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Marcelo Laffitte

Marcelo Laffitte é cineasta

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Lula, de metalúrgico a metaleiro

Por mais títulos honoris causa tivesse, por mais números fossem somados aos índices de popularidade do mais importante líder popular do mundo, aquele homem, o Lula, do qual era cúmplice e amigo, ainda se emocionava ao rememorar que três metalúrgicos tivessem sido assassinados pelo Exército durante uma greve por melhores condições de trabalho

Lula, de metalúrgico a metaleiro
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Eu conheço Luiz Inácio Lula da Silva há 30 anos. Eu já o tinha visto antes em 1980, no ato de fundação do Partido dos Trabalhadores, e talvez em uma ou outra atividade partidária, mas falar e tomar uma cerveja com o cara, isso só aconteceu em 1988, em Volta Redonda. 

Foi no dia do enterro dos metalúrgicos mortos pelo Exército durante a greve que ocupou a CSN. Era por volta do horário do almoço e eu tinha ido a uma lanchonete ao lado da Prefeitura fazer um lanche. Quis a sorte que entrassem na sequência o então deputado federal constituinte Juarez Antunes – que seria eleito prefeito de Volta Redonda dias depois –  acompanhado do seu coordenador de campanha Colombo, do advogado Campanário... e do Lula. Colombo e Campanário, que me conheciam, me cumprimentaram, gesto automaticamente repetido por Juarez... e pelo Lula. E eu disse “Olá”, me sentindo um verdadeiro metalúrgico, mesmo sem nunca ter pisado no interior da Siderúrgica Nacional. 

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Ao meu lado, que estava paralisado e incrédulo, se fez uma roda de balcão de bar e alguém pediu uma cerveja. Contaram: 1, 2, 3, 4, 5 copos. O quinto era o meu. Pediram mais uma cerveja e conversaram sobre o funeral que seria conduzido no fim da tarde pelo bispo Dom Waldyr Calheiros, sobre que horas chegariam Leonel Brizola e Jair Meneghelli, coisas assim. Lula não sorriu em nenhum momento, disso eu me lembro muito bem, pois a gravidade do momento era muito pesada para todos nós. Alguém pagou a conta, se despediram e eu disse “Tchau”. Foram embora e eu continuei ali paralisado e incrédulo. Tirante o oi e o tchau, eles entraram, eu mudo, e eles saíram, eu calado. 

No ano seguinte, na campanha presidencial de 89, Lula retornou a Volta Redonda para fazer um comício. Eu fui escalado para gravar em fita K-7 uma entrevista com ele, de onde sairiam trechos para o horário eleitoral obrigatório das rádios locais. Então fui recebê-lo no aeroclube local, pois lá seria o único lugar tranquilo para minha missão. Lula vinha de monomotor de São José dos Campos, sairia em carreata no alto de um caminhão de som, faria um comício na porta da Usina e seguiria não sei pra onde. 

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Assim, na pista do aeroclube, aconteceu minha primeira conversa com Lula, que durou cerca de 10 minutos. O assunto, totalmente formal, girava em torno das questões nacionais de emprego, saúde, educação, etc. Era, de fato, a gravação do horário político, mas Lula, mesmo cansado das viagens de campanha, se mostrou bem mais descontraído, brincando carinhosamente com todos. Fisicamente, ele continuava com a aparência de meses atrás, com o mesmo cabelo, a mesma barba e a mesma barriga tentando cobrir o cinto, mas havia trocado as mangas da camisa das curtas para as compridas. Afinal, ele era candidato a Presidente da República. 

Quando a sessão de fotos e abraços com partidários parecia eterna, eu fiz uma questão de ordem e de encaminhamento, isolei Lula afastando-o do público presente e fui cumprir minha tarefa. Antes de ligar o gravador, ele me segredou: “Que bom que você me tirou dali”. Pronto: tornei-me seu cúmplice. Guardo com muito carinho a fotografia que me foi presenteada desta ocasião. 

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Quatro anos depois, na campanha eleitoral de 1994, encontrei-me novamente com Lula no Comício da Candelária. Desta vez minha função era tentar fotografar os candidatos petistas de Volta Redonda ao lado do Lula presidente, do Mercadante vice, do Bittar governador e da Benedita senadora. Consegui fotografar alguns, mas não todos, porque o palanque estava como sempre lotado e com Lucélia Santos soltando o verbo no microfone. Fiz uma bela foto (eu acho) deste momento. 

