Levitsky lamenta crise americana e alerta para riscos à democracia brasileira
A democracia não morre de velhice, mas de negligência: Levitsky alerta o Brasil para proteger suas instituições contra ameaças autoritárias de dentro e de fora
No dia 12 de agosto, às 15h, sentei-me no auditório Petrônio Portela, do Senado Federal, para ouvir Steven Levitsky, professor de Harvard e coautor do seminal Como as Democracias Morrem (2018, com Daniel Ziblatt). Como jornalista político, testemunhei um debate que ressoou profundamente em um Brasil ainda ferido pelos ataques de 8 de janeiro de 2023.
Levitsky é referência global em estudos sobre autoritarismo. Sua trajetória acadêmica, focada em partidos políticos e instituições informais na América Latina, consolidou-o como um dos pensadores mais influentes sobre populismo e resiliência democrática. Como as Democracias Morrem, leitura obrigatória em universidades e fóruns globais, analisa como líderes eleitos erodem instituições por dentro, sem tanques nas ruas.
A vinda de Levitsky a Brasília não poderia ser mais pertinente. A capital, com seus ícones de Niemeyer – o Palácio do Planalto, o Congresso e o STF –, foi palco, em 8 de janeiro de 2023, do maior ataque ao Estado Democrático de Direito brasileiro. Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, inconformados com a derrota nas eleições de 2022, invadiram as sedes dos três Poderes.
Foi uma tentativa de golpe para manter o antigo governo, transformando Brasília em um laboratório vivo das teorias de Levitsky: a democracia sendo sufocada por dentro, com violência e desinformação. Sua palestra foi um espelho para o Brasil, que reage com vigor devido à memória de ditaduras passadas.
A analogia com os Estados Unidos foi central. Levitsky comparou os atos de 8 de janeiro com a invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, quando apoiadores de Donald Trump, derrotado por Joe Biden em 2020, tentaram impedir a certificação eleitoral. Nos dois casos, símbolos do poder foram alvos de violência impulsionada por narrativas de fraude.
“A atuação das instituições brasileiras tem sido melhor que a dos Estados Unidos em relação a Donald Trump”, disse ele, elogiando a resposta do STF, que investigou e baniu Bolsonaro de eleições futuras. O Brasil, com sua história de ditadura (1964-1985), age com menos complacência que os EUA, onde a ausência de traumas autoritários gera ilusão de invulnerabilidade.
Ao final da palestra de Steven Levitsky, tive a oportunidade de um breve, mas impactante, diálogo com o professor de Harvard. Cumprimentei-o por sua visita ao Brasil e ele, com a serenidade de quem estuda democracias há décadas, respondeu a duas perguntas que sintetizam a urgência de sua mensagem.
— Professor Levitsky, o que explica a resposta mais firme do Brasil aos ataques de 8 de janeiro, em comparação com os ataques ao Capitólio?
Ele me olhou com atenção e respondeu com clareza: “Diferentemente do Brasil, a sociedade americana não tem memória coletiva de autoritarismo. A maioria dos americanos não entende a ameaça que enfrentamos. Os brasileiros não têm essa ilusão, e isso explica por que o poder político brasileiro respondeu de forma muito mais séria". Suas palavras reforçam como o trauma da ditadura de 1964 molda nossa vigilância, um contraste gritante com a ingenuidade americana.
Curioso sobre como proteger democracias em tempos tão polarizados, arrisquei mais uma pergunta.
— Essa pergunta o senhor deve estar cansado de responder, mas preciso lhe fazer: como podemos evitar o colapso de democracias diante de ameaças autoritárias?
Levitsky, com tom firme, respondeu: “A democracia não pode ser defendida passivamente. Se políticos, juízes e a sociedade civil não enfrentarem agressivamente as ameaças autoritárias, até as democracias mais bem estabelecidas podem morrer. Essa é a lição que nós, americanos, estamos aprendendo e que os brasileiros não podem esquecer". A resposta ressoa como um chamado à ação, unindo Brasil e EUA na mesma luta.
Nessa dízima periódica de palavras vazias que o debate público teima em nos apresentar, vejo nas respostas do professor de Harvard um potente convite à ação. Levitsky destacou o papel das redes sociais na amplificação do populismo, permitindo que líderes como Bolsonaro e Trump contornem a mídia tradicional. Ele elogiou a regulação brasileira para combater as fake news e a desinformação.
O professor defendeu coalizões amplas entre esquerda, centro e direita para isolar extremistas, citando a resiliência latino-americana, apesar de desafios econômicos. Como observador, concordo: o Brasil tem mostrado força institucional, mas a vigilância deve ser eterna. Eterno é muito, mas foi a palavra que ele escolheu. E ele tem razão, absoluta razão. O raciocínio é até linear: valorizamos a saúde quando estamos doentes, valorizamos a democracia quando estamos oprimidos por ditaduras militares.
Levitsky terminou com um alerta à sociedade civil – artistas, igrejas, cidadãos – para proteger normas democráticas.
Saí do auditório ainda mais convencido de que o Brasil usa sua história para se fortalecer. A democracia, como Levitsky nos lembra, não morre de velhice, mas de negligência.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

