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Luna Zarattini

Cientista política de formação e feminista com convicção. É educadora popular e coordena a rede de cursinhos populares Elza Soares

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94 anos de Milton Santos

Luna Zarattini escreve sobre os 94 anos que teria hoje Milton Santos; Em sua genialidade, ele "nos legou, não as respostas, mas a perguntas a serem pensadas e discutidas à luz da geografia humana, como num passo-a-passo para que as resolvemo-las em busca de uma sociedade e política brasileira democrática, livre e seguidora de sua própria dinâmica no nacional-desenvolvimentismo do país"

(Foto: Reprodução/Site Milton Santos)
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Milton Almeida dos Santos (1926 – 2001) Geógrafo renomado mundo a fora e titular de geografia da Universidade de São Paulo (USP) completaria hoje 94 anos de idade. Foi consagrado com o prêmio Vautrin lud (equivalente ao Nobel da Geografia) em 1994, tendo feito seu doutorado pela universidade francesa de Estrasburgo, e sendo também Doutor Honoris Causa por outras 11 universidades em 7 países diferentes.O baiano da cidadezinha de Brotas de Macaúbas foi crítico ferrenho do Establishment, do modelo da reforma agrária brasileira, do caminho que a economia urbana do terceiro mundo estava fadada a seguir, e, sobretudo, crítico do modelo de globalização que se apresentava desde a segunda metade do século XX até os dias de hoje. E assim propôs a geografia pensada como filosofia.

Embora seja difícil imaginarmos a geografia como algo além de relevos e paisagens, Milton fez questão de que todos soubessem da sua amplitude e relação com os problemas sociais que o país vivia à sua época.  E pode-se dizer que a sua principal contribuição nesse sentido é a crítica feita a Globalização, escancarando uma sorte de consequências oriundas dela. Mas afinal qual o problema da globalização?

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Para Milton a grande questão é que ela se mostra como uma modernização e desenvolvimento das nações junto com o crescimento de suas riquezas, porém, como intelectual da realidade latino-americana, ele percebia que ao passo que o mundo se “desenvolvia”, as desigualdades sociais aumentavam e o que prometiam ser “regra” não o era para a maioria das nações, fazendo-a com que deixasse de ser “regra” para ser apenas perversidade. 

“Um mercado avassalador dito global é apresentado como capaz de homogeneizar o planeta, quando na verdade, as diferenças locais são aprofundadas”

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Em sua entrevista no programa Roda Viva em 1997 chegou a dizer que “O processo de globalização é uma única forma de utilizar os recursos que a humanidade pode gerar nesse fim de século de forma perversa”. Portanto, para além do desenvolvimento do meio técnico-informacional, da velocidade de informação e comunicação, o geógrafo dizia, quando perguntado qual o problema desses avanços, que “é simples, nem todos terão acesso”.

O processo globalista nos foi passado como uma paráfrase dos lemas eleitorais da década de 60 em que “ou o Brasil se globaliza ou se desintegra”. A contribuição de Milton Santos é a de nos elucidar de que este processo resulta de uma necessidade do sistema (i.e. grandes potências e centros frouxos como os conglomerados empresariais – nas palavras do geógrafo) de impor uma forma ideológica, baseada num velho ideal da humanidade da comunhão universal, mas que, paradoxalmente, é feita para anular a unidade dessa mesma comunhão e estratificar as nações da forma que lhes convém.  Assim, pode-se dizer que em grande verdade ou uma nação sucumbe a globalização ou ela se desintegrará, mas deliberadamente e não por conta própria. 

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Milton Santos observando o malgrado desse processo tentava resistir como podia. Quando presidente da Comissão de Planejamento Econômico (CPE) trouxe à tona a ideia de taxação progressiva da riqueza, o que foi um dos motivos que o levara a prisão em 1964 no início da Ditadura Militar. A noite de 21 anos, assim como forçara o exílio de muitos intelectuais brasileiros, forçou o exílio do Professor. Partiu então para a França, onde trabalhou como professor convidado em importantes universidades francesas como as de Toulouse, Bordeaux e Sorbonne. É desse contexto e dessa vivência que ele traz uma outra crítica que nos deixa ensinamentos até hoje: uma análise da globalização no nível da política.

Enquanto os países europeus e os EUA escolhiam suas trilhas, Milton alega que o Brasil deixara a globalização entrar da forma perversa tal como ela é, em vez de o próprio país encontrar uma alternativa para si – como nas décadas anteriores à Ditadura Civil-Militar em que se ouvia dizer em Projeto Nacional e industrialização. Mas a problemática vai mais a fundo do que isso. Milton Santos é assertivo em dizer que não é somente o governo liberal que possui a culpa no não desenvolvimento de um projeto nacional, mas também o aparelho de Estado.

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“A questão central é que próprio aparelho de Estado não tem um projeto explícito, então, em um país onde o aparelho de Estado não tem um projeto, os partidos dificilmente podem ter como discutir.”

Nesses moldes, Milton define a política como justamente o exercício de debate e escolha desses projetos e que somente assim haveria democracia. Além disso, deixa à oposição do liberalismo e dos retrocessos um norte de como seria essa resistência. Na visão do geógrafo haveria pelo menos duas esquerdas, a que nos partidos age ao sabor do dia-a-dia conforme o governo escancara suas contradições e a esquerda intelectual, portadora de mais longo alcance e despreocupada de aspirações de poder. Portanto se desejamos alcançar no Brasil uma vida política séria e consistente, para o professor, não há outra alternativa senão a de “um trabalho simultâneo, mas autônomo, entre esquerdo-pensantes e esquerdo-agentes”.

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Mas haveria uma dificuldade no alinhamento dessas forças no que tange a intelectualidade brasileira, o que nos leva a um terceiro ponto extremamente criticado pelo geógrafo. Não há dúvidas de que os intelectuais são agentes necessários para pensar a política e para teorizarem novas ideias e novos planos, todavia há um impasse destacado por Milton Santos característico do universo brasileiro: A intelectualidade brasileira se forjou em um ambiente hermético, impermeável, que haveria de ser rompido para que pudesse ser exprimida. Além disso, o intelectuais brasileiros tem uma natureza de formação que prefere o Establishment do que a atividade e capacidade crítica, traindo a sua missão e postergando qualquer avanço sócio-político. 

Posto isso, nos deparamos com um ambiente em que a globalização se adentra desenhando as nações do terceiro mundo aos seus moldes e ditames, enquanto nossas soluções para que possamos criar, autonomamente, um projeto nacional próprio, oriundo do exercício da política ainda possuem barreiras a serem rompidas (i.e. o núcleo duro da atividade intelectiva universitária). Assim Milton Almeida dos Santos nos legou, não as respostas, mas a perguntas a serem pensadas e discutidas à luz da geografia humana, como num passo-a-passo para que as resolvemo-las em busca de uma sociedade e política brasileira democrática, livre e seguidora de sua própria dinâmica no nacional-desenvolvimentismo do país.

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