Mesmo com toda a confusão, eu consegui conversar um pouco com Lula e ele até autografou o verso da tal fotografia. Notei que Lula, o metalúrgico, estava um pouco diferente, mais traquejado nos gestos, com alguns fios grisalhos na barba e cabelo, e vestindo um figurino que lhe caia muito bem. Mas era uma mudança natural, sem simulações. Vi que ali estava um homem que não tinha medo de aprender e aplicava com sabedoria os novos aprendizados adquiridos com o tempo. Além de seu cúmplice, tornei-me então seu amigo, mesmo ele não sabendo meu nome, como o tal autógrafo demonstrou. 

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Depois desta eleição de 94, minha vida tomou outro rumo e mudei-me para o Rio de Janeiro com objetivo de retomar minha carreira no cinema. Afastei-me, portanto, da militância partidária e não tive chances de encontrar o Lula. 

Anos mais tarde, o Lula e eu fomos eleitos presidentes. Ele do Brasil, e eu da Associação Brasileira de Documentaristas, a aguerrida entidade nacional que interferiu bastante na política cinematográfica a partir dos últimos anos do governo FHC. Só assim voltei a encontrar Lula. 

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Foi durante uma cerimônia bastante concorrida no Planalto para anunciar um audacioso plano para o cinema e o audiovisual. Como Lula estava na fase do boné, pedi a Andréa Gloria, amiga produtora de Brasília, que me levasse a um shopping que tivesse um quiosque de impressão de camisetas. Fomos e sai de lá com um boné da ABD numa sacolinha. 

Já no salão do Planalto, com mais de 400 pessoas animadíssimas com as medidas propostas pelo valoroso time do MinC e da Ancine, eu vi Walter Carvalho meio escondido num cantinho, ao lado de uma câmera de cinema armada sobre um tripé. Saquei no ato que era ali que eu deveria ficar. 

Abro parênteses. Esse evento era o marco de uma política amplamente debatida com a classe pela gestão participativa do MinC e da ANCINE. Entre tantos, me cabe citar Gilberto Gil, Juca Ferreira, Gustavo Dahl, Manoel Rangel, Orlando Senna, Leopoldo Nunes, enfim, amigos e companheiros que mudaram bastante e tornaram o audiovisual brasileiro um dos setores mais produtivos do país.

 Mas voltando ao Palácio do Planalto, fiquei por ali fingindo de morto perto da câmera até a chegada alvoroçada do Lula e sua equipe. Então, aproveitando o tempo que Waltinho levou para desatarraxar a máquina do tripé, entreguei nas mãos do Lula o boné da ABD. Pronto, mais uma missão cumprida. A manchete com destaque do Jornal Nacional daquela noite foi: “Um boné na cabeça e uma câmera na mão...”. Mas ali, com toda aquela multidão, minha conversa com Lula foi restrita ao ato de presenteá-lo. 

Uma das funções do presidente da ABD era (deveria ainda ser) tomar assento do Conselho do Audiovisual do MinC e, alguns meses depois da história do boné, fomos convocados para uma reunião na Casa Civil com José Dirceu, Gil e outros ministros. Não me lembro da pauta, que deveria ser muito importante, mas recordo muito bem que, ao fim da reunião, o Zé informou que o presidente gostaria de nos encontrar para um abraço informal. Depois que Lula chegou e cumprimentou um a um, tive a oportunidade de lhe relembrar daquela cerveja no balcão de bar de Volta Redonda em 1988. Juro pela saúde do meu filho que os olhos de Lula se encheram de água e ele murmurou: “Ah, sim, eu sei. Foi quando morreram os meninos. Que triste que foi”. 

Por mais títulos honoris causa tivesse, por mais números fossem somados aos índices de popularidade do mais importante líder popular do mundo, aquele homem, o Lula, do qual era cúmplice e amigo, ainda se emocionava ao rememorar que três metalúrgicos tivessem sido assassinados pelo Exército durante uma greve por melhores condições de trabalho. 

Hoje estamos esperando o Festival Lula Livre, que será um grito retumbante do povo brasileiro em defesa da nossa democracia. Fiquei muito feliz ao ver a logomarca criada para o evento: Lula empunhado uma guitarra. Lula, o metaleiro. Tenho certeza que ninguém mais se espantaria se Lula subisse ao palco e arriscasse sonoros acordes, pois, respondendo a Machado de Assis, mudam os Natais e mudam algumas pessoas, e quem foi metalúrgico pode, sim, ser metaleiro.

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