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Sergio Amadeu

Professor da Universidade Federal do ABC. Doutor em Ciência Política e pesquisador de redes digitais e tecnologias da informação

10 artigos

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Marco Civil nunca impediu a moderação de conteúdos pelas plataformas

As plataformas devem estar submetidas a fiscalização democrática

(Foto: Divulgação)
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(Publicado no site A Terra é Redonda)

Existe uma preocupante inversão no debate sobre o combate à desinformação e ao discurso de ódio. De repente, o Marco Civil da Internet passou a ser responsabilizado pela inoperância das plataformas diante dos ataques à ciência e às informações de qualidade baseadas em fatos. Nos Estados Unidos ou na Inglaterra não existia o Marco Civil e nem por isso deixamos de assistir uma onda de desinformação que redundou no Brexit, na eleição de Donald Trump e na invasão do Capitólio.

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O Marco Civil nunca impediu a moderação de conteúdos pelas plataformas. Quem não conteve as falsificações da realidade, as “fazendas de cliques”, a proliferação de grupos fascistas e seu discurso de ódio foram os donos das plataformas. Isso não ocorre simplesmente por que grande parte do Vale do Silício tem simpatias pelas ideias de incompatibilidade entre a liberdade irrestrita de exploração econômica e as democracias, tal como Peter Thiel, fundador do PayPall, ou de Larry Elisson, co-fundador da Oracle, entusiastas da extrema direita e do chamado movimento alt-right.

As plataformas têm um modelo de remuneração extremamente exitoso que redundou em valores de mercado superiores a 1 trilhão de dólares para as Big Techs que possuem o seu controle acionário. Qual a dinâmica principal desse modelo de negócios? Primeiro, a oferta gratuita de interfaces e serviços com o objetivo de coletar massivamente dados das pessoas que as utilizam. Segundo, esses dados são tratados pelos sistemas algorítmicos para a formação de perfis de comportamento e microssegmentação da população que a utiliza. Terceiro, os perfis são agrupados pelas plataformas para serem atingidos com propaganda direcionada por quem tem dinheiro, empresas, departamento de marketing, grupos políticos, entre outros.

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Assim, as plataformas monetizam cada segundo que uma pessoa navega em suas estruturas que são arquitetadas para atrair e modular as atenções. Por isso, criaram a lógica da viralização, do engajamento e da venda de likes e impulsionamentos. Todo esforço das plataformas não visa a informação de qualidade, nem a proteção da democracia. Seu objetivo é a espetacularização que permita manter as pessoas olhando e compartilhando seus conteúdos. Por isso, o empobrecimento dos debates que vemos na política mundial se deve muito a essa lógica viralizante que depende de tornar tudo em algo surpreendente.

Quando se ataca o Marco Civil, em geral, o que se pretende é afirmar que as plataformas estavam impedidas de bloquear os conteúdos mentirosos e desinformativos. Logo, a lei deve exigir que a desinformação seja contida pelas plataformas. Desse modo, agora daremos às Big Techs o poder legal de dizer o que é e o que não é desinformação. Tal como no escândalo da Cambrigde Analityca, a solução proposta ao Facebook concentrou ainda mais poder na direção da empresa e não reduziu em nada o processo de desinformação – como demonstrou Frances Haugen, ex-gerente de produtos da rede social.

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Na segunda quinzena de março de 2023, quem entrasse no canal do Democracy Now no Youtube se depararia com um aviso: “A comunidade do YouTube identificou o seguinte conteúdo como impróprio ou ofensivo para alguns públicos”. O vídeo considerado impróprio era uma reportagem sobre Julian Assange, líder do Wikileaks que denunciou os crimes de guerra dos Estados Unidos. O mesmo Youtube bloqueou a visualização dos conteúdos do podcast Tecnopolítica em doze episódios. Em nenhum desses casos existia desinformação ou discurso de ódio, mas os gestores da plataforma acharam por bem efetivar a redução de visualizações e o bloqueio de conteúdos. Curiosamente, isso não é realizado nos canais da extrema direita, nem mesmo no canal do ex-deputado Mamãe Falei. Para o Youtube esses canais não violam suas regras.

A regulação necessária das plataformas não deveria aumentar o seu poder arbitrário sobre os conteúdos. Precisamos de uma lei que reduza esse poder e as coloque sob o controle das democracias. A regulação exige a necessária informação sobre os dados por elas coletados, os cruzamentos realizados e os objetivos dos sistemas algorítmicos que utilizam. Os termos de uso e políticas de privacidade que expõem não são suficientes para que as democracias e as sociedades tenham informações básicas em suas operações sobre o comportamento social.

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Plataformas de relacionamento social não são sites, nem blogs. Elas se colocam como espaços públicos não vinculados a nenhuma opção cultural, partidária, religiosa ou mercantil. Fazem isso para atrair todos os públicos e poder atingi-los com publicidade e marketing. Nessa condição, as plataformas devem estar submetidas a fiscalização democrática.

Como o gerenciamento imediato das plataformas é realizado por sistemas algorítmicos de aprendizado de máquina, é imprescindível a avaliação de impacto do tratamento de dados que realizam. No mínimo, as finalidades dos modelos que criam devem ser expostas nitidamente, sem dubiedades e eufemismos, para quem está sendo por eles modulados. Os termos de uso e as políticas de privacidade das plataformas são demasiadamente genéricas e não permitem saber se estão praticando uma coleta e tratamento excessivos, discriminatórios e inadequados de dados.

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Tal como os europeus estão criando um Conselho de Inteligência Artificial composto por especialistas em inteligência artificial, representantes da sociedade civil, do governo e do mercado, a regulação das plataformas, dada a sua complexidade deveria avançar na formação de uma estrutura democrática e multissetorial de aplicação de regras sobre essas empresas de modulação social.

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