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Moradia: um desprezado direito humano

É importante frisar: a moradia é um direito humano inalienável, como estabelece o artigo 25º da Declaração Universal dos Direitos Humanos

É importante frisar: a moradia é um direito humano inalienável, como estabelece o artigo 25º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (Foto: Roberto Bitencourt da Silva)
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Integrantes da seção carioca e fluminense do Movimento Nacional de Luta pela Moradia estiveram, na semana passada, no Ministério das Cidades. De acordo com o coordenador estadual do MNLM-RJ, Vinícius Neves, os ativistas, que promovem a causa do direito popular à moradia, deslocaram-se até Brasília por conta da "burocracia" e da "inexistência de vontade política do governo estadual" em regularizar a situação das famílias que protagonizam a ocupação de um prédio público. O prédio fica próximo à Cinelândia, no centro da cidade do Rio de Janeiro. A ocupação tem o nome de Manoel Congo e existe há 7 anos. Conta com "42 famílias que sofrem para ver efetivados os seus direitos à moradia", segundo Neves.

O prédio pertencia ao INSS e, por meio de recursos federais, foi adquirido pelo Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro (ITERJ) no ano de 2011, visando à habitação por interesse social. As famílias que ocupam o prédio desejam obras de melhorias para terem um lar digno. Contudo, elas se deparam com diversas barreiras. Uma destas é a burocracia: o governo estadual esqueceu de publicar no Diário Oficial da União a licitação das obras a serem realizadas, o que levou à suspensão da reforma do prédio. Convenhamos, um inadmissível lapso de memória.

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Em Brasília, os integrantes do MNLM-RJ foram recebidos pela diretoria do Departamento de Produção Habitacional do Ministério das Cidades. Nas palavras de Neves, a diretoria "se comprometeu a elaborar uma proposta de contrato junto ao ITERJ, para que este conceda o prédio para o MNLM-RJ". Dentre as famílias que integram a ocupação Manoel Congo encontram-se migrantes de estados nordestinos. Todavia, famílias de sem teto provenientes de favelas e bairros populares da região metropolitana do Rio de Janeiro formam a maioria.

Outras ocupações promovidas pela entidade no Rio de Janeiro possuem semelhante perfil de lutadores/as sociais e são feitas em instalações físicas abandonadas, bem como em terrenos ociosos do Poder Público. Esse é o caso da ocupação Solano Trindade, que se mantém firme e forte, desde o último mês de agosto, no município de Duque de Caxias. Os constrangimentos judiciais e policiais são corriqueiros contra os ocupantes do terreno. Também a ocupação Mariana Crioula, com mais de 50 famílias de sem teto, a duras penas tenta se estabelecer na região portuária do Rio.

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Coletivos populares, como o MNLM-RJ, são extremamente importantes. Conforme destaca o próprio MNLM-RJ, busca-se "a reforma urbana, sob o controle dos trabalhadores, para garantir a universalização dos direitos sociais" (1). Essas organizações possuem a capacidade de contestação da lógica especulativa que impera nas metrópoles. Ademais, dão visibilidade à necessidade de se conceber a moradia como direito coletivo e não como mercadoria. Desavergonhada e acentuadamente, nos últimos anos, é a mercantilização da moradia o que tem sido praticado nos grandes centros urbanos brasileiros.

Rentismo e especulação imobiliária

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A cidade do Rio de Janeiro convive com um intenso aumento dos valores dos alugueis e com a especulação imobiliária. Segundo reportagem da BBC, o índice Fipe-Zap, entre janeiro de 2008 e abril de 2014, identificou um crescimento no valor médio do aluguel de 144% no município. Um tremendo descompasso em relação à inflação oficial no período, que não ultrapassou o índice acumulado de 45%. Além disso, a propaganda de venda de imóveis, para as classes altas e médias, não deixa de revelar o sentido do boom de construções prediais no Rio: "Faça um bom negócio". Esse é um slogan comum. Mas, bom negócio para quem? Àqueles que possuem capital acumulado e compram para obter um retorno financeiro, sob a forma de lucrativos alugueis. Dinheiro fácil, sem bater um prego no sabão, sem produzir absolutamente nada. Para a classe trabalhadora não há salário que chegue para poder comprar a sua casa.

Áreas antes tidas como desinteressantes pelo capital financeiro e pelas construtoras têm sido absorvidas pelo processo especulativo na cidade. Conta ainda com a generosa cobertura do Poder Público, sobretudo da Prefeitura do Rio de Janeiro. Especialmente em função das obras de infra-estrutura viária, associadas à Copa do Mundo e às Olimpíadas de 2016, cerca de 65 mil pessoas perderam as suas casas, entre 2009 e 2013 (Brasil de Fato, 5 a 11/09/2013, p.5). O velho e reacionário lacerdismo bate esfuziantes palmas ao prefeito Eduardo Paes. Para o urbanista Carlos Vainer e o filósofo Antonio Negri, os ganhos capitalistas nas cidades consistem em lócus da acumulação parasitária contemporânea. Paes está aí para dar a sua contribuição no Rio.

