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Roberto Ponciano

Escritor, mestre em Filosofia e Letras, especialista em Economia. Doutorando em Literatura Comparada

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Marx, este desconhecido

Sobre Marx, parece que a ignorância não intimida as pessoas. Ainda que não tenham lido uma única linha do genial alemão sentem-se bastante cômodas para discutir e opinar sobre ideias que não conhecem

Karl Marx (Foto: Reprodução)
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Ninguém é tão caluniado, nenhum outro cientista foi tão criticado, atacado, vilipendiado como este alemão de ascendência judia. Carlos Marx, o homem que renovou a ciência e a filosofia, através do Materialismo Dialético é, na verdade, um ilustre desconhecido.

Outro dia, conversava com uma amiga, que se surpreendeu ao saber que eu era marxista. Ela disse: “poxa, mas Marx era um utópico, o que ele escrevia era bonito, mas impraticável.”. Outro amigo discutiu dizendo que “o comunismo na teoria é muito bom, mas, na prática, é completamente o contrário daquilo que prega”. Uma coisa havia de comum aos dois. Nenhum havia lido sequer uma única linha daquele de quem pretendiam criticar!

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Vivemos num país cristão e quase todos os brasileiros já leram a Bíblia, se não todas as Sagradas Escrituras, pelo menos algo dos Salmos ou do Evangelho. E aí, muitos discutem com propriedade trechos e dizeres do Livro Sagrado. O que uma pessoa versada no cristianismo acharia de alguém que, sem nunca ter lido a Bíblia, de uma hora para outra começasse a criticar seu conteúdo? Seria no mínimo uma atitude imprópria, já que a ignorância sobre o tema não pode ser argumento de discussão.

Sobre Marx, parece que a ignorância não intimida as pessoas. Ainda que não tenham lido uma única linha do genial alemão sentem-se bastante cômodas para discutir e opinar sobre ideias que não conhecem. 

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Há um provérbio espanhol que diz: “O ignorante não duvida porque desconhece que ignora”. É verdade que no Brasil há um grande déficit de leitura. Mesmo entre a classe média “culta” brasileira a leitura não é um hábito. Estudantes de mestrado trocam a leitura de Graciliano Ramos ou Vinícius de Moraes pelo “Big Brother Brasil” e acham isto muito normal. A leitura é “utilitária”, só leem o que necessitam para se graduar e, ou conseguir uma colocação profissional melhor.

E assim Marx vira um grande mito, um espectro que muito assusta sem que ninguém saiba ao certo bem quem ele é. Até mesmo na esquerda isto acontece. Conheço vários companheiros, militantes de partidos de esquerda, com cargo de direção, em partidos que se pretendem marxistas, e que são completamente ignorantes do que seja o Materialismo Histórico ou o Materialismo Dialético. Outro dia discuti com um companheiro que se pretendia marxista, e que tentava me convencer por A mais B que a redução da jornada de trabalho não melhora a condição de vida do trabalhador, e não aumenta o valor proporcional do salário. Defendeu sua posição à quase exaustão, e pouco tempo depois, acabou me confessando que estava começando a ler um livro que falava sobre O Capital, mas nunca tinha lido a seção de O Capital em que Marx, discutindo a “lei férrea dos salários”, mostrava a necessidade da luta pela redução da sua jornada e suas benesses para a classe trabalhadora, ainda que a classe capitalista tirasse dividendos ainda maiores com sua redução.

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Ou seja, alguém que defendeu posições, pretensamente “marxistas”, simplesmente DESCONHECIA A TEORIA DO VALOR, base, espinha dorsal dos trabalhos econômicos de Marx! E isto não é uma prática isolada. Várias pessoas que se pretendem “marxistas” simplesmente não leem Marx. E como se alguém quisesse se tornar teólogo sem ler a Bíblia (guardadas as proporções entre o laico e o sacro).

Estudo Marx há 35 anos, comecei com “A Origem da Propriedade Privada, da Família e do Estado”, li depois todos os livros importantes dele e de Engels e, depois de todo este tempo lendo Marx, considero-me apenas um estudante, um curioso, que pretende ainda ler bastante para poder entender um pouco o materialismo dialético. Na Origem da propriedade privada, da família e do Estado, baseando-se na teoria da Evolução das Espécies, em cima de descobertas de Morgan, Marx fez uma série de anotações que serviriam a Engels para terminar o livro. Nele, se traça um caminho desde a época em que os homens conviviam nas hordas (recém saídos das árvores e da condição de animal), passa por milênios de evolução entre o Estado Selvagem e a Barbárie, até chegar à Civilização. De forma materialista e dialética (um dos melhores livros de materialismo histórico) ele demonstra a interligação entre a evolução da família e da propriedade. Mostra, sem remeter-se a discussões teológicas, como o homem saiu das comunidades primitivas onde havia o intercâmbio sexual livre, passa ao casamento por grupos, casamento sindiásmico (dissolúvel por ambas as partes) na sociedade matriarcal e, com o advento do pastoreio, da cerâmica e da agricultura, na fase final da barbárie (começo da civilização e do Estado), com a possibilidade de herdar se chega à família patriarcal, ao Direito, ao Estado, à Civilização, às Classes Sociais. Mostra como a virgindade e a castidade feminina estavam intimamente ligadas ao direito de herança e a necessidade do homem ter certeza de sua descendência. E que, portanto, a evolução da família não foi “natural” ou “vontade de Deus”, mas efetivamente um processo histórico em andamento, que é afetado continuamente pela evolução econômica (a mudança dos costumes está sempre ligada a grandes mudanças, a revoluções econômicas). Este livro também mostra que as classes sociais não nasceram com o homem, são um processo histórico de curta duração, se comparado com o tempo de existência da humanidade.

