Milei-Trump vencem com chantagem e dívida bilionária
O povo argentino não elegeu apenas um governo, mas um fiador para a dívida imposta por Trump
O governo libertário de Javier Milei impôs o medo do desastre, e o povo argentino, entre o pânico econômico e a chantagem internacional, acabou garantindo a vitória eleitoral de um projeto que mantém o país sob tutela estrangeira. A coalizão La Libertad Avanza (LLA) venceu as eleições legislativas deste domingo em 16 dos 24 distritos do país, obtendo 40,84% dos votos, contra 34,8% do peronismo reunido na Frente Fuerza Patria.
O resultado foi recebido com euforia na Casa Rosada e em Washington. Milei superou a prova eleitoral, mas à custa de um aumento líquido de US$ 40 bilhões na dívida externa, montante enviado diretamente pela Casa Branca como parte do “resgate” negociado com Donald Trump e o secretário do Tesouro, Scott Bessent. O país tornou-se, nas palavras de analistas argentinos, a “garantia viva” dos fundos americanos.
“Se Milei perdesse, o desastre seria imediato”, alertavam os meios libertários durante a campanha. O medo da bancarrota funcionou como combustível político. Entre a recessão, a inflação e o caos social, o eleitorado preferiu adiar o colapso, apostando na continuidade. Milei, com sua retórica de cruzado do mercado, prometeu “reformas profundas” em três frentes: trabalhista, previdenciária e educacional — o mesmo receituário ultraliberal que já provocou o aumento de 852% nas passagens de transporte e o desemprego em massa na construção civil.
Apesar da vitória, o presidente perdeu fôlego popular. Obteve 15 pontos a menos que em 2023, e dois milhões de votos a menos do que Mauricio Macri conquistara nas legislativas de 2017. Mesmo assim, apresentou o resultado como uma “vitória sobre o kirchnerismo” e prometeu reunir os governadores “procapitalistas” para consolidar sua base parlamentar e acelerar as reformas.
O mapa político da Argentina se pintou de violeta, cor do libertarismo, em 16 províncias. A vitória mais simbólica foi em Buenos Aires, que havia dado uma dura derrota a Milei em setembro. Desta vez, o governo reverteu a diferença com uma combinação de medo, manipulação cambial e propaganda sobre o “apoio americano”.
Mas a base de sustentação política de Milei é frágil. O país viveu semanas de convulsão política com renúncias em massa de ministros às vésperas da votação. O chanceler Gerardo Werthein e o ministro da Justiça, Mariano Cúneo Libarona, chegaram a pedir demissão, e o ministro da Defesa, Luis Petri, e a da Segurança, Patricia Bullrich, devem ser substituídos. “A liberdade requer ordem”, disse Bullrich, frase que soou como aviso de endurecimento contra protestos e greves.
Do outro lado, o peronismo manteve sua força histórica, ainda que derrotado. O governador da província de Buenos Aires, Axel Kicillof, afirmou que Milei venceu graças ao pânico que provocou na população. “Ele foi pedir socorro a Trump e aos fundos de investimento. Nenhum deles é beneficente, vêm buscar lucro e levar nossos recursos”, disse ao lado de Sergio Massa e Máximo Kirchner.
O peronismo perdeu cerca de 200 mil votos em Buenos Aires, mas manteve seus bastiões no norte e centro do país. Internamente, o movimento debate a decisão de ter desdobrado as eleições provinciais em setembro, o que, segundo dirigentes kirchneristas, acabou estimulando o “voto útil” antiperonista.
A grande derrotada foi a aliança Provincias Unidas, formada por governadores radicais e peronistas dissidentes, que colheu apenas 5,12% dos votos. O projeto, liderado por Juan Schiaretti e Martín Llaryora, afundou em meio à polarização e à falta de identidade política. Como resumiu o Página/12, “entre o original e a cópia, o eleitor escolheu o original libertário”.
Com a vitória, Milei e Trump consolidam uma relação simbiótica: o norte-americano garante o crédito e o discurso ideológico; o argentino entrega soberania, patrimônio e narrativa. A “colônia libertária” se fortalece, mas às custas da autonomia nacional.
O resultado permite a Milei respirar por algumas semanas, mas retira o último argumento de desculpa. A partir de agora, o desastre argentino tem nome, sobrenome e endereço: Javier Milei.
A vitória de Milei é, antes de tudo, a vitória do medo sobre a esperança. O país votou sob chantagem econômica e submissão política, financiado por Washington. Portanto, o povo argentino não elegeu apenas um governo, mas um fiador para a dívida imposta por Trump.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

