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Silvia Pinheiro

Diretora da SPinheiro, uma consultoria especializada em empreendimentos comunitários e biodiversidade

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Moratória da soja: aprendizados e advertências

Desde a entrada em vigor da Moratória da Soja os dados apontam para a redução da derrubada de vegetação nativa

Soja (Foto: REUTERS/Jorge Adorno)

As recentes decisões envolvendo a suspensão da Moratória da Soja chamam atenção para a importância, mas também vulnerabilidade, em que se encontram no cenário atual, acordos voluntários que reuniram, no passado, sociedade civil, Estado e empresas em torno de direitos fundamentais e desenvolvimento econômico. 

A primeira decisão, a do CADE – Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência pediu a suspensão preventiva da “Moratória da Soja” e a Justiça Federal a seguir suspende por liminar a decisão do Conselho. Segundo o CADE, haveria suspeita de formação de cartel entre exportadores, que ao assinarem o acordo da moratória concordaram em não comprar soja em áreas desmatadas na Amazônia, enquanto a Juíza Federal Adverci Rates Mendes de Abreu entende que a Moratória da Soja é instrumento de fomento ao desenvolvimento sustentável e que a “desarticulação imediata” do acordo seria “desproporcional e sem o enfrentamento de argumentos técnicos”. 

A Moratória da Soja é acordo voluntário setorial que foi assinado em 2006 por empresas do setor alimentício na Amazônia associadas a ABIOV – Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais e ANEC – Associação Nacional dos Exportadores de Cereais. Participaram também do acordo entidades da sociedade civil como WWF, The Nature Conservancy, IMAFLORA entre outras, além do Banco do Brasil e o INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Naquele momento, conflitos foram amenizados em prol de prioridades como conter o desmatamento na Amazônia, abrir portas para exportações e subsidiariamente combater o trabalho escravo, largamente usado na derrubada da floresta, “chaga” caraterística de uma sociedade de origem escravocrata, a ser erradicada. 

A Moratória da Soja segue na esteira do Pacto Nacional de Erradicação de Trabalho Escravo de 2005 entre setores público, privado e sociedade civil, quando empresas se comprometeram em não negociar com fornecedores flagrados pelo uso da escravidão contemporânea. A Moratória da Soja e o Pacto Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo simbolizaram momento de amadurecimento e articulação da sociedade civil, mediando interesses de atores chave públicos e privados fazendo avançar pautas de desenvolvimento sustentável e garantias de direitos fundamentais. 

A despeito da natureza voluntária de ambos os instrumentos, o Pacto e a Moratória contribuíram para o fortalecimento de mecanismos como a Lista Suja do Trabalho Escravo e a Lista Suja do Desmatamento. A atuação do país, naquele momento, mereceu destaque na OIT – Organização Internacional do Trabalho e Conferências da ONU sobre o clima. 

Desde a entrada em vigor da Moratória da Soja os dados apontam para a redução da derrubada de vegetação nativa com reutilização de áreas plantadas e uso de pastagens degradadas na produção de soja. Destacam ainda os dados oficiais do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima que o período de 2008 - 2012 testemunhou o maior percentual de redução do desmatamento até os dias de hoje (PPCDAM, Fase 5). 

Informes do MapBiomas para o período de 2005 – 2014 confirmam tendência de conversão de pastagens para uso agrícola. Para o ano 2025, segundo dados da ABIOV estão previstos recordes na produção e exportação de soja com incorporação de novas áreas de plantio por meio da conversão de pastagens. A suspensão do acordo é desnecessária sob o ponto de vista de escassez de terra para plantio e só acarretaria sérias consequências para vegetação nativa e comunidades locais. 

Além disso, devem ser analisados outros impactos da desarticulação do acordo setorial da moratória da soja, em caso de aprovação, como a concentração fundiária na Amazônia. Sabe-se que um dos maiores problemas da região são ainda as grandes extensões de florestas públicas de domínio estadual e federal em abandono. A queda da Moratória da Soja poderia ser incentivo adicional para “grilagem” com derrubada da mata e posterior legalização da área. As áreas de floresta que ainda restam, por exemplo, nas regiões do MATOPIBA e AMACRO hoje preservadas por grupos de quilombolas e de indígenas agricultores e extrativistas, entrariam no radar de produtores de soja descomprometidos com as pautas da sustentabilidade socioambiental.

Ao cenário atual das decisões sobre a Moratória da Soja, soma-se a mais recente decisão do Judiciário do Pará de condenação da Wolkswagen por escravidão contemporânea na Fazenda Vale do Cristalino entre 1974 e 1986 quando da operação de seu projeto “Gado do futuro”. As referidas decisões vitoriosas chamam atenção para a responsabilidade dos judiciários e Ministério Público na salvaguarda de direitos alcançados as custas do sacrifício de muitos. Porém, como no contexto da assinatura da Moratória da Soja e do Pacto Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo faz-se cada vez mais necessária a articulação dos setores progressistas da sociedade civil brasileira, sob o risco de esvaziamento das recentes conquistas que isoladas podem “cair por terra” ante constantes e graves ameaças de retrocessos. 

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.