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Wilson Ramos Filho

Jurista, professor e escritor

68 artigos

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Marias

Eram inseparáveis. Seus fracassos se evidenciavam apenas nos relacionamentos afetivos do passado. Eram guerreiras, viviam com conforto material assegurado por suas pensões vitalícias de divorciadas. E aproveitavam a vida para fazer o bem em atividades sociais, divertindo-se e competindo entre si

Marias
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Eram inseparáveis. Seus fracassos se evidenciavam apenas nos relacionamentos afetivos do passado. Eram guerreiras, viviam com conforto material assegurado por suas pensões vitalícias de divorciadas. E aproveitavam a vida para fazer o bem em atividades sociais, divertindo-se e competindo entre si.

Estando naquela idade onde tudo lhes é permitido desfrutavam os pequenos prazeres da convivência social e do individualismo, tudo ao mesmo tempo agora.

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Como o país, quebraram e requebraram prazerosamente sem grandes pudores. Eram boas.

Começaram a correr para aproveitar as roupinhas de andar no parque e pegaram gosto. Disputavam provas de rua e comemoravam cada segundo conquistado nos percursos diários de uma hora, antes da saladinha no almoço. A transformação do mundo haveria de começar pela mudança de cada pessoa. Das opções individuais resultaria um planeta melhor. Nunca acreditaram em esportes coletivos, coisa de esquerdistas, o corpo e a mente só encontram a desejada harmonia nas superações individuais dos limites, filosofavam.

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Duas ou três vezes por semana eram convidadas para recepções diversas às quais compareciam em provocantes vestidos, equilibrando-se em altas sandálias, com consciência do papel a ser desempenhado. Desfilavam entre os casais esquentando os ambientes ao despertar não exatamente ciúmes, antes a inveja e ligeiras preocupações de esposas e namoradas. A chegada das duas tinha o estranho poder de aguçá-las por atrair olhares dos comprometidos varões. Eram, na medida do possível, discretas. Odiavam ser confundidas com as periguetes que algumas vezes frequentavam os mesmos repastos. Diferentemente delas, não baixavam nos casados, respeitavam as instituições. Apenas circulavam nas festas, inaugurações, avampremieres e lançamentos, exibidas, com pouca roupa. Biscate não sente frio, riam de si mesmas.

Mantinham estranhas contabilidades debochadas do número de beliscões provocados. Nas corridas do dia seguinte divertiam-se comentando as reações das mulheres que se sentiram incomodadas com suas exuberâncias e apuradas técnicas de chamar a atenção das fedelhas, das gordinhas e das velhuscas, como a elas se referiam, classificatórias. Eram assim. Não se arrumavam para os homens. Embelezavam-se para desassossegar as peruas apetrechadas com a arguta sensibilidade para constatar eventuais provocantes ausências de langerris, ou para perceber desprevenidas entumescências sob vaporosos tecidos. Homem nem percebe os detalhes, foca apenas nos volumes, generalizavam.

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Raramente se envolviam com alguém. Nestes ambientes quem não tinha dona era porque não merecia especial interesse delas.

Às terças saiam no grupo de baiquers. Gente da elite, vagamente preocupada com o meio-ambiente. Pedalavam pelo centro e terminavam a noitada saudável matando açaí com mel e granola, comentando mapas astrais e as injustiças contra quem quer mudar o país. Ali todos eram contra o aborto e favoráveis ao fim da exigência de cadeirinhas nos automóveis para as crianças. O Estado não pode se meter na esfera privada das famílias, deve preservar a vida até o nascimento, depois a responsabilidade é dos pais, como nas questões religiosas. Coerentes, são a favor da liberação do porte de armas para as pessoas de bem e odeiam moradores de rua. São contra os transgênicos, os carburantes minerais e os venenos agrícolas, e a favor da liberdade econômica. A escolha pela maneira de existir deve decorrer de decisões individuais, asseveram. Se cada um fizer a sua parte a vida em sociedade melhora.

