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Roberto Amaral

Cientista político e ex-ministro da Ciência e Tecnologia entre 2003 e 2004

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Lula, o labirinto e seu Minotauro

'O método da classe dominante é asfixiar o novo governo', diz o colunista Roberto Amaral. 'A alternativa do mandatário é adotar a política do establisment'

Luiz Inácio Lula da Silva em coletiva de imprensa nos EUA (Foto: Reprodução)
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O labirinto em que se encontra o presidente Lula – no esforço  por dar caráter ao seu governo, que se espera desenvolvimentista – é  formado por uma sequência incontável de desvios, túneis, alçapões e armadilhas arquitetados pela casa-grande, para quem a tragédia social é uma irrelevância. Guarda-o um Minotauro ferocíssimo e insaciável.

O método da classe dominante, que às vezes se vale do codinome de “mercado”, é asfixiar o novo governo, imobilizá-lo, impedi-lo de promover as reformas prometidas ao eleitorado e reclamadas pela História. A alternativa que sobra ao mandatário é também seu suicídio: adotar como sua a política do establisment. Permanecer no governo renunciando à governança.

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A Lula foi concedida, em 2022, a disputa eleitoral, negada em 2018 pela aliança de um STF covardemente genuflexo com um general exacerbadamente golpista; honrando sua biografia, o petista em campanha prometeu um governo voltado à defesa dos mais pobres, ao combate ao desemprego e à fome, cuja necessidade, por si só, é o atestado de nosso fracasso como nação. Nas ruas conquistou o direito à posse presidencial, ainda que aos trancos e barrancos, e a um custo que a história contabilizará. Com o apoio do país indignado venceu um putsch fascista animado pela solidariedade nem sempre silenciosa dos fardados. Mas, não obstante tantos feitos, a governança é hoje seu desafio maior. Não se trata, tão-só, da incolumidade do mandato conferido em eleição plebiscitária, mas da realização de um projeto que tanto mira o aqui e o agora – o refazimento do Estado social – quanto o futuro imediato, com a criação de condições políticas de enfrentamento da ameaça fascista, abalada, mas não sepultada pela derrota eleitoral (ao cabo de votação mais do que expressiva) do ex-capitão de extrema-direita. O necessário bom êxito do governo Lula, por óbvio, não interessa ao sistema empresarial-militar (intocado) que vem regendo o país desde o golpe de 2016, e que constitui a retaguarda financeira e logística do conservadorismo hegemônico.  

A arte de governar, sob a cartilha da dominação de classe, ensina proceder exclusivamente às mudanças que nada mudam, ou então governar em condomínio. Os trilhos pelos quais transitaria o governo são demarcados pelo grande capital e, por consequência, pela grande imprensa, pelo congresso reacionário,  pelos rentistas e especuladores. 

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Lula resiste e engendra o salto para fora do labirinto.

Para disputar as eleições, o presidente montou a mais ampla coligação de partidos e interesses políticos e econômicos jamais conhecida na história republicana. Para governar estendeu-a ainda mais, caminhando o quanto pôde à direita, até ao Centrão, onde, salvo engano, fincou o último marco. Mesmo assim depara-se com dificuldades para levar a cabo seu programa de governo, um projeto de caráter simplesmente social-democrata, despido de qualquer insinuação revolucionária;  dele poder-se-á dizer que, atento às circunstâncias herdadas, persegue um reformismo moderado e o fortalecimento das instituições democráticas tais quais são, ou seja, nada que altere ou mesmo de leve ameace o atrasado capitalismo que nos molesta. O sistema, porém, no meio do qual manobra o Banco Central, diz ao presidente que lhe falta legitimidade para gerir sua própria política econômica, nada obstante o respaldo de 52% do eleitorado às teses expostas na campanha eleitoral. Diariamente, faça chuva ou faça sol, os editoriais dos grandes jornais, os comentaristas de televisão transformados em cientistas políticos e multiespecialistas, todos dizem ao governo o que lhe compete fazer e o que não pode fazer: fundamentalmente cumpre-lhe pagar os juros escorchantes estabelecidos e cobrados pela banca, e deixar de investir (ou “gastar”, segundo o vocabulário monetarista neo-liberal). Os banqueiros e seus agentes, nas dezenas de “consultorias”, corretoras, casas de crédito e quejandas (umas formadas por ex-diretores do Banco Central, outras por futuros diretores do Banco Central), liderados pelo presidente da autoridade monetária, enfant gâté da grande mídia, conduzem  o debate econômico em torno  da  balela de que juro alto combate a inflação e "gera confiança nos investidores". O presidente da república, afrontado em suas competências, vendo ameaçada a realização de seu programa de governo, é criticado por protestar contra uma taxa Selic de 13,5% contra uma inflação de 3,5%. Voltamos  a ser campeões, desta feita de juros altos, os mais altos do mundo, ao tempo em que somos a segunda mais injusta sociedade do planeta.

