Mensagem para deixar cair nas linhas inimigas
Este texto é uma mensagem aos que ainda preservam a lucidez, que ainda têm nas mãos a decisão de se tornar uma pessoa justa ou um inimigo dos mais frágeis
Este texto é uma mensagem aos que ainda preservam a lucidez, que ainda têm nas mãos a decisão de se tornar uma pessoa justa ou um inimigo dos mais frágeis.
Você - que há tempos veio do campo para a cidade; você - que começou a trabalhar desde muito cedo, de modo que suas lembranças de infância se misturam a lembranças de ofício, memória do dinheiro deixado nas mãos dos pais para ajudar em casa; você - que conheceu um mundo duro, de poucas oportunidades, desde os escritórios com a novidade do telefone até as serrarias, serralherias, o odor de madeira, as tecelagens e seu vapor, o concreto das obras, a mutilação dos companheiros; você, enfim, que conheceu a escassez, a marmita sem carne - por favor, não nos abandone.
Não abandone os que ficaram para trás. Pois nunca existiu uma luta que fosse luta de um homem só.
Você foi à cidade para brigar por uma vida melhor. Ou seja, foi à cidade para tomar para si os bens materiais que - essa era a promessa - estavam ao alcance de quem quisesse trabalhar. A verdade, porém, era mais dura, e ainda é. Quero que você entenda agora que faz parte de uma batalha, da qual é a vanguarda, a cavalaria ou a infantaria - este texto é para que você não esqueça a essência da luta que empreendeu, ao sair de lá, deixando outros na retaguarda.
A luta foi por uma vida materialmente melhor. Porque havia riqueza, mas essa riqueza estava nas mãos de poucos - como ainda está - essa a prova de que a guerra não acabou. E você foi lá, e conseguiu, tomar a sua parte, ainda que modesta. Mas você não foi lá para tomar apenas a sua parte; você foi a vanguarda de um movimento muito maior. Você estava, sim, na frente, mas havia uma multidão por trás, e que desejava o mesmo que você, porque estavam juntos na luta. Você foi atrás da riqueza que sempre foi proibida a pessoas como você - essa a questão. Sua luta era também contra essa proibição.
Você fará parte, agora, dos que nos proíbem? Engrossará a voz dos jornais corporativos, que nos mandam trabalhar quando não há emprego? Que arrancam salário e direitos, para estabelecer a miséria como norma?
Mas, e os que ficaram para tŕas? Você irá esquecê-los? Imagine que não fosse assim, que estivesse de fato sozinho. Um mundo de ficção, onde ninguém subiria, ninguém desceria; somente você tentaria o caminho em uma guerra solitária. Seria possível? Você ultrapassaria sozinho as linhas inimigas? Diga-me: você percebe que sua luta é uma luta da multidão, dos que merecem o que está nas mãos de uma pequeníssima fração de nobres encarquilhados? Que esses nobres plutocratas são incapazes de lutar, que nunca ganhariam de vocês sem - precisamente - você, agora, se voltando para o lado inimigo? Sua luta pelo progresso é uma luta coletiva, em direção a uma vida mais justa, mais igualitária, em direção à vida que enfim faça jus ao nome.
E então, lembre-se que no meio dessa multidão houve os que levaram tiro e sobreviveram; houve os que caíram, os que ficaram de pé; porque a cidade e o campo são o mesmo lugar, há a mesma violência que percorre toda a espinha do país, mas na cidade grande ela não está quieta, habitual e opressiva - ela explode. E na luta ali, na cidade, no fronte, alguns caíram, você teve a sorte e a competência - é claro, porém sem esquecer de que uma acompanha a outra - de conquistar um pedaço de terreno. Mas a luta está lá, ainda - e se você fingir que terminou, que se acabou a guerra porque você avançou no chão, então você irá se tornar um inimigo. Porque você foi lá para demonstrar que aquela riqueza não era de poucos, mas sim de pessoas como você; se você tem, hoje, sua casa, então significa que foi lá, lutou, e teve sua casa, quando ninguém do outro lado da luta queria deixar que seu quinhão fosse seu. Você foi atrás de progresso. Sim, de progresso. Você é, sim, um progressista. E agora que conseguiu um parco progresso pessoal, exibe seus ferimentos de batalha e se volta para atacar os que, hoje, fazem como você? Quando foi que desistiu da luta? Você deveria saber desde o começo - para nós não há nem haverá descanso.
Os que não conseguiram estão lutando. Para que a riqueza não seja de poucos. E, saiba, sua luta não acabou - não vire seu cavalo contra a infantaria do teu exército. Porque os ricos ainda estão ciosos de seu dinheiro, não te dão nada, ainda estão te roubando, ainda estão te impedindo o acesso aos bens materiais que tanto merece e deseja - e não só a você, mas a todos os outros, teus irmãos em luta. Se alguém te disse que sua luta acabou, é um espião, é inimigo. Não creia. Porque a luta nunca acabará até que outros do nosso lado também tenham seu quinhão. Entenda, é uma guerra. E a luta só acabará quando ninguém mais entre nós tiver a necessidade de se ferir.
Lembre-se da luta. Porque a luta nunca foi só sobre você e sobre a sua família. Porque, se não houvesse retaguarda, se não houvesse o sofrimento massivo dos teus outros irmãos, se não houvesse riqueza horrivelmente concentrada nas mãos de poucos, você não ousaria lutar. Pense, por favor: se sua força foi descomunal, então ela foi mais do que só sua.
A luta pelo progresso e pela vida melhor está apenas começando. Precisamos de você, de sua experiência, das tuas cicatrizes. Estamos ganhando terreno. E se você se volta, e clama - “olhe aqui, quanto sofri! quanto me feri! como lutei desde menino, desde menina! e você reclama?” - então já assumiu nossa derrota, e se volta contra nós. Mas, como teríamos parado de lutar, se ainda estamos morrendo? Se você se volta contra nós, não para nos motivar, mas para nos atacar, então significa apenas uma coisa: desistiu da vitória, aceitou sua ração e seu pedaço de descanso, e enterrou sua coragem para se virar contra os teus, os miseráveis que lutamos ainda com os pés no chão.
Lembre-se que sua luta é ainda contra os poucos que têm a riqueza, a fortaleza - e que essa fortaleza, com sua ajuda, irá cair.
Esse é nosso único lema: a boa vida. Mas a boa vida não será boa, se for só deles, se for só sua.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

