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Gilbergues Santos Soares

Historiador e cientista político e professor do Departamento de História da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Especialista em História do Brasil República, com ênfase na ditadura militar e em democracia, suas instituições e em nossa cultura política pretoriana

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Mas, afinal, qual a novidade sobre o golpe de 2016?

Até os pombos da Praça dos Três Poderes, em Brasília, sabiam daquelas reuniões no Palácio do Jaburu entre 2015 e 2016

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Michel Temer lançou, em livro, coletânea de entrevistas concedidas a Denis Rosenfield, uma espécie de Diogo Mainardi com alguma produção intelectual. O livro parte da falsa premissa de que Temer, na presidência, teria um legado a oferecer ao país. “A Escolha, como um presidente conseguiu superar grave crise e apresentar uma agenda para o Brasil" traz, já em seu título, uma meia-verdade ao supor que Temer se portou como um estadista e não como um dos articuladores do golpe de Estado que depôs Dilma Rousseff.

Talvez para defender sua chamuscada biografia, Temer até admite que fez parte da conspiração civil-militar que apeou Dilma da presidência, mesmo que não use essas palavras. O Brasil 247 mostrou que Temer conspirou com militares para derrubar Dilma e relatou encontros do ainda vice-presidente com o comandante do Exército, Gal. Eduardo Villas Boas, e o chefe do Estado Maior, Gal. Sérgio Etchegoyen. Na verdade, os encontros, ocorridos entre 2015 e 2016, eram reuniões onde se planejava a operação que deporia Dilma.

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Temer fala das opiniões dos militares contrários ao PT e a continuidade da esquerda no poder. Rosenfield mostra que uma das razões (a principal, a meu ver) para os chefes militares quererem a saída de Dilma foi a criação e atuação da Comissão Nacional da Verdade (CNV), as tentativas de fazer mudanças, ou mesmo extinguir, a Lei da Anistia e os avanços democráticos promovidos pelos governos do PT na área dos direitos humanos. Inclusive, sabíamos todos que os militares receavam que o PT promovesse mudanças na estrutura interna das Forças Armadas, principalmente no tocante a forma dos oficiais acessarem o generalato e a formação dos militares nas academias.

Mas, afinal, qual a novidade? Pois, até os pombos da Praça dos Três Poderes, em Brasília, sabiam daquelas reuniões no Palácio do Jaburu entre 2015 e 2016. Sabiam quem as frequentava e porque, sabiam do que se tratava e, claro, sabiam da real possibilidade de termos mais um golpe de Estado. E já é hora de, mesmo que brevemente, explicar o que é um golpe de Estado, antes que alguém queira discutir se, em 2016, tivemos um golpe ou um impeachment. Veja a definição e tire suas próprias conclusões.

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Um conceito eficaz de golpe de Estado deve apontar claramente 1) os protagonistas do golpe, 2) os meios excepcionais que caracterizam a ação golpista e 3) os fins desejados que racionalizam a ação golpista. Golpe de Estado é um ato de conquista do poder político, através do desmonte do governo, e se realiza, em geral, com o apoio das Forças Armadas. O golpe é a manifestação da vontade real de uma estrutura que nem sempre aceita ou concorda com a opinião pública manifestada, por exemplo, nas urnas. Os casos da UDN, entre as décadas de 1940 e 1960, e do PSDB recentemente são exemplos dessa “má vontade” para com as incertezas geradas pelo uso dos procedimentos democráticos eleitorais. O cientista político, Edward Luttwak, afirma, em “Coup d'État: A Practical” que o “golpe pode ser conduzido ‘de fora’ e opera na área externa do governo, mas dentro do Estado, que é formada pelo funcionalismo público permanente, pelas Forças Armadas e a polícia”.

Na Guerra Fria, os golpes de Estado se davam pela derrubada violenta de um governo. Hoje, eles são promovidos pelo poder legislativo e/ou judiciário e por uma combinação de grupos e facções. No Brasil, se formou um conglomerado golpista para apear do poder uma presidenta eleita democraticamente. Nunca tivemos um golpe de Estado “puro sangue”. Jamais tivemos um golpe apenas civil ou somente militar, pois eles se dão sempre com o apoio e articulação de setores da sociedade e com a força das armas militares. Em geral, são os civis que começam as articulações para só então baterem às portas dos quarteis. Os encontros entre Temer e os generais são claros exemplos desse modus operandis golpista.

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Certo, os militares se incomodaram com as tentativas da presidenta Dilma em revolver nosso passado ditatorial. Por isso tentaram limitar o papel da CNV que, claro, era blindado pela ação da Lei da Anistia. Cabe lembrar que os governos de Sarney, Collor, Itamar, FHC e Lula sequer tentaram rever a Lei da Anistia, sempre muito bem protegida por nossa mentalidade pretoriana, Dilma é a exceção. Foi por isso que, por exemplo, não se aceitou uma Ação Civil Pública, movida em outubro de 2008 pelo Ministério Público Federal (em São Paulo), contra a União e os ex-comandantes do DOI-CODI, Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel. Na época, o Ministro da Defesa, Nelson Jobim, afirmou que “a Lei da Anistia é irreversível porque implica tornar não criminosos atos criminosos”.

A crise que levou os militares à ação golpista se iniciou quando Dilma Rousseff propôs rever a Lei da Anistia criando a CNV em 2011. Como se sabe, a Comissão investigou violações de direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988 e, sim, atingiu o aparato repressivo, desfeito parcialmente com o fim da ditadura militar. O cientista político e jornalista Antônio Espinosa disse que: “Dilma começou a cair quando propôs um ajuste de contas com a velha ditadura”.

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Na época da CNV, o dilema se apresentou: “de que adianta saber a verdade, se não sabemos bem o que com ela fazer?”. O que faríamos com as verdades descobertas pela CNV? Puniríamos os que perseguiram, prenderam, torturam, mataram em nome de um Estado militarizado, mesmo que fossem protegidos pela Lei da Anistia? Michel Temer e os generais não quiseram pagar para ver.

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