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Carlos Alberto Mattos

Crítico, curador e pesquisador de cinema. Publica também no blog carmattos

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Mostra de Cinema SP: Dilemas da vida no Islã

(Foto: Divulgação)
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Até quarta-feira é tempo de assistir aos filmes online da Mostra de Cinema de São Paulo. Aqui vão duas dicas de histórias sobre muçulmanos vivendo desejos e ambições na contramão do que reza o Alcorão. "Três Irmãos" e "O Compromisso de Hasan" estão na plataforma Mostra Play.   

Rebanho arcaico

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Não fosse o rótulo de documentário, Três Irmãos (Brotherhood) bem poderia ser assistido como a um pequeno filme independente de ficção feito nos confins da Bósnia. A armação das cenas, a decupagem em campo e contracampo, as elipses de passagem do tempo, tudo responde a um modelo de continuidade típico do filme ficcional. Só faltou mesmo ao diretor Francesco Montagner conferir uma dramaturgia mais sólida a sua proposta.Gravado ao longo de alguns anos, o filme cobre três períodos. No primeiro, vemos Ibrahim "Ibro" Délić no rígido trato com o seu rebanho de ovelhas e os três filhos adolescentes. Quando ele é recolhido à prisão por ter participado da Guerra da Síria e sido acusado de terrorismo, os meninos passam a viver sozinhos e desfrutar de uma liberdade inédita. Por fim, Ibrahim retorna à casa depois de dois anos e retoma o controle sobre sua prole.  

Enquanto estão distantes do pai, Jabir, Usama e Uzeir deixam explodir suas diferenças. Há aquele que se liberta do jugo paterno pelo trabalho e o amor; outro que assimila e reproduz o fanatismo do pai; e o mais novo, que está em busca do seu caminho entre os games do celular e o Alcorão. Em comum, existe o cultivo de uma masculinidade muito balcânica nas brincadeiras de luta e nas simulações de um estado de guerra que ainda ecoa os conflitos da região nos anos 1990.   

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Como era de se esperar num filme rural, Montagner confere grande importância à paisagem, às vezes com uma palheta que lembra pinturas impressionistas. A sucessão de conversas em torno da fogueira e de atividades do pastoreio deixa entrever um misto de observação e encenação quase indiscernível. Se estilisticamente o filme se realiza com certa eficácia, do ponto de vista do desenvolvimento do seu tema – os efeitos da presença e da ausência do pai – é preciso reconhecer que não vai muito além do rascunho.  

Três Irmãos pertence a uma estirpe que antigamente se chamava de europudim. Produção majoritariamente tcheca, diretor italiano, assunto bósnio. No Festival de Locarno, ganhou o Leopardo de Ouro na categoria Cineastas do Presente.  

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Entre a usura e o Alcorão

Compromisso de Hassan

Quem já conviveu com muçulmanos não ortodoxos conhece a forma com que eles negociam suas virtudes e interdições para atenderem simultaneamente ao Alcorão e a seus desejos e necessidades. Como fumar, beber álcool, enganar o próximo e trair o cônjuge, por exemplo, sem perder as indulgências do bom islamita. O personagem-título de O Compromisso de Hasan (Baglilik Hasan) precisa negociar com sua consciência a fim de atingir a purificação necessária para fazer a peregrinação a Meca.

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Sua propriedade no interior da Turquia foi herdada mediante um artifício contra o irmão, com quem não fala há 20 anos. Diante da ameaça de instalarem uma torre de energia em sua plantação de tomates, Hasan manobra novamente em desfavor do irmão. Aproveita-se de um vizinho em dificuldades para arrematar suas terras a preço aviltante. Agora, ao ser sorteado para fazer a viagem a Meca, ele precisa pedir a bênção a todos a quem prejudicou no passado.   

Assim, o filme de Semih Kaplanoglu – o segundo de sua trilogia dedicada à questão do compromisso – evolui compassadamente (duas horas e meia) através de uma série de encontros de Hasan com pessoas a quem ele deve favores, providências ou de quem espera alguma vantagem ou o perdão. O ajuste ético se estende a sua própria relação conjugal, mantida num estranho patamar de formalidade. A esposa (Filiz Bozok) não fica atrás em matéria de exploração dos necessitados.

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O ator Umut Karadag, um quase-sósia de Leonardo Vilar, defende com sobriedade o papel desse homem usurário que não abre mão dos próprios interesses, mesmo na hora de pedir perdão. A culpa de Hasan se expressa por meio de cenas oníricas, como uma chuva de maçãs ou o destino de uma árvore solitária que pode simbolizar seus pecados.  

Tive a sensação de que, apesar da longa duração, Kaplanoglu não logrou arrematar devidamente seu conto moral. Algumas linhas dramáticas ficam perdidas no caminho, como a relação com o vizinho explorado, a querela financeira com a mulher e a figura promissora da empregada-testemunha, que é simplesmente abandonada.

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