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Alexandre Ferraz

Técnico do Dieese, economista e doutor em Ciência Política

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Lições do desemprego em São Paulo para o Brasil

A cidade de São Paulo não é o Brasil, mas entender a dinâmica histórica do emprego e desemprego na sua região metropolitana nos ensina muito sobre o mercado de trabalho no país

(Foto: ABr)
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A Região Metropolitana de São Paulo não é o Brasil, mas entender a dinâmica histórica do emprego e desemprego nessa área ensina muito sobre o mercado de trabalho no país

O fim da parceria entre o DIEESE e a Fundação Seade para realizar a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) na Região Metropolitana de São Paulo, depois de 35 anos, vai deixar uma lacuna difícil de ser preenchida no campo dos estudos sobre o mercado de trabalho. Simbolicamente, este final coincide com a morte de um dos criadores do levantamento, o ex-diretor técnico do DIEESE entre 1968 e 1990, Walter Barelli. 

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A PED RMSP, como também era conhecida, é a série histórica mais longa e confiável do país sobre emprego e desemprego. Durante muito tempo, foi usada para “corrigir” outras séries com quebras metodológicas ou interrompidas ao longo da história. Nasceu para revelar o que outros levantamentos, inclusive oficiais, não conseguiam captar, como a situação de desemprego oculto pelo desalento ou pelo trabalho precário.

A Região Metropolitana de São Paulo não é o Brasil, mas entender a dinâmica histórica do emprego e desemprego nesta importante área do país ensina muito sobre o mercado de trabalho em todo o território.

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O período da redemocratização foi de queda do desemprego paulista, apesar dos fracassos dos planos de estabilização Cruzado I e II, do plano Bresser e Verão. Promulgada a Constituição, em 1988, o país se viu às voltas com descontrole inflacionário, recessão e crise fiscal do Estado. No fim de 1989, quando Fernando Collor foi eleito presidente, a RMSP tinha a menor taxa de desemprego oculto desde que Sarney assumira e a menor taxa de desemprego aberto desde o fim de 1986. A inflação, no entanto, que vinha acelerando desde aquele ano, havia saído do controle e atingido o patamar de 1.972,9% calculados pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IPCA-IBGE). O país só conseguiu se livrar da inflação de mais de 3 dígitos em 1995, com o êxito do Plano Real. Os mais jovens podem não saber, mas o descontrole inflacionário e fiscal custou caro ao país, e a experiência neoliberal inaugurada por Collor fez explodir o desemprego.

A taxa de desemprego total, que já vinha crescendo, pulou de 9,3%, quando Collor assumiu, para 14,4%. Todo paulista tinha um desempregado na família. O desemprego oculto pelo subemprego e pelo desalento cresceu 178%, quase o triplo do que era. O período de Itamar Franco na presidência, com Barelli como ministro do trabalho, foi de relativa trégua no mercado de trabalho. O governo interrompeu a experiência neoliberal e traçou um novo plano de estabilização em 1994, que recolocaria o Brasil no trilho do desenvolvimento. O desemprego oculto cedeu, mas o desemprego aberto permaneceu em patamares relativamente altos, registrando média de 8,8% entre 1993 e 1994.

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O Plano Real conseguiu com sucesso acabar com a hiperinflação que assolava o país desde 1989, mas a melhora na conjuntura econômica não se refletiu no emprego. Ao contrário, o país foi incapaz de reencontrar uma trajetória de crescimento e o desemprego explodiu, passando a ser experiência vivida por muito mais gente. O presidente eleito, Fernando Henrique Cardoso, herdou uma taxa de desemprego aberto de 7,8% e oculto de 4,8%, totalizando uma taxa de 12,6% na RMSP, segundo a PED. E o desemprego não parou de crescer até o primeiro trimestre de 1999, atingindo 19,9% em março daquele ano. Apesar disso FHC ganhou a reeleição com folga e resolveu mudar o rumo da política econômica.

Com a desvalorização do Real em janeiro, o governo abandonou a âncora cambial que havia contribuído para a inflação baixa, à custa do emprego e da desindustrialização, e começou a buscar nova estratégia para crescer, sem que os preços voltassem a explodir. A criação de uma âncora fiscal e um regime de metas de inflação, um dos principais pontos da mudança, foi a implantação da lei de responsabilidade fiscal em 2001, depois de duras negociações com os governos estaduais, nas quais a União assumiu vários esqueletos em troca da privatização dos bancos e companhias estaduais de telefonia. A estratégia de amarrar as mãos do Estado, contudo, não obteve sucesso. O investimento público caiu e o tamanho do Estado continuou sendo reduzido. O desemprego, que havia cedido, entre 1999 e 2000, voltou a subir. O desemprego total voltou a bater recorde: 19,9%, em março de 2002 e 20,4%, em abril, permanecendo em patamares próximos a esse até março de 2004.

