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Marco Mondaini

Historiador e Professor da Universidade Federal de Pernambuco. Coordena e apresenta o programa Trilhas da Democracia, exibido aos domingos na TV 247.

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Mino Carta e o comunismo italiano pelas ruas do Recife e de Olinda

A amizade e as memórias de um grande jornalista, entre palestras, encontros e reflexões sobre a história do comunismo italiano

Mino Carta (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

A breve história que passo a relatar agora tem seu início em fins de outubro de 2011. Na ocasião, a Carta Capital publicou na seção Livros uma pequena resenha sobre dois livros que eu havia publicado, respectivamente, nos anos de 2009 e 2011: Do stalinismo à democracia. Palmiro Togliatti e a construção da via italiana ao socialismo; Democracia, valor universal. Enrico Berlinguer.

A pequena resenha me animou a escrever uma mensagem eletrônica a Mino Carta, convidando-o a dar uma palestra sobre jornalismo e política no Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal de Pernambuco, espaço no qual lecionava há pouco mais de sete anos. Um convite, diga-se de passagem, que eu imaginava nunca seria sequer respondido.

Mas, para minha surpresa, Mino Carta não apenas respondeu, como aceitou com muito prazer o convite para palestrar, pedindo, no entanto, que sua estadia (paga integralmente pelo próprio) se estendesse por um fim de semana, cabendo à universidade pagar exclusivamente a sua passagem aérea.

No dia da sua palestra, em que fez a defesa enfática do princípio maquiaveliano da “verdade efetiva dos fatos” e da necessidade de se empreender a luta pela hegemonia nos termos gramscianos, fiquei responsável por transportá-lo do hotel em que havia se hospedado até a universidade.

Como já se havia passado do meio-dia, encontrei Mino Carta com uma taça de vinho à mão e um sorriso acompanhado de uma simpática saudação: “Caro professor Mondaini, obrigado pelo convite!”.

No percurso até a universidade, a conversa girou em torno das figuras de Gramsci, Togliatti e Berlinguer – sobre a singular história do comunismo italiano, que nós dois bem conhecíamos –, com intervalos voltados à descrição de pontos turísticos da capital pernambucana.

Durante a palestra, acompanhado por uma lata de Coca-Cola, em vez da costumeira garrafa de água mineral, Mino Carta pôs-se a falar para uma plateia de estudantes que, infelizmente, já não tinham a exata noção da importância do genovês que dirigiu Quatro Rodas, Veja, IstoÉ e Carta Capital para o jornalismo crítico brasileiro.

No dia seguinte à palestra, Mino Carta almoçou com o então governador de Pernambuco, Eduardo Campos, no restaurante Leite, localizado no bairro de Santo Antônio, fundado em 1882. Confessou-me que nunca havia comido um bacalhau tão delicioso na sua vida, mas não disse uma palavra sequer sobre os assuntos tratados com o político que viria a falecer tragicamente em agosto de 2014.

Na noite do mesmo dia, fomos eu e Mino Carta, com nossas companheiras à época, ao famoso restaurante Oficina do Sabor, nas ladeiras de Olinda, saborear morangas e vinhos. Outra vez, as conversas giraram em torno da história do comunismo italiano até que nos demos conta de que não havia mais ninguém no restaurante. Quando chamei o garçom para pedir a conta, soube que Mino Carta já a havia pago no momento em que se levantara para ir ao banheiro.

Despedimo-nos na entrada do hotel em que estava com um abraço e, depois disso, tive a ocasião de reencontrá-lo rapidamente por ocasião do lançamento do seu livro Brasil, no Recife, em 2013, quando escreveu a dedicatória que reli muito emocionado quando soube do seu falecimento: “Ao Mondaini, meu inesquecível cicerone em noites e dias felizes".

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Mensagem de Mino Carta a Marco Mondaini(Photo: Arquivo pessoal)Arquivo pessoal

Dez anos depois, em janeiro de 2023, Mino Carta ainda escreveria de próprio punho um artigo na seção Plural de Carta Capital, por ocasião da publicação da minha tese de Professor Titular sobre Enrico Berlinguer: A invenção da democracia como valor universal. Enrico Berlinguer e o comunismo democrático italiano (1972-1984).

O Brasil acaba de perder um dos seus maiores jornalistas. Eu sinto-me um pouco mais melancólico por ver partir aquele que mais senti prazer em ciceronear pelas ruas do Recife e de Olinda, em meio às conversas sobre o comunismo italiano.

Arrivederci, Mino!

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.