Lula, a ONU e os painéis de Portinari
Não há como negar que o seu discurso tocou no coração das pessoas
A importância da ONU para o mundo, desde a sua criação, em 1945, teve como centro das preocupações a ideia da paz. O mundo saía de um conflito de proporções internacionais no qual nada impediu que as nações se conflagrassem com as consequências conhecidas. Não se podia e não se deveria repetir os erros, o vale-tudo em que nos havíamos transformado com a ascensão do nazifascismo e da barbárie espalhada em nossos quatro polos cardeais. Por causa disso, como lembrança – ou advertência – ergueram-se por encomenda os grandes e fortes painéis de Portinari (presente do governo brasileiro, em 1952) nos quais se representava a Guerra, na entrada, e a Paz, na saída. Ali estávamos para ficar no belo edifício projetado por Oscar Niemeyer e Le Corbusier à beira do rio Hudson, em Nova York.
No seu terceiro mandato, Lula presidiu a Assembleia Geral consciente do papel que precisava desempenhar em nome da paz, no meio de tantos e tão extensos conflitos planetários, mencionados com emoção, em palavras que tinham endereço certo. Não por acaso, o plenário aplaudiu por inúmeras vezes o que pregava, compreendendo perfeitamente seus propósitos e o conteúdo de suas afirmações. John Biden, que falou depois, não contou com a mesma recepção, nem Volodymyr Zelensky, o dirigente da Ucrânia, que lá se encontrava, ansioso para chamar a atenção para a sua causa belicista. Lula, que o recebeu depois, lhe fez chegar à razão a noção segundo a qual não há solução militar para a guerra. No canto onde se encontram, os murais de Portinari comunicam, silenciosamente, a sua verdade cuja lógica não se esgota nos campos de batalha e sim nas mesas de negociação.
Narrando a sua longa experiência com as pinturas do pai, João Cândido conta como entregou de presente a Lula, certa feita, um dos pincéis do grande artista. O Presidente observou longamente o instrumento de trabalho e perguntou de que maneira ele o segurava. Como um operário pega a sua ferramenta, disse o interlocutor, fazendo-se entender perfeitamente. Lula, mais do que ninguém tinha condições de compreender a plenitude de sua mensagem. No seu discurso da época, mencionou o relevo dos painéis, o que ninguém fizera até então. O próprio Portinari não pôde olhar pessoalmente a sua obra porque, comunista, os americanos lhe negaram o visto.
Como dizia Oscar Lopes, importante crítico português, a gente fala para se entender e isso traz a estranha consequência de que também nos falamos para nos desentender. Mais de uma vez, desde a sua criação, a ONU não logrou impedir o desencadeamento de conflitos internacionais incluindo mortes a granel como uma de suas consequências. O atual conflito na Ucrânia segue modelos anteriores, no Iraque e na Líbia, nos quais as partes envolvidas se recusaram a ouvir o Conselho de Segurança e buscar esforços diplomáticos para evitar os confrontos. É um argumento poderoso que Lula vem utilizando para aumentar o seu número de integrantes, dentro da convicção segundo a qual presenças mais numerosas em torno de uma mesa podem ter o condão de aumentar a confiança na argumentação.
Seja como for, não há como negar que o seu discurso tocou no coração das pessoas. E o coração, como lembrava Pascal, mais do que a razão, tem razões que a razão desconhece.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

