Meu amigo Pacheco...
De toda sorte e na medida em que a vida que dá é a mesma vida que tira, ficam as lembranças
Meu amigo Pacheco...
Consternado, leio a notícia do passamento (a que tudo indica em um latrocínio no elegante bairro paulistano de Higienópolis) do querido amigo e valoroso Advogado criminalista, Luiz Fernando Pacheco.
Não sei se vocês se recordam, mas eu sempre esclareço que não me dou bem com a morte – prefiro a vida. Assim e então, o adeus (precoce) de Pacheco foi mais um golpe duro que o finamento me reservou, naquilo que morrer, definitivamente, não compõe o portfólio de minhas paixões mundanas.
De toda sorte e na medida em que a vida que dá é a mesma vida que tira, ficam as lembranças, ainda que vivamos tempos de deslembrar, naquilo que o fascismo que se anuncia sem qualquer pudor, é inimigo do conhecimento e, de consequência, da memória.
Memória e desejo, aliás, são as valenças mais marcantes de meu amigo assassinado. A primeira lhe abraçou desde sempre e se liga à sua origem, na pequena Cruzeiro, interior paulista, suposto que Luiz Fernando jamais se esqueceu do lugar de onde veio. Já a segunda (desejo) diz por tudo e por todos que, com ele, repartiram a felicidade de um corte no destino, entremeio muitas e muitas festas coloridas pela lua.
Poucos celebraram a vida com tanta intensidade feito meu amigo...
Noves fora, gostava (e muito) do Pacheco, com quem convivi superficialmente desde a virada do século, vindo a entendê-lo mais substancialmente por volta de 2008, na ocasião do julgamento da admissibilidade da denúncia ofertada nos autos da ação penal 470 (STF), onde Luiz Fernando patrocinava os interesses de José Genoíno...
O conhecimento inicial, já o disse, foi de distanciamento, apesar de respeitoso, uma vez que entendemos em uma ação penal (denúncia ofertada em 1999), no interior paulista, por crime de homicídio – ele e o professor Márcio funcionaram na assistência da acusação; eu patrocinei o réu.
O fato de litigarmos em polos opostos, em processo rumoroso e de enorme apego midiático, nos fez distantes – em nome do interesse das partes e da liturgia da metodologia – ainda que não nos tenha afastado ou inimizado as valenças profissionais.
Via em Pacheco, desde o início de nosso estranhamento (contenda no processo em comarca do interior de São Paulo), uma figura muito agradável, de fácil trato e enorme apego às palavras molhadas – Pacheco gostava do gole e eu também...
A euforia midiática nos acautelou o trato pessoal, além da conta. Assim, um do outro ficamos sabendo mais por amigos comuns (o maestro de tutti maestri, Antônio Cláudio Mariz de Oliveira e o grande criminalista Denis) do que por nós mesmos.
Isso permaneceu até 2008 quando estivemos em um palco diferente e sob outros holofotes. Isso quebrou o gelo, mas não o suficiente para encaminhar qualquer gole, naquilo que seguíamos na contenda interiorana paulista e as mazelas se projetavam em direção ao embate derradeiro do plenário do Júri.
Na ocasião do julgamento plenário do homicídio (creio que 2011), nos batemos por nossas teses e Pacheco e o professor Márcio levaram a melhor, vencendo minha tese de homicídio privilegiado por um voto de diferença (4 a 3).
Findo o julgamento a vida seguiu e, na medida em que o réu saiu preso do plenário, segui atuando em um Habeas Corpus no TJSP, onde consegui recompor sua liberdade, bem assim na apelação que proliferou, anulando o julgamento.
Com a anulação do julgamento o cidadão réu optou por uma mudança de profissional e eu me retirei do processo – isso em 2012/13.
A minha história com Pacheco ganha alma e, principalmente, copo, naquilo que sem a amarra da contenda processual interiorana, pudemos nos encontrar e molhar a palavra, algumas vezes.
A primeira, que bem me recordo agora, se deu no Piantella, onde nos encontramos por força do acaso e acabamos por repartir a mesa, regada a muitos goles e boa comida – que Pacheco gostava de ambas...
Foram horas de prosa fluente e muitos tragos, onde lembramos o julgamento no interior paulista. Nesta ocasião e então, pude ouvir dele, contra quem esgrimi a acusação, talvez o maior dos elogios que um Advogado possa merecer.
A vaidade, então, entrou em cena e, na medida em que a sua fala elogiosa já me era conhecida pela boca do amigo Denis, a palavra apenas aprumou o assunto, onde o que valeu de verdade foi conhecer uma figura tão intensa feito Pacheco.
Do Piantella à São Paulo, algumas semanas depois, onde ele me levou em um local que o próprio Luiz Fernando apelidou de ‘meu bar’ (um bar próximo à marginal Pinheiros) e, de fato e por direito adquirido, lá ele era Rei!
Pacheco, a propósito, reinava em qualquer situação onde as reminiscências e a humanidade se fizessem presentes. Sua visão de mundo, singela e sem qualquer bifurcação, sempre apontava para uma festa regada a muitos tragos e boa comida.
Pacheco era ungido de um joie de vivere que se lhe precedia em qualquer situação, fosse em seu terreno conhecido (a mesa do boteco ou o plenário de um Tribunal) ou em um ambiente funesto qualquer (de velório a visita em hospital).
Foi (segue sendo em minhas memórias) um sujeito fabuloso, cujo apego extraordinário pelas coisas da vida custaram a sua própria.
Neste momento desastrado de nossa história, onde os fascistas saíram do armário em que se escondiam, alguém de peito aberto, que atue profissionalmente em defesa dos apontados em processos criminais dos mais distintos, sem qualquer temor e/ou amarra de interesse, com independência, denodo e paixão, já se destaca naturalmente. Se este cara for um apaixonado pela vida e suas esquinas, tanto quanto mais e mais emoção desperta.
Pacheco foi esse cara – que a terra lhe seja leve!
Tristes trópicos.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

