Merz, tire sua arrogância do caminho que Belém vai passar
A declaração xenófoba de Friedrich Merz sobre a COP 30 e Belém revela mais seu eurocentrismo do que a beleza da Alemanha que tanto exalta
O chanceler alemão Friedrich Merz protagonizou uma fala que — para dizer o mínimo — resvala na arrogância e no desdém cultural. Durante um discurso no Congresso Alemão do Comércio, ele achou que seria de bom tom afirmar que os jornalistas que o acompanharam à Cúpula de Líderes da COP 30, em Belém, "ficaram contentes por termos retornado à Alemanha". E completou: “especialmente daquele lugar onde estávamos”.
Uma afirmação dessas, vinda da cabeça de governo da Alemanha, não só soa xenófoba, como injuria profundamente o Brasil — especialmente Belém — e seus habitantes. Trata-se de um preconceito velado (ou nem tão velado) que reduz a Amazônia àquelas ideias rasas de “desconforto tropical”: calor, pobreza, natureza selvagem, que justificariam o alívio dos visitantes de voltarem para a “civilização européia”.
No entanto, por trás desse discurso há também uma contradição grave. Merz, enquanto defende a “defesa da Alemanha livre, da democracia e de sua ordem econômica”, tem demonstrado alinhamentos geopolíticos que minam sua retórica de autossuficiência.
Arrogância ofende os brasileiros e os próprios alemães da Amazônia
Quando Merz compara Belém com a Alemanha, ignorando voluntários, residentes ou alemães que vivem na região amazônica, ele menospreza também a escolha de muitos cidadãos alemães que decidiram construir suas vidas longe da Europa. Ele desconsidera que convivência intercultural existe — e vai muito além de uma viagem diplomática ou de imprensa. Sua fala revela uma visão estreita de mundo em que “Belém” é apenas um ponto de parada desconfortável, e não uma cidade com identidade, história, desafios e potencial.
Esse tipo de retórica não apenas desrespeita os brasileiros, mas também agride a dignidade daqueles alemães que optaram por morar na Amazônia ou colaborar com projetos ambientais na região. É uma visão colonial renovada: o “metropolitano” olhando para a “periferia tropical” como algo exótico, subdesenvolvido, incompatível com o conforto europeu.
“Nacionalismo” de Merz mascara subserviência estratégica
Merz ainda aproveitou o discurso para pedir que os presentes defendessem a Alemanha e seu “senso de proporção e equilíbrio” — como se sua visão estivesse acima do resto do mundo. No entanto, esse incentivo nacionalista contrasta com sua prática diplomática: desde que assumiu, tem buscado um alinhamento explícito com os Estados Unidos de Donald Trump.
Sob seu governo, a Alemanha reforçou compromissos transatlânticos — mantendo os EUA “a bordo” em temas de Ucrânia e segurança. Sua visita a Washington em 5 de junho de 2025 simbolizou essa afinidade: ele defendeu aumentos substanciais nos gastos com defesa, via OTAN, e decidiu priorizar a cooperação bilaterial com os americanos. Críticos apontam que isso revela que a “defesa da Alemanha” para Merz tem mais a ver com interesses externos do que com soberania genuína.
Não foram apenas líderes brasileiros que reagiram à fala de Merz: dentro do próprio governo alemão, a declaração causou desconforto. O ministro do Meio Ambiente, Carsten Schneider (do SPD), elogiou Belém em diversas falas à imprensa, relatando sua surpresa positiva ao visitar a cidade. Na sua passagem pela capital paraense, Schneider participou de uma visita ao Parque Ecológico Gunnar Vingren ao lado do prefeito local, Igor Normando, e destacou que para ele, vindo de Berlim, “é muito especial ver isso pela primeira vez”.
Schneider também reforçou a cooperação ambiental entre Alemanha e Brasil, assinando um acordo para preservar a biodiversidade urbana e apoiar o desenvolvimento climático de Belém. Além disso, afirmou que a Alemanha revelará em breve o valor exato de sua contribuição para o Fundo Florestas Tropicais Para Sempre (TFFF), iniciativa brasileira essencial para proteger a Amazônia.
Essa reação interna revela que Merz estava fora de sintonia — não só com o Brasil, mas com parte significativa de seus próprios aliados no governo.
O evento em Belém reforça a importância estratégica da Amazônia para o mundo — e não apenas simbolicamente. Projetos de cooperação técnica, ações de adaptação, proteção da biodiversidade já ganham corpo, e a Alemanha demonstra vontade real de participar.
Merz deveria tirar da sua retórica a arrogância de quem se imagina “acima” de outras nações. A declaração sobre Belém não é apenas uma gafe diplomática: é uma demonstração de eurocentrismo que ataca a memória, a cultura e o valor político de um país soberano. Mais grave ainda, ofende cidadãos que escolheram chamar a Amazônia — e o Brasil — de lar.
Se ele quer defender a Alemanha, que o faça com competência, respeito e humildade — e sem usar o Brasil como escada para exaltar sua própria visão de mundo. Afinal, Belém não é apenas um ponto geográfico de passagem, mas um centro urbano pulsante, incrustado no coração da Amazônia, que acolhedoramente recebeu dezenas de milhares de pessoas de várias partes do planeta, para discutir soluções de transição energética e financiamento climático pela degradação ambiental causada no mundo, entre outros países, pela Alemanha com sua industrialização.
Merz, que bom que você já saiu do Brasil. Não precisamos de sua arrogância. Faça-nos a gentileza de não retornar mais.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