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Nas manhãs de domingos, relaxadas, faziam caminhadas ecológicas com um grupo de descolados onde todos fotografam bromélias, mais um território de disputa entre ambas. Em face disso, evitavam sair nos sábados, noite das amadoras, gracejavam. Auxiliadora se dedica ao patiuorque; Socorro, às séries românticas no netiflíquis. Sexo, quando arrumavam com quem, apenas aos sábados à tarde, depois da manicure e do salão. Disputavam em tudo, inclusive neste quesito, mas só com solteiros. São éticas.

Longos meses sem visitar a família, a mais loira pegou um ônibus para o interior após uma movimentada vernissage, quadros horrorosos cometidos pela esposa de um juiz que aceitava orientar as estratégias jurídicas com advogados de causas submetidas à sua jurisdição que tivessem a delicadeza de adquirir as caríssimas telas assinadas pela revelação artística referida. É super normal, corriqueiro, juiz orientar o procurador de uma das partes. Passou em casa depois do evento, tirou o tubinho preto, colocou uma confortável roupa interior e se meteu em folgadas calças de moletom. Cara lavada, rabo-de cavalo e blusão. Enjoada, muitas doses de um drinque da moda. Na poltrona seu lado no ônibus, um mancebo ainda mais chapado que ela. Trocaram amenidades e, surpresos, constataram terem sido colegas no ensino fundamental. Era viúvo recente, herdeiro do maior fazendeiro da região onde passaram a infância, o que despertou na moça seu proverbial instinto de proteção. Mal-vestido, descuidado, a camisa aparentando ter sido recuperada da goela da vaca, bermuda xadrez e alpargatas. Carteira de motorista suspensa, daí a opção pelo transporte público para visitar os pais naquele fim de mundo.

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Fechou os olhos ainda na saída da capital lembrando das aventuras de Emmanuelle, sentindo-se um pouco Sylvia Kristel no avião, excitada. Sua cabeça rodava, abriu os olhos e piorou. Deve ter sido um daqueles nojentos canapés, concluiu. O bonitão começou a roncar alto. Salivação, um pouco de azia. De repente, em única golfada, vomitou uma gosma amarelenta no colo do vizinho de poltrona que, sem nada perceber, seguiu com sua motosserra, para sua sorte. Vergonha, constrangimento, passou-lhe imediatamente o porre. O cheiro azedo misturou-se ao do aromatizador de ambiente típico dos ônibus intermunicipais. Ninguém havia notado. Uma hora mais tarde desesperou-se diante da interrupção no fundo nada musical que saía da boca aberta do coleguinha. Simulou dormir, chegou-se mais à janela, embora percebesse a movimentação ao lado. Aprumou então seu melhor sorriso dissimulado e lhe perguntou. Você melhorou? O rapaz, totalmente surpreso, a mão melecada, movimentando o maxilar em busca de resquícios da regurgitação, enrubesceu e desculpou-se. Pediu licença e quando voltou lavado ela estava dormindo o sonho dos justos, havia manejado bem a situação e se safado. Ali começou, sob o sigo da intimidade fortuita, uma linda, sincera e autêntica relação amorosa. Três meses depois estavam casados, sem segredos um para o outro, com a exceção óbvia. Aquilo ele jamais saberia. Com o marido montou uma academia de crosfite, perto da casa do sogro, para onde se mudaram.

Sissi não foi ao casamento da amiga. Seguiu sua vida saudável, adotou cachorrinhos abandonados onde fazia trabalho voluntário e fundou uma oenegê para a defesa da lava-jato.

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Saía cada vez menos, sozinha, duas vezes por semana no máximo, para desestabilizar modorrentas relações conjugais alheias com suas longas pernas de fora, descruzadas com amplitude de vez em quando, para apimentar a vida sexual dos outros. Era sua ação social preponderante.

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