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Homero Gottardello

Jornalista, Bacharel em Direito, Música (habilitação em “Teoria Geral da Música”) e Belas-Artes (habilitação em “Cinema”)

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MC Kevin: explorado e pronto para o esquecimento

Grande mídia vende para uma juventude pobre e marginalizada a falsa ilusão de que, com sua música, ela poderá ascender à alta roda

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A grande mídia usa de muitas artimanhas para confundir o público, fingindo que mantém um espaço democrático, enquanto pavimenta o caminho para a manutenção da hegemonia das classes dominantes. Um desses artifícios é fingir que reconhece valor artístico em alguns movimentos da periferia, como o funk, e a “vida lôka” de MC Kevin, seu sucesso meteórico e seu desfecho lastimável, espelha essa mentira, uma fabulação dos setores mais reacionários de nossa sociedade que, jogando confete em talentos saídos das favelas paulistanas e cariocas, não fazem mais do que o contraponto niilista da repressão da policial. Na verdade, estão vendendo para a juventude pobre e marginalizada uma ilusão: a de que a música que ela produz é capaz de tocar a burguesia, que o grito inaudível de revolta da garotada proscrita é um passaporte para seu ingresso na alta roda. Trata-se de uma farsa.

Ao dar espaço para MCs em programas televisivos de grande audiência, a mídia hegemônica não faz mais do que colocar um freio na revolta que, nos últimos 15 anos, transformou as periferias das grandes cidades em um caldeirão pronto para ebulir. Os três ou quatro minutos que concede à música que fervilha na precariedade são, na verdade, uma espécie de travão social, uma válvula de segurança para que a panela de pressão não exploda. É por isso que, além de permitir – a contra-gosto, inclusive – que um MC Kevin apareça em rede nacional, os gigantes da comunicação nacional ainda “colam” nele o rótulo da realização financeira.

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A estratégia de contenção social funciona assim: enquanto aqueles que se insurgem contra o sistema são taxados de traficantes e fuzilados, os que são domesticados, como MC Kevin, são apresentados como batalhadores que alcançaram o sucesso. Esse plano é muito perceptível pela imagem construída para o funkeiro, que corresponde à de um vencedor, de alguém que disse não à criminalidade, que abandonou o tráfico e foi premiado por escolher o caminho do bem, da laboração.

Pergunte para 1.000 jovens de periferia se MC Kevin era rico e todos afirmarão, sem pestanejar, que o funkeiro estava “milionário” – o que não é verdade, já que seu inventário não traz um único em seu nome. Faça a mesma pergunta para uma centena de jovens de classe média e é bem provável que 99 deles tenham a mesmíssima impressão. Mas indague dez rapazes de classe alta, filhos de grandes empresários ou industriais, e você terá uma resposta diferente.

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É que estes últimos sabem muito bem que, por mais que um cantor deste segmento faça shows, apareça na TV e por mais visualizações que suas postagens alcancem, nas redes sociais, ele nunca será aceito no andar de cima, onde é o pedigree que conta – esses fidalguinhos são filhos de uma elite que, por mais atrasada que seja, refuta intrusos.

Despreparado para enfrentar a rapina, MC Kevin foi vítima da adulação de espertalhões, de pseudoamigos que estavam sempre disponíveis para uma balada às suas custas e, também, de uma sociedade segregacionista que, quando dá espaço para egressos dos estamentos mais baixos, é para levantá-los a um ponto bem alto e, de lá, soltá-los para vê-los esborracharem no chão. É gente covarde, que tem prazer em ver frustrados os sonhos de jovens negros e pobres, que se deleita com o desengano, com o sofrimento, com a desilusão daqueles em quem pisa.

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Quem não se lembra do MC Serginho, aquele da “Éguinha Pocotó”, ou dos garotos do Bonde do Tigrão e seu bordão “só a cachorras”?

Eles tiveram tanta ou até mais exposição do que MC Kevin. Cantaram sua música, repetiram seus refrões e suas coreografias centenas de vezes, até o esgotamento. Encheram os bolsos de agentes inescrupulosos, produtores, gravadoras e donos de casas noturnas. Nunca viram nem 10% dos valores de seus cachês e, hoje, moram no mesmíssimo endereço da época em que eram desconhecidos. A eles, foi permitido viajar de avião, dormir e acordar em bons hotéis, conhecer gente rica e até mesmo dar entrevistas. Mas findado seu período exploratório, foram devolvidos à pobreza por pura crueldade, por perversão.

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Sem a qualidade artística de um gênio, como Milton Nascimento, ou a verve contestadora de um Emicida, apenas para citar dois nomes cujo revelo obsta qualquer tipo de crítica, acabam degredados ao seu lugar de origem, à periferia. Um exemplo inequívoco desta depravação do sistema é a penúria em que a dançarina Lacraia morreu, há dez anos. Outro exemplo da forma imoral com que a indústria do entretenimento ludibria MCs como Kevin e similares, foi a moda das mulheres-fruta, um verdadeiro batalhão de moças de origem simples, recrutadas com promessas extravagantes e esquecidas, descartadas tão logo o modismo passou – para sobreviver, muitas delas recorreram à prostituição.

Os capítulos cíveis, que se seguirão à conclusão do inquérito criminal sobre morte de MC Kevin, serão tão lastimáveis quanto o acidente que o vitimou. Viúva (a ex-noiva), parentes, amigos e fãs vão descobrir nos próximos meses, já bem longe dos holofotes do noticiário, que ele não passava de Kevin Nascimento Bueno, um sonhador que teve seus 15 minutos de fama, que morreu de uma forma estúpida, que acreditou no conto de fadas da pilhagem e que, assim que surgir um novo funkeiro para preencher seu nicho no mercado fonográfico, será prontamente esquecido.

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Que sua consternadora história sirva para alerta para quem acredita na bondade do patrão, na hipocrisia dos aplausos, na impostura dos elogios de uma fina flor de abutres.

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