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Maria do Rosário

Deputada federal (PT-RS) e ex-ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República

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Mais armas, mais mortes

No Brasil, parte significativa dos homicídios acontece por motivos fúteis. Este tipo de conflito pode aumentar seu potencial letal com a adição de armas de fogo, bem como casos de violência doméstica podem, facilmente, se transformar em feminicídio

No Brasil, parte significativa dos homicídios acontece por motivos fúteis. Este tipo de conflito pode aumentar seu potencial letal com a adição de armas de fogo, bem como casos de violência doméstica podem, facilmente, se transformar em feminicídio (Foto: Maria do Rosário)
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O ano de 2015 ficará marcado na Câmara dos Deputados por diversos retrocessos legislativos. O programa realizado pela gestão de Eduardo Cunha caracteriza-se por assegurar espaço total ao populismo penal mais rasteiro. Em um país que sofre todos os anos o luto pela morte de milhares de brasileiros, vítimas da violência, o discurso de aproveitadores com soluções milagrosas está sempre na ordem do dia. Só que os efeitos não serão de redução da violência, mas de maior recrudescimento de sua presença para a população.

Neste momento, está na mira dos conservadores o fim ao controle de armas no país, conquistado há 10 anos com a Lei que instituiu o Estatuto do Desarmamento. Uma Comissão Especial está concluindo a análise do projeto de lei (PL 3.722/12) que se aprovado vai estabelecer uma liberação perigosa das armas no país, uma medida perigosa e mortal. A defesa do projeto é feita com jargões e discursos inflamados por aqueles que se valem da dor das vítimas da violência para se promover. Mas as mudanças propostas revelam total descompromisso com a defesa da vida.

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O que não deve ser desconsiderado é o poder de fogo econômico da indústria armamentista, que trabalha para estruturar as chamadas "bancadas da bala" tanto no Brasil como em outros países. As mudanças propostas na legislação brasileira servem a estes grupos e em nada se relacionam com os discursos por segurança com os quais a matéria é apresentada.

Atualmente, para adquirir registro e porte de arma, é preciso passar por teste psicológico e de manuseio, ter 25 anos completos, não possuir antecedentes criminais, não responder a processos e apresentar declaração demonstrando a efetiva necessidade de uso da arma. Nada mais adequado, do ponto de vista conceitual, se considerarmos que o Estado moderno é caracterizado pelo monopólio do uso legítimo da força, a ser exercido por seus profissionais de segurança pública.

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Em suas observações sobre o contrato social, o filósofo Thomas Hobbes (1651) aponta que no estado de natureza, que é o de guerra de todos contra todos, é recorrente o uso da violência em prol da defesa pessoal, e o que se almeja ao nos constituirmos enquanto integrantes de uma sociedade é a segurança, a paz. Para ele, esta só é possível de ser alcançada por meio de um pacto social em que os indivíduos abram mão da liberdade ilimitada, incluindo, nesta, a liberdade de tirar a vida do outro.

Por óbvio que também superamos o Estado absolutista defendido por Hobbes. Na democracia, o próprio Estado não pode utilizar a força como bem entende, conta com regulamentações que promovem o respeito aos cidadãos e sua segurança, sem atuar por meio do terror do Leviatã.

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Ciente de que a solução para as mazelas da violência não serão encontradas numa reedição do Código de Hamurabi e a Lei do Talião, integro a Frente Parlamentar pelo Controle de Armas, pela Vida e pela Paz, que luta contra a aprovação do Projeto de Lei nº 3.722/12. Este projeto praticamente destrói o Estatuto do Desarmamento ao liberar totalmente o porte de armas e munições e por isso mesmo, possui um potencial incrível para agravar o já dramático quadro de violência no país.

O PL, de autoria do deputado Rogério Peninha Mendonça (PMDB/SC), transfere da Polícia Federal para a Polícia Civil a atribuição da emissão do porte, reduz de 25 para 21 anos a idade para a compra de armamento, transforma o registro em permanente e exclui o dispositivo que caçava a licença de quem portasse arma de fogo sob efeito de drogas e álcool. Com a nova lei, o armamento das guardas municipais, até agora restrito às grandes cidades, será estabelecido em todos os municípios do país, e policiais militares processados por crime com emprego de violência ou grave ameaça não terão mais seu porte de arma suspenso.

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A última versão do substitutivo apresentado pelo relator da Comissão Especial Laudívio Carvalho, avança ao propor a manutenção da idade mínima de 25 anos. Mas o relatório não altera a estrutura do projeto de lei, e, em parte, aprofunda o escopo dos seus danos. O relator propõe que o dispositivo que previa a perda de porte de arma para denunciado por crime contra a vida seja retirado (no novo texto apenas condenados perderiam o porte), excetuando-se aqueles condenados por infração penal culposa, que manteriam o direito ao porte.

Outra modificação do relator assegura que a licença para a aquisição de armas de fogo e de munição de uso permitido será sempre concedida ao interessado que atender aos requisitos estabelecidos, sem nenhum tipo de avaliação pelo órgão expedidor. Prevê, ainda, a gratuidade de taxas necessárias à aquisição da primeira arma e a emissão de certificados necessários ao seu porte para proprietários e trabalhadores residentes na área rural, e para os que se declararem pobres, um verdadeiro incentivo à proliferação de armas no país.

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Segundo o Instituto de Pesquisas Aplicadas (IPEA), a política de controle de armas poupou mais de 160 mil vidas no Brasil entre 2004 e 2012, sendo que 31 mil apenas em 2012. Além disto, o Estatuto do Desarmamento foi responsável pela queda de 12,6% nas taxas de homicídio do país.

Mesmo nos Estados Unidos da América, o único país do mundo em que o direito ao porte de armas é garantido pela Constituição, e que representa 42% da propriedade de armas por civis em todo mundo, o tema do controle de armas passou a ser debatido após mais um caso de chacina no interior de estabelecimento de ensino, tão recorrente na história daquele país. Na Austrália, após a drástica redução da comercialização de armamentos, em cinco anos a taxa de homicídios por arma de fogo diminuiu 50%.

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Dados do Mapa da Violência 2014 mostram um crescimento de 13,4% nos registros de homicídios em comparação aos números de 2002, mostram também que as principais vítimas são jovens do sexo masculino e negros. Ao todo, foram 30.072 jovens, com idade entre 15 e 29 anos, vítimas de homicídio, 53,4% do total de mortes desse tipo no país.

Hoje, 63,9% dos homicídios no Brasil são ocasionados por armas de fogo e diversos estudos apontam que é residual a taxa de sucesso no uso defensivo de armas. Ao contrário, pessoas despreparadas que se sentem capazes de se defender em virtude do seu armamento, reagem, ampliando a possibilidade de serem vítimas fatais. Nos lares, muitas vezes, o que supostamente deveria servir para proteger a família se volta contra esta, por conta do fácil acesso e da curiosidade de crianças e adolescentes.

No Brasil, parte significativa dos homicídios acontece por motivos fúteis (brigas de bar, trânsito e outras). Este tipo de conflito pode aumentar seu potencial letal com a adição de armas de fogo, bem como casos de violência doméstica podem, facilmente, se transformar em feminicídio.

Não há justificativa razoável para a alteração dessa legislação e é um disparate afirmar que a medida trata de um novo mecanismo de defesa das pessoas ou da sociedade. É preciso que se diga que aumentar a proliferação de armas só aumentará a violência! A equação é simples: mais armas, mais mortes violentas.

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