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A pergunta então é, o que há de Utópico nisto? O que há de quimérico em Marx? Nada, ou quase nada. Neste livro crucial para o entendimento do materialismo histórico, Engels gasta talvez três linhas sobre a sociedade socialista do futuro: “será uma sociedade com a fraternidade da gens primitiva, todavia, com a ciência da civilização moderna”, não fala mais do que isto, pois Marx e Engels não eram futurólogos, eram cientistas que teciam a crítica em cima da realidade concreta existente, presente e passada.

Descobrir Marx (cuja amplitude de estudos e anotações vai da economia à psicologia, passando por antropologia, filosofia, política, física, matemática) é entender a importância de seu pensamento para o mundo de hoje. Ainda que não declaradamente, toda a ciência é materialista e tem bastante dialética, e as ciências sociais de hoje não existem sem Marx. O estudo da estrutura e da superestrutura, das contradições existentes entre a base material e a estrutura de pensamento de uma sociedade, como as transformações econômicas, as modificações na base material de vida invariavelmente acabam por transformar a vida dos homens: é descobrir um método de pensar e analisar que afasta toda a fantasmagoria, superstição e dá o liame para entender as concatenações econômicas que levam a sociedade de hoje a uma crise tão profunda (o materialismo dialético).

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Até mesmo os mais aferrados adversários de Marx lêem o grande filósofo materialista alemão, até para poder refutá-lo. Toda a análise de valor feita hoje em dia, por todos os grandes economistas, saíram das linhas escritas em “O Capital”, “Contribuição à Crítica da Economia Política”, ou dos “Grundrisse”. A teoria do valor de Marx é universalmente aceita e estudada. Somente suas conclusões sobre o fim do Capital, sobre a Crise Final do Capitalismo é que são sempre afastadas por seus opositores. Previsões feitas há 150 anos atrás, que vem se mostrando verdadeiras, dada a presente crise estrutural do capitalismo.

Para quem leu Marx, não há espanto ao ver o desemprego em 20% da população e crescendo sem NENHUMA PERSPECTIVA DE SOLUÇÃO DENTRO DO SISTEMA CAPITALISTA. Marx já o previa em suas obras econômicas. A contradição insolúvel entre a produção social e a acumulação individual. Entre a necessidade de participação cada vez maior de capital constante (trabalho morto-tecnologia) no trabalho, em lugar da mão de obra viva. A expulsão crescente da mão de obra da produção cria o contraditório e terrível espetáculo do Mercado sem mercados. A decrescente participação do ser humano no processo de produção diminui, em escala geométrica, o número de consumidores. Marx aí atua quase como um profeta, projetando na economia da época uma crise que se materializou um século e meio depois.

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Istvan Meszaros (marxista húngaro) escreveu o excelente “Para Além do Capital”, no qual, em cima das descobertas econômicas de Marx, ele situa e esclarece a crise atual. O grosso livro de 1200 páginas mostra a atualidade e a força do marxismo. Para quem não o leu, a crise é apenas passageira e tem como causa “alguma flutuação” no mercado mundial. E porque sem a leitura de Marx, não há subsídios para saber como se forma o mercado, de que maneira se gera valor, como acresce valor à mercadoria. 

Sem a teoria do Valor de Marx é impossível saber de onde vem e para onde vai a crise. Talvez, nesta total ignorância, seja mais alentador pensar que efetivamente a crise é como uma doença que passará assim que surgir um remédio milagroso. Nisto, há muito de utópico nos nossos economistas utraneoliberais, e absolutamente nada em Marx, que previa a miséria absoluta crescente, a acumulação desmedida e o fim de um sistema que não consegue reproduzir seu material de trabalho mais importante: A MÃO DE OBRA HUMANA VIVA.

Para Jean Paul Sartre o marxismo era a única grande filosofia viva moderna, e que só será superada quando esta atual civilização de classes houver sido superada (vejam em “Crítica da Razão Dialética”).  Até mesmo a igreja se renovou através de Marx, com a Teologia da Libertação. De todos os seus livros há chaves para interpretar o conhecimento e a realidade e nenhum futurismo, previsões doidas ou utopias insanas conspiratórias.

Marx fez mesmo em “O Manifesto do Partido Comunista” uma crítica implacável, um acerto de contas com o “socialismo utópico”. Seu livro “Miséria da Filosofia”, que criticava Proudhon, foi de tal maneira desconcertante que fez deste um inimigo ferrenho de Marx. Neste Marx lançou a base teórica de descobertas importantes que iria aprofundar em trabalhos econômicos posteriores sobre a crise, a acumulação, o valor.

Ler Marx é um exercício de conhecimento da realidade, uma descoberta científica, um exercício de ilustração, e é o único caminho para realmente ter uma ideia de para onde vai o mundo moderno.

Marx, pensador materialista, cientista infatigável, pesquisador enciclopédico, um ilustre desconhecido para a maioria, para a qual, não passa de um utópico.

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