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Maria Luiza Falcão Silva

PhD pela Heriot-Watt University, Escócia, Professora Aposentada da Universidade de Brasília e integra o Grupo Brasil-China de Economia das Mudanças do Clima (GBCMC) do Neasia/UnB. É autora de Modern Exchange Rate Regimes, Stabilisation Programmes and Co-ordination of Macroeconomic Policies, Ashgate, England.

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Motim no parlamento brasileiro

Tentativa de anistia escancara ofensiva bolsonarista contra a democracia e revela estratégia de vingança institucional no Parlamento

Hugo Motta diante do plenário ocupado (Foto: Bruno Spada / Câmara dos Deputados)

O Congresso Nacional brasileiro vive uma das semanas mais tensas desde a redemocratização. Desde o dia 5 de agosto de 2025, parlamentares da extrema direita transformaram as Casas Legislativas em palco de um verdadeiro motim institucional. Em protesto contra a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro e em defesa da anistia aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, deputados e senadores bolsonaristas passaram a ocupar fisicamente as mesas diretoras da Câmara e do Senado. Alguns chegaram a se acorrentar; outros usaram esparadrapos na boca, encenando um silêncio forçado que, na verdade, tenta mascarar a brutal tentativa de calar a Justiça e subjugar o Estado de Direito.

O estopim da crise foi a articulação explícita para impor à força a votação do chamado “pacote da paz”, que inclui três pontos principais: a anistia ampla e irrestrita aos condenados pelos ataques de 8 de janeiro, o impeachment do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes e o fim do foro privilegiado para parlamentares.

Trata-se de uma ofensiva direta contra os pilares institucionais do país — Judiciário, Legislativo e o sistema democrático de freios e contrapesos. Diante da obstrução orquestrada, o presidente da Câmara, Hugo Motta, e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, decidiram cancelar sessões e denunciar a tentativa de sequestrar o processo legislativo por meio da chantagem política.

É fundamental compreender o que está em jogo. Os atos de 8 de janeiro de 2023 não foram manifestações políticas; foram uma tentativa de golpe de Estado. Milhares de bolsonaristas invadiram e depredaram o Congresso, o Palácio do Planalto e o STF, promovendo cenas de destruição inéditas. O Supremo classificou a ação como terrorismo. A Procuradoria-Geral da República denunciou Jair Bolsonaro e outros envolvidos por tentativa de golpe, organização criminosa e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. A pena combinada pode chegar a 46 anos de prisão. E é exatamente para evitar esse desfecho que a extrema direita tenta agora reescrever a história e apagar o crime com tinta legislativa.

A pressão política escalou nos últimos dias. Apoiadores de Bolsonaro realizaram um ato em Brasília, com presença de lideranças como Magno Malta, Silas Malafaia e outros parlamentares, exaltando a “paz” enquanto atacavam o Judiciário e exigiam anistia para os criminosos de 8 de janeiro. O ex-presidente, mesmo proibido de usar redes sociais, participou por videoconferência. A encenação, no entanto, não resiste aos fatos: trata-se de uma tentativa de impor, pela força da bancada e pela desestabilização do Parlamento, um revisionismo perigoso. Um perdão coletivo que livraria da Justiça justamente aqueles que tentaram destruí-la.

A sociedade civil tem reagido. Pesquisas recentes mostram que mais da metade da população brasileira é contra a anistia. Juristas apontam que um perdão legislativo às vésperas de sentenças definitivas colocaria o Brasil numa rota de impunidade similar à que marcou o fim da ditadura militar — uma conciliação que selou a democracia pela metade. Hoje, esse erro histórico se repete sob nova roupagem: a conciliação com o golpismo moderno, que se esconde atrás de bancadas, púlpitos e canais no YouTube, mas que jamais abandonou o projeto autoritário de poder.

O mais alarmante, porém, é que essa tentativa de anistia não é um episódio isolado, mas parte de uma estratégia transnacional da extrema direita. Assim como, nos Estados Unidos, Trump atua para minar a Justiça e deslegitimar o sistema eleitoral, no Brasil Bolsonaro e seus aliados apostam na confusão, na pressão institucional e no populismo legislativo como armas para enfraquecer as investigações e escapar das punições. O bolsonarismo não é apenas uma corrente política — é uma forma de insurgência contra a legalidade democrática.

A crise no Parlamento é inusitada. Mostra que o que está em jogo não é apenas a memória de um 8 de janeiro, mas o futuro de todos os outros dias. A anistia aos golpistas seria a institucionalização do crime. E o silêncio diante desse motim seria a capitulação final da democracia brasileira.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.