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A crise do emprego foi determinante para a derrota de José Serra, candidato a presidente da República ligado a Fernando Henrique, em 2002. Na época, 1 em cada 5 pessoas economicamente ativas estava desempregada. E, o pior, a inflação havia retomado os dois dígitos e estava subindo. O IPCA fechou em 5,97%, em 2000, 7,67%, em 2001, e 12,53%, em 2002. Quando Lula assumiu, em 2003, precisou adotar uma política recessiva para afastar novamente o risco do descontrole inflacionário, o que acabou contribuindo para a manutenção do elevado desemprego. Os ventos começaram a mudar em 2004, quando o governo pode colocar em prática novo plano de desenvolvimento, aumentando o investimento e o emprego, sem risco inflacionário.

Entre 2004 e 2014, o país viveu a era de ouro no mercado de trabalho e não foi diferente na RMSP. O desemprego aberto e oculto caiu para o menor patamar histórico, de forma consistente, até o fim de 2011. E se manteve assim até final de 2014. Foram oito anos de desemprego em queda e três de “pleno emprego”. O brasileiro, que estava habituado a conviver com o fantasma da desocupação, experimentou um período de esperança e otimismo em que praticamente todos os que procuravam trabalho conseguiam, aumentando a renda das famílias e impulsionando o desenvolvimento do país.

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Em 2015, contudo, o emprego entrou em colapso e, como se não bastasse, a inflação voltou aos 2 dígitos, fechando o ano em 10,67%. O desemprego disparou, passando de 9,9%, em dezembro de 2014, para 16,2%, no fim de 2016. E continuou a subir até maio de 2017, quando atingiu 18,8%. A guerra política instaurada com o processo de impeachment e a paralisação dos investimentos, resultado do conflito político e das ações da Operação Lava Jato, minaram a confiança dos empresários e trabalhadores.

A sensação do brasileiro foi de retrocesso. As famílias se viram novamente vulneráveis, com integrantes desempregados, e sofrendo com a perda do poder de compra daqueles que se mantinham no emprego. E as reformas propostas no governo de Michel Temer, para liberalizar o mercado de trabalho, nem de longe cumpriram a promessa de gerar novos postos de trabalho. Ao contrário, empregos plenos de direitos desapareceram, enquanto cresceu o número de ocupações precárias.

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Na última divulgação da PED Região Metropolitana de São Paulo, referente a junho de 2019, a taxa de desemprego aberto estava em 13,6% e a de oculto em 3,0%, totalizando uma taxa de desemprego de 16,6%. Houve alguma melhora em relação ao mesmo período do ano anterior, mas o restabelecimento foi muito tímido para ser percebido pelas famílias. A sensação é de desilusão, caminhando para o desespero. O contingente estimado de desempregados batia 1.890 mil pessoas somente nessa área, gente que não acha emprego, não tem como contribuir para o sustento dos familiares nem arcar com a própria subsistência. A falta de uma política com o objetivo de retomar o crescimento e gerar emprego e renda deixa a impressão de que apagaram a luz no fim do túnel.

O desemprego não é uma questão que envolve mérito pessoal ou demérito e nem é um problema de ajuste micro – o desemprego “friccional”. O que ocorre é que quem está atrás de emprego não está conseguindo encontrar. Muitas vezes, o trabalhador simplesmente desiste, porque demora muito a achar. Desde o fim de 2017, o tempo médio de busca por emprego chega a levar 50 semanas, ou seja, mais de 12 meses ou um ano. O seguro-desemprego, para se ter um parâmetro, cobre no máximo 5 meses de desemprego. No resto do tempo, o desempregado estará sem recursos, sozinho, ou contando com a família e os amigos que não se afastarem. 

A descrença e a certeza de que algo precisa ser feito está na cabeça de cada um e deve ser prioridade número um dos brasileiros nas eleições municipais do próximo ano. Até lá, não há nada que indique que haverá qualquer melhora nesse quadro. 

A Região Metropolitana de São Paulo possuía, segundo o último boletim da PED, cerca de 769 mil empregados no setor privado sem carteira assinada e 1.861 milhão de autônomos, muitos deles trabalhadores precarizados. O número de autônomos quase empata com a estimativa de desempregados. 

Todos sentem a catástrofe: o emprego sumiu, a renda despencou, a população de rua cresceu, a violência também.

A inflação mutila, mas o desemprego mata. Quem não buscar uma solução eficaz para esse mal não estará conversando com as necessidades, o coração e a mente dos brasileiros nas próximas eleições. São Paulo e o Brasil perderam um dos principais instrumentos para aferir o desemprego, mas o fim da medição precisa feita pela PED não vai eliminar o problema. É uma perda grave nesse período em que o país vive a volta do obscurantismo e da manipulação dos dados. Entretanto, é preciso ter coragem para enfrentar o problema e batalhar para reencontrar o caminho do desenvolvimento o quanto antes. Se nada for feito, o Brasil estará descartando toda uma geração novamente.

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