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Marcus Atalla

Graduação em Imagem e Som - UFSCAR, graduação em Direito - USF. Especialização em Jornalismo - FDA, especialização em Jornalismo Investigativo - FMU

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‘Matrix Resurrection’: uma crítica ao niilismo social, ao apego à forma e a cegueira quanto a essência

(Foto: Reprodução)
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Matrix Resurrection é o quarto filme da série Matrix (1999), criada pelas irmãs Wachowski. Esta sequência, dirigida por Lana Wachowski, não é apenas um filme Cybepunk, gênero distópico, que desconstrói o otimismo da evolução tecnológica como libertadora da humanidade. Essa obra faz jus à temática, sendo uma distopia da própria franquia, desconstrói a si própria e a expectativa do espectador.

O primeiro filme da série foi revolucionário em vários sentidos na época; efeitos especiais, cenas de ação, temática, roteiro e a complexidade semiótica envolvida; que não importava o quanto as Wachowski tentassem inovar nas sequências seguintes, nada conseguia superar as expectativas altíssimas do público. Este quarto filme não seria diferente, decidiu-se então, entregar o oposto do esperado pelo público.

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O incômodo que vem causando, não se faz por ser muito revolucionário demais como Matrix (1999), nem experimental como Jean-Luc Godard, nem controverso como Luis Buñel, nem na quebra da catarse como Funny Games (1997) de Michael Heneke. Matrix Resurrection é disruptivo, justamente por seguir a fórmula confortável padrão dos Blockbusters, cheio de clichês, romance Romeu e Julieta, roteiro simples e diálogos literais. 

A reação dos espectadores a este filme, demonstra que as pessoas estão tão presas na forma, que deixam passar despercebida a essência do filme, que está desta vez no conteúdo dos diálogos. Não são diálogos elaborados, complexos, nem filosóficos, são simples e literais, assim como a comunicação em tempos de redes sociais, em que as pessoas não compreendem formas mais complexas de sentido, (ironias, sarcasmos e metáforas) apenas a pobreza da literalidade. Mesmo assim, o público na expectativa do algo revolucionário, não veem que está tudo em suas caras, no subtexto explícito dos diálogos.

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Aviso de spoiler abaixo

Matrix Resurrection está coberto de metalinguagem, tanto a indústria do cinema, como da franquia Matrix, o que exige que o público conheça os filmes anteriores para entender este em sua plenitude.

Metalinguagem e a imposição da Indústria cinematográfica

Ainda no primeiro ato, há um diálogo revelador entre Neo (Keanu Reeves) e o seu patrão, proprietário da empresa produtora do game (Jonathan Groff). A conversa não é sobre a pressão para que Neo faça o jogo Matrix 4, o qual ele não gostaria de fazer. É, na verdade, sobre os motivos da Lana retornar à franquia, a qual todos achavam estar encerrada, inclusive ela mesma. 

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“A Warner quer que façamos uma sequência da trilogia. Vão fazer de qualquer forma, com você ou sem você. E matarão nosso contrato se não cooperarmos.” Mais explícito impossível. A diretora assegurou não precisar fazer uma continuação. Ela desconstruiu os próprios símbolos de sua obra.

Matrix 2.0; uma realidade gerada por computador que me aprisionou

Os três filmes anteriores eram um jogo, cujo desenvolvedor é o Neo. Uma simulação dentro de outra simulação, Matrix 2.0. Que “talvez” estejam em um mundo real.

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Neste filme, os roteiristas são fiéis à hiper-realidade de Jean Baudrillard. Em Simulacros e Simulação, o filósofo conceitua que a realidade e a ficção serão indistinguíveis, não se poderá mais saber quando se está numa ou noutra.

Enquanto na Matrix 1.0, o arquiteto era um programador, na Matrix 2.0 o arquiteto é um psiquiatra (Neil P. Harris). As máquinas descobriram que a energia produzida por indução de sentimentos, é muito maior do que apenas a gerada pelas funções biológicas do corpo humano. No primeiro filme, era sobre pessoas ferramentas do sistema, agora trata-se do controle da psique humana.

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“Meus manipuladores (bots) estão por todos os lugares! Ideais para saturar a população. Tudo é questão de sentimentos, quanto mais os manipulamos, mais energia produzimos. É tudo desejos e medo.” O que é isso, senão as redes sociais que estimulam o conflito, o ódio, a impulsividade e, assim, aumentam o engajamento. (Odeio mas não consigo largar! | Mecanismos do vício|)Neo está em tratamento psicológico, após um colapso mental e tentar pular de um prédio acreditando poder voar. Ele não sabe mais diferenciar a realidade da simulação e se sente prisioneiro dela. “Não haveria nada de errado nisso, mas quando a sua fantasia põe em risco sua vida e a de outras pessoas, isso é um problema”; diz o psiquiatra.