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Um processo de gentrificação da cidade tem representado decorrência inevitável. Na avaliação do geógrafo David Harvey, uma suburbanização infinita opera como implicação natural desse processo especulativo, por conta da expulsão de moradores pobres para lugares distantes das suas antigas moradias e locais de trabalho. A expressiva erosão da qualidade de vida desses trabalhadores e a exigência pela exploração de mais recursos naturais e orçamentários para os transportes públicos, são algumas consequências nefastas. Maior poluição das águas e do ar, maiores perdas nos salários – com transportes – e da possibilidade de descanso e lazer: eis o que resta para as vítimas.

O programa federal "Minha Casa, Minha Vida", sem a companhia de medidas de governo que contenham a especulação imobiliária e o rentismo, tende a guardar mais um viés keynesiano de geração de empregos do que propriamente realiza o direito à moradia. Em outras palavras, o programa compatibiliza empregos e salários, na construção civil, com o incremento da acumulação capitalista das construtoras e dos bancos. Sob essa lógica, o salário que entra de um lado, sai de outro. Os juros, de acordo com a Caixa Econômica, giram em torno de 5% a 7,5% ao ano. Para um trabalhador precarizado ou assalariado com baixos rendimentos, esses juros não deixam de ser um peso adicional.

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É importante frisar: a moradia é um direito humano inalienável, como estabelece o artigo 25º da Declaração Universal dos Direitos Humanos. No Brasil, o Estatuto da Cidade representa instrumento jurídico fundamental, que também assegura o direito à moradia. Precisa sair do papel. Os movimentos sociais que lutam pelo direito à moradia – como o MNLM-RJ e o MTST, bastante atuante em São Paulo – possuem um decisivo papel para chamar a atenção da sociedade sobre as mazelas geradas pela ditadura do rentismo e da especulação sobre as cidades. É por meio das suas lutas que se abrem possibilidades de realização do direito humano à moradia. Os meios massivos de comunicação criminalizam os movimentos. Sabemos a quem esses meios servem.

A história tem algo a dizer

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Olhando para o passado republicano brasileiro, o que se pode dizer é que propostas para equacionar o grave problema social em questão não faltaram. Importantes instrumentos de inibição do rentismo, que especula com a necessidade de habitação, não deixaram de ser lançados na esfera pública pretérita. Assim, o trabalhista e deputado federal Fernando Ferrari (PTB/RS), ainda nos anos 1950, defendia uma tributação progressiva, na qual propunha que o valor do aluguel pago pelos inquilinos deveria incidir em abatimento no imposto de renda.

Por sua vez, Sérgio Magalhães (PTB/Rio), também trabalhista e deputado federal, cassado pela ditadura instalada em 1964, propugnava a encampação estatal de imóveis alugados. O inquilino – que não possuísse um imóvel – pagaria o mesmo valor dos alugueis à União, só que sob a forma de prestações da moradia que seria sua. Os valores seriam repassados pela União aos ex-proprietários, a título de indenização. A diferença resultante entre o total das prestações e o valor do imóvel, da mesma forma, seria coberta pelo governo federal.

Pouco antes de ser destituído pelas forças reacionárias do imperialismo e do parasitismo capitalista, o presidente João Goulart (PTB/RS), em mensagem enviada ao Congresso Nacional em 15 de março de 1964, alertava para alguns aspectos do problema, com ponderações que demonstram atualidade: "O deslocamento de favelados não pode ser imposto pela força, mas precedido de investigações sobre as condições de vida desses agrupamentos e amparado, de perto, pelas modernas técnicas do serviço social, para que não se criem outros tantos problemas de desajustamento, de transporte mais caro e difícil para os locais de trabalho e até mesmo de desemprego que invalidam, em grande parte, os benefícios decorrentes da transferência" (2).

Ideias não faltavam, como ainda não faltam. Contudo, escassa é a ousadia dos nossos representantes políticos, sobretudo das esquerdas com assento no Congresso Nacional. O debate a respeito do assunto também tende a ser posto para escanteio pela mídia corporativa. Configura, no mesmo compasso, um tema de alta relevância social praticamente esquecido nas campanhas dos principais candidatos à Presidência. No G3 da eleição, evidentemente, de Aécio e Marina nada se poderia esperar.

(1) Link de acesso à página do MNLM-RJ. Para informações pormenorizadas sobre a ocupação "Manoel Congo" e suas atividades políticas e educacionais, consultar aqui artigo de Vinícius Neves.

(2) Consultar página 203.

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