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Leonardo A Nunes Soares Filho

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Lula e os desafios do primeiro ano de mandato

O fim será trágico caso não se compreenda a gravidade da crise em que o Brasil está inserido

Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: REUTERS/Carla Carniel)
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Em desacordo ao que é aventado por muitos analistas e líderes da esquerda, nem tudo advindo do bolsonarismo deve ser jogado na lata do lixo da história. Sua capacidade de manobrar o legislativo, de sobreviver ao STF e organizar nas ruas uma parcela significativa do povo brasileiro, são algumas das muitas lições que Lula deverá aprender, caso deseje sobreviver ao seu primeiro ano de mandato. 

A estratégia

É preciso levantar alguns pressupostos fundamentais antes de entrar no receituário. O primeiro deles é entender que o republicanismo não funciona para os interesses das classes populares. A nova república é um instrumento da classe burguesa, em especial da fração associada perfeitamente ao imperialismo internacional. Quem não entendeu isso ainda, deve retornar ao golpe de 2016 e fazer o dever de casa. 

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O segundo pressuposto é: se a república tem donos e esses donos não somos nós — como diria o velho Marx — "a classe trabalhadora conta apenas com a sua organização". O terceiro pressuposto é: não se terceiriza a sua propaganda. E por fim, o quarto pressuposto é: o chamado "identitarismo" não é substituto para os interesses concretos do povo, essa indigência intelectual só logrou afastar a esquerda de suas bases sociais. 

Tendo em conta tais pressupostos como ponto de partida, podemos dizer que a estratégia adotada pelo PT é (ao menos deveria ser) completamente distinta da que foi adotada de 2003 à 2016. Isso significa que não há ilusões quanto a quem está no poder e que o mandato de Lula estará, desde já, enforcado com uma coleira apertada. O que pretendo explorar nesse texto, no entanto, é como podemos alargar essa coleira para sobreviver no primeiro ano de mandato, para acumular forças a fim de finalmente nos livrarmos desse sufocamento político e, como o bolsonarismo tentou — com resultados duvidosos — escapar de uma armadilha semelhante.

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A questão do legislativo

Não é de se estranhar que tanto Lula, quanto Bolsonaro, utilizaram de mecanismos "criativos" para controlar o processo legislativo. Tanto o "mensalão", quanto o "orçamento secreto" foram tentativas de manobrar um legislativo hostil, a fim de lograr a agenda do executivo e sua blindagem dos avanços do STF. A grande diferença prática entre o "mensalão" e o "orçamento secreto" é: enquanto o primeiro ocorria fora da institucionalidade, o segundo foi institucionalizado; além disso, o "mensalão" foi bem mais barato aos cofres públicos que o "orçamento secreto". Ambos foram antagonizados pela imprensa e atacados pelo STF, justamente por representar um fortalecimento do poder executivo, que poderia significar (especialmente no caso Lula) um fortalecimento por demais perigoso. Tendo dito isso, o orçamento secreto, apesar das ingerências do STF, permanece como uma ferramenta potente de controle do legislativo. Independente da pressão da imprensa, o PT deve se aproveitar dessa ferramenta institucional para se blindar do STF e "azeitar" a relação entre a situação e a oposição fisiológica.  Um legislativo sob controle do executivo  é condição sine qua non para impedir um novo golpe branco, tal qual sofreu Rousseff.

O STF

É surpreendente, para não dizer revoltante,  que após a condenação ilegal de Lula,  sua retirada inconstitucional do pleito de 2018, além do golpe contra a presidente Dilma Roussef, parte significativa da cúpula do PT ainda defenda o STF e seus ministros. Desde o processo do "mensalão", quando o Supremo Tribunal Federal se colocou no lugar do legislativo e cassou o mandato de deputados, desabrochou, claro como água, o caráter do STF. Não é porque hoje eles são uma ferramenta de contenção do bolsonarismo, que eles não se levantarão (como já se levantaram) contra o povo brasileiro. É fundamental  preparar as defesas contra a ingerência da corte suprema. E para isso, não basta apenas a aproximação do legislativo, é necessário ter povo na rua. Essa tática foi utilizada por Bolsonaro inúmeras vezes e, até certo momento, funcionou. O grande problema estava na incapacidade do bolsonarismo em assumir um programa popular, tendo em vista que é a expressão mais tosca do segundo escalão da burguesia brasileira. Logo, sua mobilização, apesar do grande volume de capital investido, estagnou junto a sua base de 30%. Felizmente, Lula possui a chave da maior central sindical das Américas, além de grandes movimentos sociais, como o MST, que são capazes de encorpar as mobilizações em apoio ao presidente. 