As pílulas icônicas da trilogia, as quais representavam a escolha de voltar ao doloroso mundo real (vermelha) ou permanecer dentro da confortável ilusão simulada (azul), agora têm mais um significado. As pílulas azuis representam o uso indiscriminado de antidepressivos e ansiolíticos, como uma forma de fuga da realidade.

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Merovingian e a originalidade importava

Neo e Merovingian (Lambert Wilson), um traficante de informações, noutrora representado como alguém de gosto refinado, da elite e com sotaque francês – uma referência a cultura e filosofia francesa. Desta vez, surge com uma aparência degradada, pele e dentes sujos, cabelos compridos mal cuidado e mal vestido, assemelhado a um morador de rua. Aos berros, Merovingian culpa Neo pela sua decadência: 

“Você nos arruinou! Tivemos graça, tínhamos estilo na conversa, não era esse bip-bip-bip-bip. (enquanto gesticula como se estivesse enviando mensagens pelo celular). Arte, filmes, livros eram melhores! A originalidade importava! Apenas para sermos suplantados por Face-Zucker-suck e cock-me-climatey-WiKi- [...]!”

Mais um diálogo literal sobre as redes sociais, as Wikipédias da vida e Zuckerberg substituindo a subjetividade humana na produção artística, do conhecimento e no dialogar entre os seres humanos.

Mas à frente, Neo é resgatado da Matrix 2.0 pela nau Mnemosyne – titânide da recordação -, a nau segue para uma caverna, onde corre um rio que leva a cidade de IO – referência imagética ao rio Lete, que cortava o Hades. Aqueles que bebiam de suas águas esquecem de suas vidas passadas.

IO; a sociedade niilista numa crença falsa de segurança e conforto

Após a guerra com as máquinas, a cidade de Zion foi destruída e reconstruída como IO. A cidade é comandada pela, agora, anciã Niobe (Jada Pinkett Smith), que quando jovem era uma capitã de uma nau e participou da guerra contra as máquinas. Ela se recusa a ajudar Neo e tenta impedi-lo de fazer qualquer coisa. Durante todos esses anos, preferiu não fazer nada, por uma crença falsa de segurança. Porém, a qualquer momento as máquinas poderiam destruir todos na cidade se assim o desejassem.

Agora, há máquinas dissidentes trabalhando junto aos humanos, permitindo que se possa plantar frutas e verduras. Niobe, mantém-se em um imobilismo, segurando-se em uma migalha de conforto, poder cultivar alimento. Uma das personagens diz-lhe: “Você se preocupa mais com o cultivo do que com a libertação de mentes. Você desistiu das pessoas!” Apesar de no seu íntimo, Niobe estar contente por Neo retornar e agir.

Essa descrição, assemelha-se a feita pelo sociólogo Jessé Souza, em seu livro Radiografia do Golpe. Souza descreve a classe média do Brasil, como uma classe média brasileira de Oslo. Aquela que se preocupa com o meio-ambiente, com os animais de estimação, tal qual moradores da Suécia. Como se todos os outros problemas foram resolvidos. Não há fome, miséria, crianças de rua e a maior desigualdade social do mundo.

Por fim, na última cena do filme, Neo e Trinity se encontram com o psiquiatra arquiteto da Matrix 2.0 que os diz: “Eu conheço os seres humanos, eu conheço vocês. O povo gado não vai sair da Matrix, eles gostam do meu mundo. Eles não querem libertação ou capacitação. Eles querem ser controlados, anseiam pelo conforto da certeza.” (Como as redes sociais roubam sua atenção e seu tempo? |Economia da Atenção|).

Trinity responde: “Estamos a caminho de mudar o mundo, basta lembrar às pessoas o que uma mente livre pode fazer.” Neo: “É fácil esquecer, eu havia esquecido!” 

Ao final, os personagens não propõem o fim das máquinas (redes sociais), mas mudá-las aos nossos interesses. É aquela concepção de que a História não volta atrás, mas devemos moldar o futuro. 

O filme trata de muitos outros elementos, a visão binária atual; claro ou escuro, escolha ou ausência, ciência dogmática ou negacionismo; a emancipação das mulheres; paradoxo entre livre arbítrio e determinismo, e outros mais.   

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