo a qual determinados temas deveriam ser analisados pelas conferências episcopais de cada país, considerando as idiossincrasias de cada cultura. Neste sentido, temas como o celibato do clero ou a ordenação de mulheres, cuja problematização foi levantada por Francisco, provavelmente serão objeto de aprofundamento nos próximos anos do seu papado. O tema da “ecologia integral”, defendido por Francisco, não aparece como prioridade papal nesse primeiro momento. Ao usar a expressão “sinodalidade” na sua saudação ao povo, Leão XIV indica que seguirá os passos de Francisco no sentido de ouvir as bases eclesiais na tomada de decisão em relação a temas complexos para o Igreja, tanto sob o ponto de vista doutrinário, como pastoral.

      Por fim, o tema que apareceu em destaque no primeiro pronunciamento de Leão XIV foi a questão da paz. Num mundo marcado por múltiplos conflitos, definido pelo Papa Francisco como uma “terceira guerra mundial fragmentada”, o papel do líder máximo da Igreja Católica pode ser decisivo para evitar que os arroubos belicistas de vários autocratas mundo afora acabem por levar a um conflito mundial de proporções inimagináveis.

      Entre expectativas e esperanças, só o tempo nos mostrará os caminhos, novos e velhos, que serão seguidos, trilhados e abertos por Leão XIV...

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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