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O quarto poder

Os instrumentos ideológicos da burguesia, mais conhecidos como "imprensa livre", é uma ferramenta fundamental para não só pressionar diretamente o Estado, apoiando um dos setores em disputa, como também é um grande instrumento de mobilização popular. Se antes a televisão e o rádio cumpriam esse papel de forma oligopolista e unilateral, hoje, com a emergência das redes sociais, temos mecanismos cada vez mais descentralizados de informação e comunicação. Obviamente, os grandes grupos não simplesmente cruzaram os braços enquanto a história se desenrolava: diversas normas que buscam controlar as redes sociais e o discurso foram criadas, para além do já presente controle oligopolístico dos EUA e suas big techs em todo o mundo. Em especial a platitude conhecida como "discurso de ódio", tem um lugar cativo nas bocas da grande mídia e do judiciário, quando querem criminalizar uma determinada opinião e os grupos associados a ela.

O Bolsonarismo utilizou (e ainda utiliza) as redes sociais para organizar seus militantes e difundir suas ideias. Mas além disso, eles perceberam a necessidade de criar uma imprensa própria. Perceberam a burrice de terceirizar a propaganda. Sendo assim, a debacle que acometeu os jornalistas e portais vinculados ao movimento bolsonarista, nada mais foi que uma resposta da ala fundamental da burguesia contra essa tentativa de se desvencilhar dos grupos da mídia tradicional,  importantes instrumentos de controle político.  Ironicamente, o PT não observou que o chicote que dá em Chico,  também dá em Francisco e que, da mesma forma que a Globo hoje ataca Bolsonaro, amanhã atacará Lula. Não preciso de poderes mediúnicos para saber disso, afinal, já vimos acontecer.

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Cabe ao PT fazer o trabalho que o bolsonarismo era incapaz de fazer: montar uma rede de comunicação popular, robusta e se desvincular da Globo e outras mídias tradicionais. Ao mesmo passo, é importante entender que essa movimentação será acompanhada de respostas, em especial do STF e do Ministério Público, que diferentemente do que fez Bolsonaro com suas bravatas, deve ser acompanhado por uma mão firme de Lula, protegendo seus militantes e suas redes de propaganda popular. 

A mobilização popular

Quando o bolsonarismo saiu às ruas para contestar as eleições, a esquerda liberal gritou aos quatro ventos sobre a necessidade de utilizar os instrumentos de repressão do Estado para desbaratinar  essas mobilizações. Além disso, exigiu que os eleitores de Lula não tomassem as ruas em apoio ao presidente, afinal "era caso de polícia". A única garantia real que teremos, referente a permanência de Lula na presidência, será a mobilização popular e é exatamente isso que a burguesia não quer. Caso o povo não tome as ruas em todo momento que Lula estiver sob ataque, seu mandato tornar-se-á muito mais vulnerável e, por tanto, influenciável para a burguesia. Esse movimento ensaiado por Bolsonaro, convocando o povo às ruas para defendê-lo, foi limitado pelo seu programa anti-popular. Mas, o caso mais desenvolvido desse tipo de situação, também sendo o exemplo mais dramático, é a república venezuelana. Um regime que só se sustenta graças a uma permanente mobilização popular, chancelada pelo presidente, numa espécie de "bonapartismo plebiscitário", que convoca o povo permanentemente mobilizado a participar diretamente das decisões mais sensíveis, que normalmente travariam qualquer legislativo. Esse deve ser o caminho adotado pelo PT: mobilização popular e permanente.

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O papel das forças armadas

É inegável que as forças armadas brasileiras cumprem o papel que lhes foi atribuído pelos donos da República. Em especial nos últimos anos, vê-se a caserna muito assanhada nas esferas civis. O que é importante de se notar, no entanto, é que há caminhos para influir nas forças armadas, até que mudanças de maior monta possam ser realizadas. Nesse sentido, o primeiro passo é  escolher um ministro da defesa com pedigree nacionalista, mas que seja, antes de mais nada, leal ao presidente. Outro passo importante é a mudança das ementas dos cursos de oficiais, trazendo à tona o caráter da liderança latino-americana e  antiimperialista que o Brasil deve se tornar. É no mínimo estranho que um país de capitalismo atrasado, cujo principal inimigo histórico são os EUA, que nossos oficiais sejam liberais-conservadores e americanófilos. É preciso demonstrar aos militares  que os interesses do PT conseguem abarcar os interesses da defesa do território nacional e é a melhor opção política em um mundo pós-globalizado. Tal linha não garantirá o apoio hegemônico das forças armadas a curto prazo, mas conseguirão criar fissuras importantes que dificultariam  a movimentação política desse setor.

Conclusão

As medidas políticas discutidas aqui são emergenciais e devem ser realizadas ainda no primeiro ano de mandato. Caso contrário, duas tendências se apresentam de forma certa: 1) o presidente Lula, por falta de sustentação política se vê obrigado a obedecer aos ditames dos donos da república, evaporando sua base social, deixando seu crédito político ser sugado por seus inimigos, o obrigando a assumir um papel de "tucano petista"; ou 2) se manterá firme até ser derrubado por falta de sustentação política. De qualquer forma, o fim será trágico caso não se compreenda a gravidade da crise em que o Brasil está inserido.

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