Machado de Assis em seu dicionário
Neste 29 de setembro, a civilização cultural e literária lembra o dia do falecimento de Machado de Assis, o maior escritor brasileiro e um dos maiores do mundo
Neste 29 de setembro, a civilização cultural e literária lembra o dia do falecimento de Machado de Assis, o maior escritor brasileiro e um dos maiores do mundo.
Quem tiver a sorte de nascer neste dia, “tá lascado”, como dizemos e falamos no Recife. Isso porque será eclipsado como um grãozinho de areia pela imensa luz do astro fulgurante Machado de Assis. Então eu, um desses grãozinhos, recolho-me à minha insignificância, de onde nunca deveria ter saído. Mas escrevo que maior e melhor lugar que meu texto deve ser ocupado pelo Dicionário Machado de Assis, de José Carlos Ruy. Seleciono alguns verbetes de Machado de Assis no dicionário, ainda inédito, do pensador comunista José Carlos Ruy.
“Camila - É daquela casta de mulheres que riem da idade. É bonita e deixa às outras o trabalho de envelhecer. Tem cabelo negro e olhos castanhos; as espáduas e o colo feitos de encomenda para os vestidos decotados. E um certo instinto que a beleza possui, junto com o talento e o gênio. É casada com um viúvo, honesta não por temperamento, mas por princípio, amor ao marido e um pouco por orgulho. Vive principalmente com os olhos na opinião. Entrou na casa dos 30 anos de idade e não lhe custou passar adiante. Duas ou três amigas dizem que ela perdeu a conta dos anos, sem perceber que a natureza era cúmplice, e que aos 40 anos Camila mantém um ar de 30 e poucos. Quando surgiu um pretendente para a filha, ficou prostrada: viu iminente o primeiro neto, e determinou-se a adiar o casamento da filha. (Uma senhora, 1884 ).
Emília - É viúva, tem 25 anos de idade, e se casou duas vezes. É bonita, alta e de caráter altivo, com aparência de rainha. Elegante e simples tem olhos negros, cabelos castanhos e o nariz reto como o de Safo. Mora com uma tia velha, inteiramente escrava da sua vontade. (Linha reta e linha curva, 1870).
Fulano Beltrão - Tinha cerca de 60 anos de idade quando morreu. Foi muito reservado, morava no caminho do Jardim Botânico. Era casado e tinha uma filha com 13 anos de idade e um filho. Em certa altura, começou a se ocupar com outras coisas além da família, revelando um espírito universal e generoso. E começou a aparecer mais - presenteou a Santa Casa de Misericórdia com um bilhete da grande loteria de Espanha, e recebeu uma honrosa carta do provedor, que foi publicada, em todos os jornais - em um deles, com comentários sobre a piedade do doador que, desde então, fez outras benfeitorias: alforrias de escravos, antes da lei de 28 de setembro de 1871 (do Ventre Livre), era muito comum aparecerem na Praça do Comércio crianças escravas para cuja liberdade se pedia o favor dos negociantes, e Fulano Beltrão iniciava três quartas partes das subscrições, com tal êxito, que em poucos minutos ficava o preço coberto. Em 1868 entrou na política - ele declarou aderir à situação, não que tivesse ideias políticas; quando muito, tinha um desses temperamentos que substituem as ideias. Mas não foi reeleito e se afastou da política. Tornou-se maçom e defendeu a liberdade de consciência e o direito do maçom usar uma opa; assinou protestos, representações, felicitações, abriu a bolsa e o coração, escancaradamente. (Fulano, 1884).
Escravidão - abolição - "Não esqueça dizer que, em 1888, uma questão grave e gravíssima os fez concordar também, ainda que por diversa razão. A data explica o fato: foi a emancipação dos escravos. Estavam então longe um do outro, mas a opinião uniu-os. A diferença única entre eles dizia respeito à significação da reforma, que para Pedro era um ato de justiça, e para Paulo era o início da revolução. Ele mesmo o disse, concluindo um discurso em São Paulo, no dia 20 de maio: 'A abolição é a aurora da liberdade; esperemos o sol; emancipado o preto, resta emancipar o branco'. - Há frases assim felizes. Nascem modestamente, como a gente pobre; quando menos pensam, estão governando o mundo, à semelhança das ideias. As próprias ideias nem sempre conservam o nome do pai; muitas aparecem órfãs, nascidas de nada e de ninguém. Cada um pega delas, verte-as como pode, e vai levá-las à feira, onde todos as têm por suas" (Esaú e Jacó, 1904).
Bentinho - O narrador, na ocasião em que conta a história, já velho e viúvo, vive só, com um criado em uma casa no Engenho Novo. Antes de começar a escrever este romance, pensou numa História dos Subúrbios do Rio de Janeiro. Quando esta história começa, mal tinha 15 anos de idade. Nessa época começou a namorar com Capitu, e prometeram casar-se. Com pouco mais de 17 anos foi mandado ao seminário, onde não ficou. Tinha 22 anos quando se tornou bacharel em Direito. Casou-se com Capitu, de quem tinha muito ciúme. Para se estabelecer como advogado, teve grande ajuda e apoio do amigo Escobar. (Dom Casmurro, 1899).
Félix - Um médico, de 36 anos de idade. Deixou de trabalhar depois de receber uma herança. Antes disso, trabalhou em várias ocupações elegantes e intelectuais. É um homem complexo, incoerente e caprichoso, que reúne elementos opostos, qualidades exclusivas e defeitos inconciliáveis, entre eles o ciúme. (Ressurreição,1872)”.
Querem mais? Aguardem a publicação do Dicionário Machado de Assis, de José Carlos Ruy.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.