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Que nos dizem esses juros? 

O encarecimento da dívida pública onera o governo (o orçamento da União legado pelo bolsonarismo prevê 247 bilhões de reais para o pagamento de juros e encargos da dívida) ao tempo em que beneficia os rentistas, cujos interesses se materializam na política do BC que intensifica o desaquecimento de uma economia já estagnada, quando precisamos investir algo equivalente a 22% do PIB, e presentemente só investimos 18%. A política contracionista – aumento dos juros e cortes de gastos – é receitada no momento em que os bancos privados, ameaçados  em seus lucros pela crise do grande varejo, optam pela retração do crédito. Juntem-se juros altos e crise de crédito com corte expressivo de gastos e temos as portas abertas para um ataque recessivo, após anos de estagnação econômica denunciada por um PIB que há seis anos não ultrapassa os 2%!

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Este, o projeto político vocalizado pelo BC e tonitruado pelos “especialistas” da grande mídia. 

O desafio presente, para as forças progressistas, é assegurar ao presidente Lula condições de levar a cabo seu projeto de recuperação econômica e política do país. Esse desafio, urgente e ingente, ressente-se, porém, da fragilidade dos partidos de sustentação do governo – já agravada pelo descenso do movimento popular e das organizações sindicais –, de que resulta a necessidade de composição com os  donos do poder, o chamado establishment: um consórcio de forças poderosas que compreende o grande capital e seus inumeráveis segmentos e agentes, como a corporação militar e suas ramificações, fardadas ou não, o poder legislativo (onde somos minoria), o poder judiciário, empoderado, e os setores religiosos, de um modo  geral conservadores.

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Lula só fará o que quer que seja próximo de seus compromissos de vida e de campanha se em seu governo o país se reencontrar com o desenvolvimento, o que, com os dados de hoje – e se não for possível quebrar a hegemonia do BC “independente” e seus satélites –, trata-se de mero sonho de uma noite de verão, em face dos custos do dinheiro que inviabilizam a produção, mas fazem a festa dos especuladores, a erva daninha que tomou o lugar dos empresários e hoje é a fração mais poderosa da classe dominante brasileira, herdeira da casa-grande, a comandar o país a partir da  Faria Lima – a casamata dos rentistas que se financiam lá fora a juros baixos para aplicar aqui, sem risco cambial, com a taxa de juros estratosférica que eles mesmo estabelecem para seu lucro parasitário, em prejuízo da economia como um todo, impedindo investimentos e agravando o custo da dívida pública (arcada pelo Estado), cujo peso termina recaindo sobre toda a população. 

Ao controlar o BC e ditar a política monetária, a banca se permite estabelecer que o Estado deverá financiá-la por meio da emissão de dívida (assim eliminando o risco inerente a toda atividade produtiva), e ainda determinar o valor que aceita receber (hoje, uma taxa básica muito acima da inflação). E se o governo da vez ousa reclamar, em defesa dos compromissos assumidos com a população, o aparato comunicacional vocifera, em uníssono, denunciando “intervencionismo”, “populismo fiscal”, “gastança” e assim por diante. É uma completa inversão: o mercado financeiro, que nasce com uma função suplementar, secundária em relação à economia real dos países, assenhorando-se da política econômica...

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Pesa sobre nosso destino uma classe dominante  avessa à produção e ao trabalho, inimiga da imaginação e do pioneirismo, que opta pela desindustrialização e retorna ao arcaísmo da economia primário-exportadora e do rentismo. O atraso do país, absoluto e relativo, o descompasso face às nações contemporâneas que realizaram suas respectivas revoluções industriais, é fruto de opção consciente de nossas elites, desde sempre alienadas. Seu legado é um projeto de dependência política, ideológica e econômica sustentado por um estado estruturalmente autoritário, um autoritarismo larvar, renitente em toda a história e dominante na ordem política, nascido na colônia, filho do escravismo e do genocídio das populações nativas, elevado aos extremos da violência no império e modernizado na república sereníssima, fundada na exploração de classe. Esse autoritarismo é a camisa de força de uma sociedade de cerca de 220 milhões de habitantes, dos quais apenas 1º de sua população detém  27% de toda a renda nacional (The World Inequality Report, 2022).

Essa classe dominante é o Minotauro faminto que espreita Lula em seu labirinto, ansiosa por devorá-lo e assim pôr-se na segurança de que tudo continuará como está, pois as mudanças concedíveis são apenas aquelas que não podem passar das aparências. 

* Com a colaboração de Pedro Amaral

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